Quando a pioneira da confecção apucaranense Maria Abigail Fortuna ingressou no ramo, em meados da década de 1970, ela nunca imaginou que Apucarana se tornaria o maior polo da produção têxtil do Paraná. Segundo o Observatório do Sistema das Federações das Indústrias do Estado do Paraná (Sistema Fiep), atualmente são mais de 612 estabelecimentos com mais de 7,1 mil trabalhadores ativos com carteira assinada.
De acordo com a empresária, esses números são resultado de uma trajetória marcada por erros, acertos e, sobretudo, pela insistência dos empresários responsáveis por desbravar esse ramo de atividade mesmo com recursos escassos.
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Maria criou sua empresa em 1978, a Titu's Jeans, após um período no ramo boneleiro. Naquela época, o Paraná se recuperava da geada negra, que queimou todos os cafezais e outras culturas agrícolas. Por ser um município dominado por cerealistas, Apucarana sofreu em função do prejuízo no campo e o desaparecimento de produtos agrícolas, o que fez muitas pessoas investir em outras atividades. Naquela época, a indústria têxtil começou a engatinhar.
A empresária conta que tudo era baseado no conhecimento empírico diante da ausência de cursos profissionalizantes. Filha de costureira e de um comerciante, aprendeu rapidamente de uma maneira um pouco “amadora” e “artesanal” a desenvolver produtos. “Naquela época era na base da cópia e do achismo. Erro e acerto. Lembro que a gente pegava as calças de marcas que a gente gostava e desmontava para ver como era feito o molde, o zíper, o bolso... Era dessa forma e com muita vontade de fazer acontecer”, acrescenta.
Entre os principais desafios, Maria Abigail destaca a dificuldade em realizar pesquisas para desenvolver produtos e encontrar profissionais qualificados, justamente por ser uma região tradicionalmente agrícola. Ela recorda que em 1986 fez a primeira viagem para a Europa em busca de novidades e atualização com um grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Ela era a única paranaense.
“Visitamos Londres, Paris e Milão. Andava o dia inteiro, comprava algumas peças e trazia um monte de revista para o hotel. À noite a gente ficava selecionando, tirando as páginas que serviam, pois, o transporte da bagagem era caro, então levava só o que interessava”, conta.
O processo de pesquisa e criação começava durante a viagem e, em solo brasileiro, passava pela realização de eventos e visitas a clientes. “O desafio era criar e desenvolver, olhar o que o mercado queria. Naquela época não tinha internet. Para isso tinha que ir para estrada, fazer eventos e visitar clientes. Manter representantes qualificados e profissionalizados. Tinha o desafio de liquidez dos lojistas, desafios econômicos, pois não havia recursos financeiros. A gente tinha que levantar dinheiro para tudo, pois programas do governo eram raríssimos. Matéria prima também era difícil, principalmente aviamentos. O tempo todo era dificuldade. Foram muitos desafios”, ressalta.
RECEITA DO SUCESSO
Ela acredita que a receita do sucesso foi focar em apenas um produto fabricado com qualidade e produtividade. No caso de Apucarana, foi o boné. Hoje, o segmento atua nas mais diversas áreas do setor do vestuário. Outro diferencial da cidade foi a verticalização do processo produtivo. Em Apucarana existem empresas especializadas na fabricação de tecidos, bem como a modelagem computadorizada, estamparia, serigrafia, bordado e outras etapas da confecção.
“Foi a qualificação das pessoas e do produto que contribuíram muito com esse sucesso. Isso é resultado do esforço dos empresários que sempre buscaram excelência nesse produto. Isso contribuiu bastante para que Apucarana se tornasse esse polo da indústria do vestuário”, destaca.
A união da classe empresarial também colaborou com a expansão do setor. De acordo com Maria Abigail, no início os proprietários de indústrias se ajudaram muito e até “fatiavam” compras grandes entre as outras empresas.
“Até certo ponto era competitividade, mas tinha muita cooperação e colaboração. E dessa cooperação nasceu muita coisa boa. Formamos a associação das indústrias e depois conseguimos transformar em um sindicato que criou uma identidade para o setor do vestuário”, recorda.
Para o economista Marcelo Vargas, professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Apucarana, o sucesso do polo têxtil apucaranense teve grande contribuição da indústria boneleira. “A indústria do boné está inserida dentro da indústria têxtil. Tanto é que existe uma lei federal que confere ao município o título de Capital Nacional do Boné”, assinala.
De acordo com Vargas, a indústria apucaranense responde por 80% da produção nacional de boné. “As outras indústrias de confecções, jeans, produtos promocionais, uniformes, camisetas, acabam vindo de uma consequência da indústria do boné. Tem o próprio período da pandemia, que as empresas começaram a fazer máscaras, entendo que isso explique esse fenômeno econômico de ser o maior polo têxtil paranaense”, comenta.
MANTER PROCESSO SEM DESCUIDAR DO MEIO AMBIENTE
Ao olhar para o futuro, Maria Abigail acredita que o maior desafio será dar continuidade ao processo produtivo sem descuidar do meio ambiente. O que para ela tem tudo a ver com educação. “A educação ambiental precisa ser estabelecida desde a infância nas escolas, nas empresas, dentro de casa. Acho que se o brasileiro aprender a ter cuidado com o meio ambiente vai melhorar muita coisa. A começar pelo lixo nas ruas. Acho que estamos pobres na educação ambiental. Pois o consumismo aumenta cada vez mais e cada um precisa ser responsável pelo seu lixo. Estamos muito atrasados nesse sentido”, salienta.
Outra visão de futuro da empresária tem relação ao crescimento da produção de bonés. De acordo com ela, 10% da população brasileira usam o acessório que é indicado para proteção solar além de ser um item “fashion” e de marketing. “A grande vantagem e diferencial competitivo de Apucarana é a verticalização da produção. Temos tudo para produção de boné com muita qualidade. Adquirimos um padrão de qualidade alto, mas ainda é possível melhorar bastante e quem sabe focar mais em exportação”, observa.