No circo mais famoso do sul do mundo, tinha de tudo, de contorcionistas ao mágico de cartola. Os grandes animais já não se apresentavam, pois ficou comprovado como eles sofriam para fazer os outros se divertirem. Teve passeata e petição pedindo o fim do show dos elefantes, depois que um deles morreu eletrocutado na fiação velha do circo. O leão Balthazar, cansado da vida estressante dos palcos, atacou uma menininha, que por sorte só perdeu o braço, enquanto o grande rei da selva, sua parceira e filhotes, foram executados pelos policiais que não sabiam o que fazer.
O circo já não era o mesmo, talvez tivesse mudado para melhor, mas o mais triste de todos os funcionários do circo era o que menos se esperava, Aristides, o palhaço. Vindo de uma família muito humilde, Aristides descobriu ainda na infância a sua capacidade de fazer rir a qualquer um e em qualquer circunstância. Órfão ainda na adolescência, encontrou no circo sua família e, nos grandes animais, os pets que sonhava. Não havia ninguém no mundo que gostasse mais daqueles bichos do que o jovem palhaço.
Ele sonhava com o dia que o leão Balthazar pudesse ser livre, mas no fundo sabia que isso nunca aconteceria, afinal, o velho leão nunca tinha sentido grama de verdade em suas patas, nem mesmo sabia como caçar. Nasceu, cresceu e morreu em uma jaula. Foi assim que Aristides descobriu que a liberdade, às vezes, é apenas um sonho.
Aos poucos, o jovem palhaço foi se tornando um adulto cada vez menos sorridente fora dos palcos. Todo mundo ria quando ele fingia se machucar no palco. Eram tropeções e baldes caindo em sua cabeça, o público ia a loucura. Por baixo de tanta maquiagem branca, Aristides forçava um sorriso que iluminava a todos. Acontece que Aristides já estava apagado, mesmo com todos os holofotes direcionados para ele.
Como pode um palhaço ser triste? Logo ele que faz a tantos rir? Mas Aristides que perdeu a mãe aos 11 anos, do pai só sabia o nome e que aos poucos esquecia o sonho de liberdade do leão, perdeu a graça. O aplauso que tanto lhe empolgava, agora parecia ensurdecer. O chiste que antes era sua válvula de escape inconsciente fazendo piada de todas as suas desgraças, agora era um grito desesperado por ajuda.
No dia que decidiu pedir as contas e sair pelo mundo, o palhaço triste recebeu um pedido de um espectador em um papel dobradinho entregue pelo mestre de cerimônia: “Tire uma foto com a minha filha”. Ainda que a ansiedade de falar com seu patrão fosse insuportável, forçou um último sorriso e foi para frente das cortinas, onde no palco quase apagado, um homem de meia idade acompanhava uma menina miúda e enfraquecida. O pai revelou que a menina tinha o sonho de ver o palhaço, não falou sobre seu estado de saúde, mas Aristides entendeu assim que a viu.
- “Eu gosto de leões, mas meu papai disse que todos estão livres. Eu não gosto de mágica, só gostei de você hoje”, disse a menina.
Aristides tirou a foto e entendeu que aquele momento foi o mais importante de sua vida e não apenas como palhaço. Ele sorriu porque ela sorriu, mesmo borrando a maquiagem abaixo de seus olhos. Depois do banho, pediu ao patrão um pacote de balões, precisa aprender a fazer animaizinhos diferentes... quem sabe um leão.