DIA 29 DE ABRIL: 6 ANOS DO MASSACRE NO CENTRO CÍVICO

Da Redação ·
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Há 6 anos, no dia 29 de abril de 2015, boa parte dos paranaenses presenciou, horrorizada, via transmissão ao vivo, um dos maiores ataques à educação no Paraná. Nessa data, a Polícia Militar (PM) do Paraná realizava uma das operações mais violentas da história em Curitiba. O saldo foi de mais de 200 pessoas feridas, danos morais e psicológicos aos que vivenciaram tamanha truculência e perda de direitos do funcionalismo, bem como mudanças no regime previdenciário de professores e funcionários de escolas.

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Conhecido como Massacre de 29 de abril ou Batalha do Centro Cívico, essa data tornou-se símbolo dos ataques à educação no Paraná. Gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, balas de borracha e confrontos diretos marcaram as cenas tristes que puderam ser vistas nas ruas de Curitiba.

Entre os responsáveis, tivemos o ex-governador Beto Richa (PSDB), que sancionou a lei que retirou direitos dos professores, o então secretário de segurança pública estadual Fernando Francischini (PSL), que coordenou a ação policial truculenta no dia das manifestações.

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Os motivos que trouxeram como consequência os confrontos foram ataques consecutivos às categorias de professores e funcionários de educação e, como fato que levou ao confronto, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovou naquele 29 de abril um projeto de lei que mudou a forma de funcionamento e gestão da ParanaPrevidência, o regime próprio de Previdência Social dos servidores estaduais, comprometendo a saúde financeira da ParanaPrevidência e a aposentadoria dos trabalhadores da educação.

Há anos, os trabalhadores da educação enfrentam dificuldades para estabelecer um diálogo efetivo e eficaz com o governo. Na atual gestão, as dificuldades encontram-se estendidas pela atuação do secretário estadual de educação Renato Feder, que estabeleceu um modelo de gestão empresarial na educação.

Gradualmente, as políticas públicas para o setor de educação têm sido direcionadas em um sentido de restringir, e nunca de ampliar ou efetivar direitos.

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Centenas de ações individuais foram impetradas contra o estado do Paraná para exigir indenização por danos morais e materiais. Um dia que marcou negativamente a história da educação paranaense e deixou um rastro de destruição na trajetória daqueles que estiveram presentes nos fatídicos dias.

Em conversa com profissionais de educação que estiveram no dia 29 de abril de 2015, nota-se que as lembranças são variadas, mas todas com um mesmo tom, uma sensação de dor, impunidade e violência institucional.

 “Eu fui do grupo que esteve em Curitiba no dia 29 de Abril. Já estava ocorrendo uma discussão sobre a votação acerca do aporte de bilhões de reais da previdência do funcionalismo público. Houve uma movimentação nas escolas e apesar de não fazer parte diretamente dos núcleos de lideranças sindicais, sempre fui próximo da professora Giane, que na época concorreu a eleição da APP. Nesse momento, eu dava aula em Londrina, em uma escola estadual e houve uma movimentação de pessoas para irem a Curitiba. Entre debates, decidimos por ir para Curitiba. Lembro que na semana, era o aniversário da minha mãe. Ela, como que pressentindo, me pediu que não fosse, que estava preocupada. Mesmo assim acabamos indo no dia 28 a noite. Saímos de Londrina em direção à capital, foram 2 ônibus com profissionais de educação. Naquela noite, uma amiga recebeu um áudio de uma conhecida que era policial indicando que os mesmos também haviam recebido um chamado para irem a Curitiba e pedindo que a mesma tomasse cuidado. O clima foi de tensão. Nos reunimos bem cedo nas proximidades do Palácio, a ideia do movimento era impedir a votação do confisco da previdência, sem violência e de forma pacífica. Mas a situação já estava preocupante. O que chama a atenção no episódio do 29 de abril é que de fato tudo estava caminhando para se tornar um conflito, uma grande ação de truculência por parte do governo. As fotos em que apareço nos entornos do palácio mostram um momento em que estava na praça em ações de protesto, pessoal com faixas e um dos primeiros estranhamentos que tive foi a percepção de helicópteros da polícia rondando as manifestações. Na hora pensei ‘isso não é normal’ , o primeiro grande susto que me fez literalmente correr, lembro até que perdi meu celular no meio da confusão, comecei a ver pessoas machucadas no meu entorno, mas a primeira situação foi que escutei um estrondo muito forte e o meu sentimento foi de pânico. Quando você escuta um estrondo a sua primeira sensação é de pensar ‘o que foi isso?’. Você demora para processar, para dar o start e começar a correr. E nem deu tempo de se afastar e os barulhos se intensificaram. E o clima de desespero foi geral, vimos pessoas de diversas idades, inclusive idosos, em verdadeiro estado de terror. A sorte é que não me machuquei, inclusive teve relatos de pessoas serem baleadas com bala de borracha. Infelizmente, foi um momento terrível mesmo. Até hoje é uma situação que ao relembrar me causa calafrios... não é algo que esperamos quando lutamos pacificamente pelos nossos direitos em um estado democrático”.

