Há uma articulação em toda a região do Vale do Ivaí para unir os vereadores das 26 cidades. Estão planejando a retomada das atividades de uma associação que integra os vereadores, a Acavi. Mal sabem que, no mundo das informalidades, já tem uma entidade que une um grande número de vereadores da região: o apelido.
Se alguém se der ao trabalho de listar só os vereadores eleitos nas últimas eleições, nas cidades que compõem o Vale do Ivaí, a lista de apelidos vai ser longa e muito divertida.
Se o Pimba foi o mais votado de São Pedro do Ivaí, São João do Ivaí não fica atrás e elegeu o Carrinho. E por falar em mundo automotivo, Kaloré elegeu o Fernandinho da Garagem e Rio Bom preferiu o Toyota vereador. Em Kaloré também foram eleitos o Tatu e o Lambari.
Jardim Alegre se destaca também. E o time é dos bons. Tem o Pinguinha, o Parabólica, e o Língua Preta. Rosário do Ivaí tem seu representante no time dos apelidados, o Lustroso.
Borrazópolis tem o Dominado. Em Ivaiporã, tem o Sabão. Lidianópolis tem o Ferrugem e o Bala Gato. Lunardelli, o Jovem do Bar e Cruzmaltina, tem o Coró, Cambira tem a Aline do Abobrinha e o Coxa.
Em Marumbi, foram eleitos Oncinha e Bozó. O Sapo bateu na trave. Novo Itacolomi elegeu o Buiu Pedreiro. Em Ariranha do Ivaí tem o Marcos Gambá, em Arapuã tem o Chinês, em Grandes Rios tem o Mosquito da Loja e o Paulinho Jacaré. Em Rio Branco do Ivaí, a democracia escolheu o Velho do Moacir e o Nenê da Nadir, garantindo atender público de todas as idades.
Sem falar no Toxinha, de Arapongas, no Recife e no Poim, de Apucarana.
Colocar apelido em alguém é uma tradição brasileira. Apelido já é um verdadeiro patrimônio cultural. E haja criatividade. Alguns apelidos são tão bem encaixados que fica difícil chamar a pessoa de outra forma que não seja pelo dito cujo.
Apelidos são comuns e fizeram muitos famosos na arte (Aleijadinho), na música (Cartola), no esporte (Pelé). Até no mundo do crime tem apelidos famosos (Escadinha). No mundo das celebridades, então, os apelidos são tão comuns que até os nomes civis parecem fora de lugar.
Mas na política, apelidos são muito comuns. Além de personalizar o sujeito, geralmente são fáceis de ser lembrados, funcionam como verdadeiras marcas. É o que dizem os vereadores eleitos com apelidos inusitados.
Uma Brasília perdeu a roda e ‘nasceu’ o Língua Preta
Nesse time de vereadores cujos apelidos viraram nomes, antes das risadas, um aviso: não me procurem pelo nome de batismo.
Agnaldo Alves Bueno, de Jardim Alegre, só existe quando falam que ele é o Língua Preta, vereador de terceiro mandato. Um dia, há uns 25 anos, ele estava no barbeiro, lotado. Ouviu o barulho de um carro velho. Era uma Brasília, batendo latas. “Eu ouvi aquele barulho e falei que aquilo ia acabar perdendo a roda. Na hora que passou no quebra-molas, não é que quebrou a roda mesmo! Ela caiu, rolou e bateu na porta do açougue. Na mesma hora, todo mundo que estava lá se olhou e riu até que alguém se se admirou: que língua preta hein”, lembra o vereador que, naquele dia, foi rebatizado. “Foi de bobeira”, diz, lembrando a coincidência. “Eu acho legal. Me divirto. Tem gente que não gosta de apelidos. Mas eu acho legal”.
