O patrulhamento da velhice feminina: opressão que não cessa!

Autor: Da Redação,
domingo, 26/02/2023
Os “velhos” eram sinônimos de conhecimento e sabedoria

Não é novidade que a decadência física é altamente indesejável para a cultura de consumo na qual estamos todos inseridos no século XXI. O fato é que nem sempre foi assim, ao menos não com tamanha intensidade. Em séculos anteriores (não precisamos ir tão longe, basta recuar uns 300 anos!) a velhice não era almejada nem tampouco desprezada. Os “velhos” eram sinônimos de conhecimento e sabedoria.

Porém, em um contexto onde o mercado da moda está cada dia mais submetido ao conceito de “novidade”, envelhecer tornou-se símbolo de fracasso e decadência. E isso, em uma sociedade onde o machismo estrutural impera, mulheres, independentemente da cor, religião, classe social, tem sentido o impacto de um corpo social onde a idade tornou-se símbolo de ofensa. O objetivo das mulheres tornou-se o de “disfarçar a idade”.

Um exemplo triste e reflexivo ocorreu no dia 05 de fevereiro quando Madonna surgiu no Grammy, aos 64 anos, e foi alvo de diversas críticas, piadas e misoginia em função exclusivamente de sua aparência física. As redes sociais potencializaram as ofensas que descaradamente traziam ataques à idade da cantora. Em inúmeras entrevistas Madonna destacava o tipo de violência que sofria e ainda sofre atentando para um problema que tem suas proporções cada dia mais intensificadas pela indústria da beleza que, hoje, é maior que a da moda.  “Envelhecer é pecado se você é mulher”, disse Madonna em discurso no ano de 2017. Leia mais em: https://claudia.abril.com.br/famosos/envelhecer-e-pecado-se-voce-e-mulher-diz-madonna-em-discurso/

Infelizmente, a busca pela eterna juventude é um dos maiores dilemas enfrentados pelas mulheres do século XXI que se veem diante de um tempo de vida cada vez maior e uma imagem refletida no espelho que não se adequa aos padrões duramente impostos pela comunidade global.

O novo “mito da beleza” impõe às mulheres roupas, um modelo de corpo, rosto harmonizado e agora uma “juventude eterna”. Quando adolescente me lembro de presenciar colegas e amigas angustiadas com as próprias imagens, e eu mesma me incluo nesse grupo uma vez que o padrão anos 2000 era abominavelmente magro. Não obstante, foi a década da anorexia, doença na qual mulheres lutam contra até os dias de hoje. O fato é que no presente vejo essas mesmas meninas, agora mais maduras, percebendo o quanto as imposições estéticas foram cruéis com a nossa e tantas outras gerações. Penso que o mesmo ocorrerá em nossa velhice uma vez que mulheres hoje sentem-se “velhas” ao “quarentar”.

A luta das mulheres de hoje é a luta pelo direito de envelhecer. O direito de nos reconciliar com os sinais do tempo e validar a sabedoria adquirida com os anos. Envelhecer confortável com quem se é se tornou um ato político que resiste ao peso social do envelhecimento imposto a cada um de nós, e agora me refiro aos homens, pois estes também passam por pressões nesses termos, evidentemente não em igual intensidade.

A luta contra o etarismo se faz necessária. Lembrando que etarismo é o nome que se dá ao preconceito e discriminação de uma pessoa com base em elementos estereotipados vinculados à idade, a faixa etária, a geração, gerando ódio e descaso contra idosos.

O patrulhamento da velhice feminina tornou-se uma constante. Todas nós sabemos o que é encontrar pessoas que não vemos há alguns anos e as mesmas nos olharem acusando mudanças em nosso peso ou imagem. Seja por comentários triviais a invasões diretas à nossa privacidade identitária, nos vemos refém da opinião alheia, fenômeno impulsionado pelas redes sociais. Tais situações explicam os excessos de filtros que modificam a imagem que é postada nas mídias.

Em O mito da Beleza, Naomi Wolf ressalta que embora sempre tenha havido um mito da beleza a ser perseguido, o mito da beleza moderna é uma invenção recente. Ele atualmente consiste na utiliza da sofisticação tecnológica para disseminar milhões de imagens ideais do que é ser mulher e do que é “envelhecer bem” sendo, obviamente, mulher.

Wolf afirma sabiamente que tais mitos “atendem ao chamado temor político por parte das instituições dominadas pelos homens, instituições ameaçadas pela liberdade das mulheres”. A ideia é nos libertar para novamente nos prender e controlar trabalhando nos nossos sentimentos de culpa e medo quanto a nossa própria libertação, agora representada pelo temor de envelhecer com a lucidez da compreensão de nosso real papel social, político e econômico.

Envelhecer com consciência, sedentas por participação política, por espaço social, por sermos ouvidas e representadas. Esse sim é o ideal que a nós mulheres deve ser imposto, uma vez que temos umas às outras em um processo contínuo de respeito aquilo que mais entendemos: o que é ser mulher. Que possamos fazer ouvir a nossa voz, as nossas ideias, demonstrando nossa força poderosa para além da imagem física.

A sociedade do consumo esgota nosso físico e nos deixa exauridas psicologicamente. A única forma de mudar isso é mudando nossa forma de nos ver, de buscar nossa essência, de nos reconectar com nosso feminino. O mito da inferioridade feminina em nossa cultura nos leva a uma constante necessidade de aprovação e validação quando quem é capaz de fazê-lo somos apenas nós mesmas. Por isso precisamos nos conscientizar sob o risco de continuarmos a viver sob tais pressões atrelando a imagem de sucesso que foi imposta a nós, o que nos deixa exaustas, sem tempo e dissociadas da própria identidade. Encerro o blog de hoje com o desejo de que possamos estar juntas em uma jornada que permite uma velhice digna a todas nós.