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Professor Arnaldo Martin Szlachta Junior, historiador e docente na UFPE, lecionava em Londrina na época. 

“Eu acredito que o que aconteceu comigo aconteceu com muitos professores quando ouvem qualquer referência ao dia 29 de abril: não queremos lembrar! Infelizmente, marcou muito negativamente, o que eu penso é que é preciso trabalhar esse sentimento negativo e buscar considerações, afinal de contas, somos professores e sempre procuramos aprender com todas as situações. O dia 29 de abril não é um dia que gostamos de lembrar como um dia memorável, foi um dia que consideramos de luta, de aprendizado, mas também de muita dor. O que aconteceu naquele dia ainda é muito vivo. Nós ficamos durante toda uma tarde em frente ao Palácio Iguaçu, ao mesmo tempo que parece muito tempo, foi muito rápido. O massacre começou por volta das 14h da tarde e terminou mais ou menos às 17h30. Durante esse tempo, não houve um só minuto de interrupção de choro, de grito, de fumaça, de barulho de helicóptero. Não houve um só momento em que a gente não olhasse para tudo aquilo como um campo de batalha. E, quando nós retornamos naquele dia, foi tanto pior quanto mais dolorido. Primeiro, porque eu fui atingida, não somente a minha individualidade, a minha pessoa, atingiu toda uma categoria, toda a minha classe. Na verdade, é muito triste ver professores serem tratados dessa maneira por um governo, que deveria ver no professor uma parceria, um aliado, aliás, ninguém está em confronto com ninguém, o que nós temos ali na realidade é a causa da justiça e da dignidade humana. Posso dizer que o se desencadeou o nosso retorno foi muito triste. Primeiro, porque quem foi agredido naquele dia não foi um professor em particular que esteve ali na praça Nossa Senhora de Salete. Foram todos os professores! Retornar à sua rotina, à sua cidade e mostrar, na sua convivência, o quanto nós fomos afetados também não foi fácil. Que todos se compreendessem, naquele momento, atacados, também não foi fácil, e o ataque veio em doses homeopáticas. Veio antes daquele dia, naquele dia, e foi se estendendo por muito tempo, inclusive nos dias de hoje. Mudaram os atores, mas o enredo ainda é o mesmo: de desqualificação e de perda de direitos aos professores. Esse enredo se mantém. Quando nós retornamos, fomos acolhidos pelos colegas, mas nem toda a sociedade entendeu com sensibilidade aquele momento. Eu acredito que o que aconteceu no dia 29 de abril faz parte de um processo de desqualificação dos professores, faz parte de um processo de desqualificação que a sociedade incorporou, especialmente uma boa parte da sociedade que é convicta dessas ideias dos governos que se passaram desde então.”

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Sueli Dias, professora de História da SEED, Apucarana, Paraná 

 “O 29 de abril é uma data marcante para nós, profissionais da educação do Paraná, pois confirma o desrespeito e a violência com que o estado trata os educadores. Eu estive presente no dia 29 de abril na praça Nossa Senhora da Salete. Eu estava presente desde o início da greve. Participei do comando de greve do meu Núcleo Sindical; fiquei acampada na porta do Palácio Iguaçu; servi de barreira humana para impedir que os deputados entrassem na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) no dia 12 de fevereiro, quando entraram de camburão; participei da ocupação do Núcleo Regional de Educação (NRE) da minha região; e estive envolvida em todas as ações que aconteceram durante a greve. Imaginei tudo, mas jamais acreditei que a sociedade paranaense fosse deixar que algo assim acontecesse e ficassem impune. Foi nesse sentido que mudei. Hoje sei exatamente quem é o paranaense e o que nós significamos para ele.

Muitos dizem que estivemos em um campo de batalha, posso garantir que não, não estivemos. No campo de batalha, é dada aos opositores a possibilidade de armarem-se e criarem táticas de luta. Não foi isso o que aconteceu naquele dia. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, estávamos totalmente desprovidos de qualquer tipo de arma, nossa única força era nosso grito e nossa coragem de enfrentar de mãos limpas um governo truculento. Nosso inimigo, por sua vez, estava munido de bombas, balas de borracha, cassetete, cães treinados para combate, cavalaria e uma imensidão de policiais do BOPE, que ali, naquele momento, estavam treinados para bater em trabalhadores. O que vivemos foi, com certeza, um massacre.