Corte de cabelo da moda fez Valdecir virar Parabólica
Valdecir Antonio Morschheuser também é vereador em Jardim Alegre e é mais famoso pelo apelido. Pelo nome, poucos vão encontrá-lo. O agricultor é conhecido como Parabólica. “A orelha ajudou”, explica. Ele mora no assentamento 8 de Abril. Em 96, quando participou de um acampamento dos trabalhadores rurais sem-terra, em Ibema, no Oeste do Estado, se inspirou num jogador famoso da época, Paulo Nunes, e deixou o cabelo loiro crescer. E raspou a parte de baixo, tipo undercut. “Parecia aquele cabelo de surfista. Eu cortei daquele jeito. Com o corte, a orelha acabou chamando a atenção. Alguém me chamou de Parabólica”, lembra. Pior, ele ficou bravo e nos primeiros dias sempre respondia dizendo que tinha nome, na esperança que não o chamassem mais de Parabólica. Ele ainda não sabia que havia sido rebatizado também.
“Não teve jeito. Pegou. Hoje sou conhecido como Parabólica. Se chegar em Godoy Moreira, no assentamento ou em Jardim Alegre, e perguntar pelo Parabólica me acha fácil. Até a polícia me conhece”, ri o vereador.
Resistir à gozação é pior, pega mesmo
Outro que caiu na besteira de ficar bravo foi Valdeci Alves de Jesus, de Marumbi, onde é vereador de primeiro mandato, já totalmente adaptado ao novo nome, Bozó, que carrega há mais de 40 anos. “Quase uma vida inteira chamado Bozó. Virou nome”, diz. Ele era rapaz, morava no sítio. Cheio de campinhos de futebol, logo os amigos montaram um time. E cada um passou a chamar o outro com nome de jogadores famosos da época. Mas alguém achou que Valdeci se parecia com o jogador do Coritiba, chamado Bozó. “Disseram que eu era parecido com ele e começaram a me chamar de Bozó. Mas o cara era desajeitado demais. Aquilo me deixava louco. Nunca sai no braço, mas briguei muito por me chamarem de Bozó”, relembra. “Foi pior, porque começaram a me chamar só para provocar mesmo”, explica, caindo na gargalhada. “Ninguém me conhece mais pelo nome. Esse é meu nome, Bozó. Na Câmara mesmo, me perguntaram como eu queria ser chamado. Eu disse que pelo nome mesmo, Bozó, oras”.
Tem apelido de infância que segue pela vida inteira
Em Kaloré, se perguntarem pelo Silvio Martins de Oliveira, vai ser difícil achar. Mas se perguntar por Lambari, aí fica fácil. Aos 57 anos, desde os 19 vive em Kaloré. Além de vereador, é funcionário público concursado, como técnico de esportes, há 23 anos. Ele é árbitro de futsal, delegado da federação paranaense e de futebol. E sempre conhecido, como Lambari. Desde os 9 anos, quando começou a trabalhar num posto de gasolina, em Marumbi.
De uma família pobre, tinha mais 3 irmãos. E todos foram trabalhar no mesmo posto de combustíveis. Ele tinha 9 anos, e os irmãos, 11, 14 e 17 anos, na época. E cada um, por motivos próprios, ganhou um apelido ali. O mais velho, mais moreno, virou Tiziu (já falecido). O mais novo, gordinho, curtia uns doces. Virou Doçula (marca de açúcar). Também já falecido. O outro, diziam, era parecido com um ex-prefeito de Mandaguari, Xandu. Virou apelido.
Silvio tinha 9 anos e, nos momentos de sacanear os novatos, brincadeira diária dos veteranos, ele era batizado novamente. “Todo final de tarde eles vinham de brincadeira. Me levavam ao lavador de carros e me jogavam água. Em seguida, eu saia e quando secava, jogavam água de novo. Uns, eles mandavam lavar carbono, outros mandavam lavar o filtro de carter dos carros. Em mim, gostavam de jogar água. Eu vivia molhado. Virei Lambari”, conta.
O patrão comprou um posto em Kaloré e levou os irmãos para trabalhar lá. “Um dia me chamaram para trabalhar no esporte. Depois assumi o departamento, fiz faculdade, especialização. Estou há 23 anos no departamento como técnico esportivo. Ninguém me acha pelo nome. É Lambari”, avisa.
Texto, Claudemir Hauptmman - jornalista do grupo Tribuna do Norte