Recentemente, os noticiários foram dominados por uma disputa intensa entre o STF e o Congresso Nacional devido a decisões relacionadas à utilização e ao pagamento de emendas parlamentares. Deputados e senadores sempre consideraram as emendas parlamentares como uma ferramenta importante para atender suas bases eleitorais. No entanto, em uma decisão individual, conhecida como monocrática, o ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento das emendas até que fossem estabelecidos critérios de transparência e rastreabilidade.
As emendas parlamentares são instrumentos que permitem aos deputados e senadores destinar recursos do orçamento federal para projetos específicos em suas bases eleitorais ou áreas de interesse. Até o ano de 2015, cada deputado e senador tinha uma cota individual de emendas. Em 2015, se tornou obrigatória a execução das emendas individuais ao orçamento, dentro de certos limites e critérios, o que ficou conhecido como “orçamento impositivo”. Essa mudança garantiu que uma parte do orçamento federal seja executada conforme as prioridades indicadas pelos parlamentares, sem que o Poder Executivo possa contingenciar esses recursos, exceto em casos específicos previstos na legislação.
De lá para cá, as características das emendas passaram por transformações significativas, culminando no que ficou conhecido como “orçamento secreto”, em que não se sabia quem indicava as emendas e para onde iam os recursos. Em seguida, foi criado outro tipo de emenda, apelidada de “emendas PIX”, em que os recursos eram destinados a um município ou estado, mas sem que fossem identificados os patrocinadores das emendas, nem os valores e beneficiários. Além disso, os recursos não tinham um destino pré-definido, permitindo que o beneficiário os utilizasse como bem entendesse.
Na realidade, tanto as emendas anteriores a 2015 quanto os tipos de emendas que surgiram depois se caracterizam como uma grande distorção criada pelos nossos agentes políticos. Vivemos em um regime presidencialista, e a Constituição Federal deixa claro que os recursos arrecadados pelo Poder Executivo devem ser aplicados em programas e ações previamente aprovados. No caso das emendas, o Poder Legislativo se apoderou de uma parte do orçamento — mais precisamente, de um quarto dos recursos livres — e decide como aplicá-los sem regras de isonomia e, o que é pior, sem transparência.
Antes, quando ouvíamos falar de emendas parlamentares, imaginávamos que resultariam em obras; agora, no entanto, já existem emendas destinadas ao custeio, o que é uma anomalia, uma aberração. O ministro Flávio Dino acertou ao barrar a “festa das emendas” e forçar uma discussão mais séria e efetiva. Da forma como as emendas estavam sendo aplicadas, não podiam ser classificadas como política pública. Era possível, por exemplo, uma cidade precisar de um posto de saúde, e o deputado enviar recursos para construir uma nova escola. As prioridades não eram respeitadas. Atualmente, nem isso acontece: o dinheiro vai para os redutos eleitorais de deputados e senadores sem que se observem critérios de eficiência no gasto público.
Enquanto muitas localidades receberam recursos em abundância, outras ficaram em completa penúria. O modelo de emendas é perverso e distorcido e deveria ser totalmente abolido. No entanto, não acredito que isso acontecerá, pois os agentes políticos provavelmente irão encerrar essa discussão sem grandes mudanças, e a população continuará vendo o dinheiro arrecadado sendo aplicado sem eficiência, sem eficácia e sem efetividade.