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A experiência foi traumatizante, colegas caindo ao nosso redor, ou por asfixia por conta das bombas, ou machucados com tiros de balas de borracha. Gente ferida por todos os lados, pessoas desesperadas, e o pior de tudo: o pânico em seus olhos.

Nós somos educados para formar pessoas, não para a guerra e, naquele momento, vimo-nos totalmente desprotegidos diante de uma violência que ultrapassa minha capacidade de interpretação.

Terminei minha noite, no hospital do Cajuru, socorrendo um amigo, que foi atingido por um estilhaço de bomba e acabou sendo seriamente ferido. A cena que vi naquele hospital foi horripilante. Não paravam de chegar ambulâncias do SAMU trazendo pessoas feridas no massacre, era assim que os enfermeiros que as recebiam se referiam ao ato.

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Naquele hospital, na sala de espera, completamente lotada de gente assustada com o acontecido, tinha uma televisão e, pasmem, vi ali, dentro da sala de espera do hospital, os deputados votarem a aprovação do confisco da nossa Previdência. Cheguei a passar mal, senti náuseas. Um misto de nojo e ódio abateram sobre mim no momento que assisti ao deputado Traiano, que conduzia a sessão, dizer que a votação prosseguiria, pois o que havia acontecido na praça foram apenas umas ‘bombinhas’. Foi revoltante. Nesse momento, a ‘ficha caiu’: o Paraná é um estado reacionário e a educação não tem lugar nesse estado.

Como se não bastasse, fomos levar o amigo para fazer o exame de corpo de delito no IML e, para nossa surpresa, deparamo-nos com um policial pintado de tinta dos pés à cabeça, passando por exame para comprovar que havia sido agredido pelos professores. Era tinta pura. Minha vontade foi de ‘dar na cara dele’. Segurei o choro e seguimos. Retornamos às nossas casas. Saímos de Curitiba às duas horas da manhã. Ônibus lotado, gente abatida, todos revoltados, judiados… vencidos.

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Mas o meu massacre não terminou por aí, nem o meu e nem o dos professores e funcionários da educação de minha cidade. Um ano depois, o prefeito local trouxera o governador Beto Richa para inaugurar a reforma de uma caixa d’água da Sanepar, localizada em frente à minha casa. E, para evitar que os professores utilizassem meu quintal para protestar contra a presença do dito governador, cercaram-na de policiais. Almoçamos com dois policiais plantados no portão, vigiando-nos. Na hora do evento, a polícia fez um cordão de isolamento em torno de minha casa. Meus pais não conseguiram sair porque estavam cercados. Nesse dia, eu chorei o 29 de abril, chorei o massacre, chorei a violência e chorei por entender o quanto valho para a sociedade paranaense. Ninguém reagiu, todos assistiram perplexos, mas ninguém fez nada.

Eu nunca mais serei a mesma pessoa depois desses acontecimentos. Entendi, da forma mais dolorosa, que a sociedade paranaense não valoriza a educação, pois ninguém nos defendeu: pais, alunos, comércio, igrejas, todos. A sociedade toda ficou assistindo e ninguém cobrou que os culpados por tamanha violência fossem punidos.

Perdi o encanto por muita coisa, perdi a confiança na sociedade em que vivo, mas não perdi a força para lutar por aquilo em que acredito. Nunca deixarei de lutar pelo que acho certo. Aprendi, com meus pais, que hoje não estão mais no plano terrestre, que caráter e dignidade não se negociam, e isso, para mim, não é negociável. E, assim, mais realista, sigo na luta.”

Vânia Inácio Costa Gomes, professora efetiva na Educação Básica do estado do Paraná. Graduada em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Mandaguari; mestra em História pela UEM/Maringá; doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação de História – PPH/UEM.

