Apucarana mais uma vez sai a frente e recebe famílias de refugiados ucranianos, após envio de comunicação com a embaixada daquele país no Brasil. Três famílias estão agora em nosso munícipio recebendo todo o apoio necessário para enfrentar essa mudança forçada pelo medo da guerra. Nove crianças e oito adultos, dezessete pessoas que se viram forçadas a abandonar seu país por um conflito que matou centenas, feriu e desabrigou milhares e deixou o mundo todo apreensivo ante um medo antigo: uma possível guerra mundial e atômica.
Prefiro não entrar nos méritos da guerra, afinal as paixões políticas geram feridas que ainda sangram sobre o tema. Mesmo muito distantes, transformamos esse conflito em mais um Fla X Flu político, onde compra-se discursos e assume-se posições sem ao menos entender a História Política do local e as consequências das ações desses líderes, que mais uma vez se tornam o centro de discussão de ego e poder.
Mas para além dessa verborragia que aqui faço, cooptado pelas ânsias de um público brasileiro que, como de costume, defende a paz com apoio a guerra, tornando políticos heróis, temos que pensar naqueles que a mídia apresenta apenas como números: os civis. A guerra nunca é a resposta, pois aqueles que a determinam não a lutam, apenas enviam seus cidadãos como mártires de uma religião que vê na morte o ápice de uma vida. Não meus amigos, a morte por um país não é uma vergonha, mas a morte causada pelos discursos biliares de seus líderes é no mínimo reprovável, para não dizer estúpida. Perdoem se parecer jocoso dizer que uma morte é estúpida, mas busco dizer que o discurso de guerra é muito bonito quando não se está nela.
As paixões políticas, como já explorou com maestria o sociólogo Pierre Ansart, demonstrando que elas são responsáveis por diversas nuances da vida em sociedade, ora com positividade, quando buscamos por amor o bem maior de uma comunidade, mas o seu inverso também ocorre, quando o medo e a ira nos levam a situações dramáticas, provocadas pelos ódios interétnicos. Devemos buscar um equilíbrio a princípio, para enfim chegarmos a uma sobreposição da razão sobre a paixão. Vimos nas últimas semanas dezenas de pessoas de nosso país que se ofereceram para a guerra e, quando lá chegaram, perceberam que não se tratava de um filme de ação. A guerra é feia, é ininterrupta, grotesca. Em nada se parece com os jogos com os quais estamos habituados.
Escrevo esse texto na madrugada do dia 01 de abril de 2022, com um silêncio absoluto que me traz paz, mas se estivéssemos em um cenário de guerra as coisas seriam bem diferentes. Quando vemos as notícias, imaginamos o cenário de guerra como um lugar isolado do mundo civilizado, onde o tema e o clima são de guerra, como se naturalizássemos o ato e o local. Mas para fins de compreensão, amanhã pela manhã, a rua que me leva até o colégio teria marcas de explosões, o colégio talvez fechado por medo de um ataque, se já não tivesse acontecido. Meus alunos não iriam para a aula, talvez tivéssemos perdido um professor amigo para os combates. Sem energia, sem água, com medo.
As vítimas de guerra não são números, são pais, filhos, amigos... são seres humanos comuns que veem suas vidas com rotas alteradas, projetos e planos adiados, se não, cancelados. Essas crianças da guerra, poderiam ser seu filho, meus filhos. Os mesmos filhos que aqui fazem atividades como esportes, aulas de idiomas e brincadeiras em parques, lá se tornam impedidas de viver essa fase e temem pelo futuro.
Sei que pareço sensacionalista, talvez realmente seja, mas para impactar é necessário que tornemos esses “números de guerra” em pessoas que conhecemos e que amamos. Repito o que disse no início, não abordarei os motivos da guerra, pois penso que ainda há muito a se descobrir e entender sobre os fatos, mas não há como penalizar e condenar suas vítimas mais diretas. Para além de uma crítica simplista ao governo russo ou ucraniano, entender que as pessoas que não conhecem diretamente Putin ou Zelensky, pagam o preço de uma ignomínia nacional por seus lideres opróbrios.
Aylan Kurdi, era um menino sírio-curdo, que em 2015 morreu afogado em uma tentativa de refúgio com a família para a Grécia. Além dele, morreram sua mãe e irmão. À época, fomos tocados pela forte imagem de uma criança morta na praia, mas caímos na real sobre o tema, quando apareceram cenas desse menino em sua casa, jogando videogame e futebol com seu pai. Uma cena de aniversário, que ocorrera semanas antes da fuga. Só ali ele deixou de ser um número e passou a ser um ser humano. Sabe porquê nos tocamos? A empatia, a ideia de proximidade com a nossa realidade, que torna a notícia algo maior de que uma cena cinematográfica do conflito.
Parabenizo o senhor Prefeito Junior da FEMAC, assim como seu vice, Paulo Vital e todos os envolvidos. Para além de nossa identidade local, marcada pela migração ucraniana, temos a ligação humana com todas as vitimas desse conflito. Ainda que não possamos resolver todos os problemas da guerra, para essas pessoas que hoje se encontram, com certeza fará a diferença.
Para além, recordo que hoje, 01 de abril, é também um dia de reflexão nacional. Há 58 anos o Brasil passava pelo golpe militar que tiraria João Goulart do poder e instauraria 21 anos de governo de exceção. Sei que muitos talvez ainda admirem e sejam entusiastas da ditadura, mas a história nos mostrou – ao menos aos olhos que desejem enxergar – as marcas desse período sombrio de nossa história. Sempre digo, com muito respeito, que não busco discutir com aqueles que não querem ouvir, mas após anos e anos de pesquisa, posso garantir que ainda não superamos as torturas, prisões arbitrárias e as centenas de desaparecidos por esse conflito desleal que foi a ditadura. Digo isso para que ao menos pensemos, com a suavidade que a democracia nos permite, que pedir por ditadura é o mesmo que pedir pela guerra que hoje condenamos – ou deveríamos condenar. Morrem pessoas, morrem sonhos, morre o futuro.
Que sejamos capazes de discutir e defender nossas ideias sem cairmos nas armadilhas dos embates vazios e ataques pessoais. Não precisamos concordar e ainda sim, conviver, ao menos em um espaço democrático. A violência que hoje elogiamos, seja contra nossos inimigos ideológicos ou, do Chris Rock versus Will Smith (sem aqui analisar os fatos e lados) nos contamina. Para piorar, usamos o nome de Deus e a família como elementos dessa violência. A internet nos possibilitou o acesso a informação, mas o que fazemos dela é o que nos torna críticos ou apenas reprodutores de um discurso que vê na ditadura, na guerra, na morte, na violência... a solução. Que sejamos a mudança e não parte do problema. Que sejamos abrigo e não o inimigo. E que assim seja.