Ao sentar-me para escrever esse texto, lembrei do poeta e dramaturgo Bertolt Brecht, com dois textos em especial: “O Analfabeto Político” e “Aos que virão depois de nós”. Foi então que tomado pela ansiedade da escrita, comecei pelo fim, reescrevendo o seu começo agora como apresentação. Seja bem-vindo, caro leitor e leitora, pelos caminhos obscuros de Minh ‘alma.
Segundo Brecht, o pior analfabeto é o analfabeto político, pois é através da sua ignorância que nascem todas as mazelas. Não entenda aqui analfabeto como iletrado, pois muitos sábios que conheci nessa vida não podiam traduzir no papel o que suas bocas entoavam. O analfabeto a que ele se refere é aquele que se orgulha de não conhecer e exala ódio pelo que conhece. Uma coisa preciso dizer, os políticos são o reflexo de seus eleitores, afinal, os escolhemos por empatia das ideias, pelos gestos e falas. A diferença entre eles e nós, no fim, é só o cargo.
O debate político tornou-se uma arena de ódio, onde mentiras e acusações infundadas são usadas como armas aceitáveis no vale-tudo da imagem social. E não, não estou falando deste ou daquele político, pois repito, quem faz a política somos nós. A discordância é necessária, oposições são bem-vindas, o veto é importante quando o abuso surgir, mas não assim como temos feito.
Eu não posso odiar a política se é ela que determina tudo aquilo que vivo em sociedade. Como disse Brecht, “o custo de vida, o preço do feijão e da farinha, dependem de suas decisões políticas”. Através da minha voz – e da sua – podemos bradar as injustiças, podemos pedir o respeito e o pão, afinal, somos nós que elegemos o que falam por nós. Mesmo contrariado aqui ou ali, calar e aceitar o fardo não é uma opção.
O que destrói a política é imaginar que o representante, seja ele quem for, é um deus – com d minúsculo mesmo – entre nós. São falhos, repletos de homens e mulheres também falhos em seu entorno, em um sistema que se quer belo, mas que esconde por debaixo do tapete as imundices da casa.
O ódio que sinto daquele que chamo de meu inimigo, quando na verdade nunca deixou de ser o meu vizinho, não pode obscurecer o fato de que minha vida e a dele tem o mesmo peso na Terra... Nenhum. Não somos o que compramos, o que temos e o que conquistamos, somos seres humanos, que desaprenderam que viver em grupo é o que garantiu nossa sobrevivência.
Em “Aos que virão depois de nós”, Brecht escreve: “dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo”. O poeta não está apelando para a frase de Jesus que disse ao jovem que se venda tudo que tinha e desse aos pobres, mas como não imaginamos que a minha saciedade é também a fome de outrem.
Eu posso ter plano de saúde, o que não quer dizer que não deva me solidarizar com os que esperam nas filas intermináveis de consultas, operações e transplantes. Eu posso ir ao mercado toda semana, o que não quer dizer que eu não possa entender aquele que tem fome. Eu posso dormir tranquilo em minha cama fofinha todas as noites, o que não quer dizer que não entendo o medo que seria estar nas ruas. Sim, eu mereço aquilo que conquistei, mas que homem seria eu se não olhasse pelos que não tiveram a mesma sorte. Nem sempre é falta de vontade ou esforço, entender isso facilita que eu veja no outro um ser humano que poderia ser eu, você, meu pai ou minha mãe, até meus filhos... As escolhas que faço influenciam o mundo, que começa dentro da minha casa. Eu escolho não odiar a política. E você?