 “No início, senti um misto de angústia e esperança em conseguirmos reverter a situação a nosso favor, mas, quando começou o massacre, me senti um pouco impotente por não ter forças para ajudar a todos e com muita raiva do que estava presenciando, não fui diretamente alvejado por balas de borracha, mas inalei muito gás lacrimogêneo e senti minhas vistas arderem, tive falta de ar e um leve desmaio, quando, rapidamente, fui acordado por valorosos companheiros de que não sabia o nome, lembro que uma delas era uma moça afrodescendente que me deu vinagre para cheirar e aí me levantei e procurei me proteger próximo às árvores, lembro que encontrei colegas de Curitiba passando por mim e chorando, uma foi minha aluna no curso de pós-graduação e veio chorando me abraçando assustada porque se perdeu do esposo que também era professor e também foi meu aluno da pós e dizendo ‘levaram o D., professor, levaram o D.’, e eu tentei acalmá-la, também passavam por mim colegas de Apucarana machucados, como a professora Sueli Dias que tinha levado se machucado[CCS1] . Ainda hoje, as memórias daquele fatídico dia estão em minha mente, também lembro quando estávamos acuados na frente da Prefeitura Municipal de Curitiba e uma bomba caiu próximo a uma senhora e até atingiu os funcionários da prefeitura. O que tenho a dizer é que, depois do dia 29 de abril, eu não sou mais o mesmo, perdi todos os tipos de medo, porque vi o que o ser humano é capaz de fazer quando quer prejudicar o outro.”

Marcelo, professor de História no Colégio Estadual Heitor Cavalcanti de Alencar Furtado desde 2012, concursado desde 2005, participante dos movimentos da APP – Sindicato

 “Nesse dia tão triste para a educação paranaense, estive lá, jamais esquecerei aquela tarde nublada e melancólica de 29 de abril de 2015, em que até o tempo pressentia o cenário de guerra que vivenciaríamos. Por volta das 13h, nos reunimos em frente à Alep, pois, naquele momento, iniciaria a votação referente ao saque da nossa previdência social, consequentemente, a aposentadoria dos trabalhadores da educação do nosso estado. Estávamos lá, cerca de 20 mil pessoas, dentre as quais educadores, trabalhadores da educação, alguns estudantes das universidades estaduais, agentes penitenciários e funcionários da saúde. Tudo transcorria na absoluta pressão; de um lado, nós, funcionários públicos da educação, de outro lado, os policiais sob o comando da polícia, a mando do ex-governador Beto Richa (condenado por corrupção na educação). Naquele momento, sobrevoava um helicóptero que, até então, imaginávamos ser da imprensa. No caminhão de som, havia alguns membros da APP anunciando o início da sessão na qual teria a votação dentro da Alep, então, nesse momento, houve um silêncio absoluto agregado da mais profunda tristeza e decepção em saber que, naquele instante, nossos direitos foram retirados sem dó nem piedade, dava para ouvir a respiração ofegante dos participantes, quando, do nada, a polícia jogou a primeira bomba de gás lacrimogêneo, iniciando, assim, o massacre dos educadores. Eu achei, naquele momento, que iria morrer: tiros de bala de borracha, bala de porcelana, spray de pimenta, bombas sendo lançadas pelo helicóptero, um verdadeiro arsenal utilizado naquele dia. Os agentes penitenciários narraram que nem em rebelião nos presídios usaram um potencial bélico daquele, inclusive, trouxeram do Rio de Janeiro um blindado usado contra os traficantes, quem esteve lá viu e pode comprovar o verdadeiro esbanjamento do dinheiro público com tantas armas de contenção, tendo como objetivo acuar e encurralar nós, educadores, na praça Santa Salete em frente à Alep. Com tantas armas de contenção, começaram a cair muitos funcionários públicos, e o socorro vinha apenas dos participantes do protesto, pois nem o SAMU nem os bombeiros conseguiam socorrer os feridos, porque os ataques por parte da polícia só pararam depois de aproximadamente três horas de massacre, até a prefeitura de Curitiba foi usada como hospital para socorrer os feridos. O que nos deixou entristecidos foi a falta da falta de empatia por parte dos deputados da base do então governador Beto Richa, sem dó nem piedade, votaram na retirada da nossa previdência que, até então, nenhum paranaense sabe para onde foi o dinheiro, isso, em curto prazo, prejudicará os servidores que vão se aposentar. O sentimento de desamparo tomou conta ao ver tantos feridos, colegas sendo presos injustamente e todos nós desprotegidos por aqueles que deveriam nos proteger. Continuo sendo professora porque amo minha profissão, contudo, é perceptível que, tanto no Paraná quanto no Brasil, a educação não é prioridade, e somos atacados diariamente por pessoas que não conhecem a realidade da sala de aula, infelizmente, uma parte da população compra a ideia dos políticos e a defende, porém, ainda temos muitas pessoas que reconhecem nosso trabalho e fazem com que nós, educadores, continuemos nossa missão, que é transmitir conhecimentos e, com isso, ajudar a construir uma sociedade melhor.”

Cristiane Jonas Franciscon, professora de Geografia da SEED Paraná, Apucarana 


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