Áudios revelam bastidores da execução em Icaraíma: 'Ninguém põe a cara com nós'

Autor: Da Redação,
Friday, 12/12/2025
Diego Henrique, Robishley, Rafael e Alencar

Áudios divulgados pela Polícia Civil e trazidos a público pelo jornal Umuarama Ilustrado expõem a cronologia e o excesso de confiança que antecederam a execução de quatro homens em Icaraíma (PR), em agosto de 2025. O material traz diálogos entre Diego Henrique Afonso, um dos cobradores mortos, e Alencar Gonçalves de Souza Giron, o contratante. As conversas, travadas na véspera do crime (04/08), revelam que o grupo subestimou o risco de cobrar a família Buscariollo, mesmo diante de avisos sobre o envolvimento dos devedores com atividades ilícitas.

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Os corpos de Diego, Alencar e outros dois cobradores (Robishley Hirnani de Oliveira e Rafael Juliano Marascalchi) foram encontrados mais de 40 dias após o desaparecimento.

No primeiro contato gravado, Diego busca tranquilizar Alencar, garantindo que a equipe possuía porte e reputação suficientes para intimidar qualquer reação. Ele enfatiza que o contratante não precisaria temer represálias.

“A gente não é aqueles cara que chega lá, Zezão pra receber e… aqui não leva desvantagem não, aqui é grande. Tem que falar pra ele que aqui é grande e aqui recebe e ninguém vai por a cara com ele em nada. Pra ele ficar sossegado, tranquilo”, afirmou Diego.

Para reforçar a garantia, o cobrador citou décadas de atuação no mercado de cobranças de risco em diversas regiões, assegurando que a violência contra a equipe era inexistente.

“Nunca aconteceu, tá? Tem 25 anos que trabalho nesse ramo aí, tá? Eu sou mais novato, mas tem os mais antigos. Nunca aconteceu vingança na nossa cobrança, tá? Não acontece, a gente tá acostumado a cobrança… Belém, Mato Grosso. Não acontece porque eles sabem com quem estão lidando… A pessoa não é boba, só se for muito, muito leiga mesmo”, disse.

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Em outro trecho, Diego reitera que a "força" do grupo protegeria o contratante de qualquer consequência legal ou física:

“O Alencar, eu to falando com o Márcio aqui, deixa eu te falar uma coisa. Nossas cobranças cara, não tem justiça da pessoa querer ir atrás de você fazer isso, aquilo tá? Nós somos muito forte, ninguém põe a cara com nós. Você fica protegido por nós. Você fica tranquilo que o cara vai saber com quem que ele tá lidando, porque nóis já passa a letra pro cara cê tá entendendo? Você não tá lidando com cobrador Zezão não, entendeu? Então isso daí você pode ficar tranquilo. Se você tiver com medo do cara fazer alguma coisa com você, tira isso da sua cabeça”.

Apesar da segurança transmitida por Diego, Alencar demonstrou receio explícito ao descobrir o perfil dos devedores. O contratante alertou que a família Buscariollo estaria envolvida com ilicitudes na região.

"É esse ponto aí que eu tava meio receoso de te falar, Henrique. Eles mexe com trem errado aqui. Fui saber notícia dele depois que fui entrar em contato aqui e mexer com a compra do sítio aqui, que eu fui saber quem era o cara", advertiu Alencar.

A informação, contudo, foi interpretada por Diego como uma vantagem estratégica. Para ele, o fato de os devedores operarem à margem da lei facilitaria a pressão.

"Então, esse é o melhor pra nós mexer, entendeu? Até mais fácil, o diálogo já é diferente, o cara já vai saber quem que é entendeu? Só dele olhar nós ele já sabe. Esse é melhor, entendeu", respondeu Diego.

O modelo de negócio

Durante as tratativas, Diego também detalhou a metodologia financeira do grupo, estipulando a retenção de metade do valor recuperado e as formas de negociação aceitas.

"Eu não sei se te expliquei aí, que a gente cobra 50%. Não sei se eu mandei nos áudios aí pra cima, tem muita mensagem aqui que eu acabo esquecendo. A gente cobra 50% do valor da dívida. Então vamos supor que a gente chegou aí para receber tá, ai a gente vê se ele quer fazer um acordo, se ele quer pagar em duas, três vezes. Aí isso daí a gente combina com ele, se ele quer passar algum carro, alguma coisa. Isso a gente combina com ele, de uma forma ou de outra ele tem que pagar. Entendeu? Aí a gente cobra 50% desse valor".

Tensão e últimos relatos

Na manhã de 5 de agosto, data do desaparecimento, o cenário mudou. Em áudio enviado à esposa por volta das 7h, Diego relatou o clima tenso do primeiro encontro presencial em Vila Rica. Ele mencionou que um dos devedores estava armado e confirmou o envolvimento dos alvos com contrabando.

"O cara tá fazendo umas propostas, querendo passar uma casa, ou dá o sítio e pagar a diferença. Só que ele não quer diferença, ele quer ver a casa, talvez ele compensa dar a diferença da casa, esperar uns dias e dar a diferença da casa. Ai tem que ver como vai fazer nossa parte. O cara tava até com revólver no bolso, o velho anda armado aqui. Nóis foi esperto que se ele colocasse a mão no bolso, nóis já ia dar uma voadora nele. Hoje nóis vai voltar de novo pra vê se vai dar certo alguma coisa né. Hoje tá um pega aqui do carai. Correria, o povo se escondeu e vai, o bicho tá pegando aqui hoje. Vamos fazer esse trem dar certo aqui, mas nóis ta num pega meio bravo. O cara trafica cigarro aqui, passa do Paraguai. O cara é sem vergonha, malandro, nóis ta meio esperto por causa de tiro, mas vai dar certo sim, se Deus quiser. Vamo vê se ele passa um pedaço de terra pro rapaz".

Poucas horas após o envio desta mensagem, o grupo retornou à propriedade dos Buscariollo. O último registro visual dos quatro homens ocorreu às 12h04, quando câmeras de segurança captaram a saída do veículo em direção a Vila Rica, momento que marcou o início do desfecho trágico do caso.