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E quando a piada se torna realidade?

Que saudade vovó, de você, do pão com café requentado e de não entender a piada

Da Redação ·
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fonte: Pixabay- ilustração

Quando eu era criança – e não faz muito tempo, prefiro assim acreditar – assistia programas de comédia na TV aberta, já que o tal “a cabo” era coisa de rico. Eram programas como Trapalhões, Escolinha do Professor Raimundo e, o famigerado, Casseta & Planeta. Eu ria muito ao lado da minha falecida vovó Diamantina, ainda que não entendêssemos metade das referências. Minha vovozinha, me esperava ansiosa depois da minha aula – ela morava conosco – com o café requentado e uma “feta” (como ela chamava fatia) de pão caseiro com margarina. Só quis contar essa parte, pois era o meu momento especial.  

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De volta ao tema, entre as referências que eu não entendia, havia sempre a de políticos daquele período, sempre caricatos e exagerados. A lembrança mais antiga que tenho é a do “IIIIII tá mar”, onde o nome de Itamar Franco virava uma indicação da condição social do país no início dos anos 90. Com gestos grosseiros e nenhuma postura, os políticos eram representados com a ironia e sátira que só a comédia tem a permissão de usar com maestria. Das eleições de 1989 não me lembro de nada, apenas aquilo que adicionei posteriormente com recordação post factum pelas visões de outros, mas dos anos seguintes consegui apreender coisa aqui e acolá. No final dos anos 90 e na década seguinte, já sem a vovó, eu podia agora entender as piadas, que nem sempre eram tão engraçadas (sem ela).

De 2010 em diante, considerando-me um adulto, ficava clara que a piada política não tinha nenhuma graça, quando aquilo afetava diretamente a minha vida. Nos últimos anos, a piada deu lugar a tragédia. Será que fiquei chato demais para rir ou realmente a graça acabou? Se antes havia a insinuação dos absurdos do mundo político, agora os seus representantes assumem o papel dos atores e atrizes. Sem nenhum roteiro, protagonizam as maiores falácias, gritam (aos berros) sua ignorância, esbanjam a indecência de serem mais caricatos do que a capacidade imaginativa do elenco do Casseta & Planeta.

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Sempre de ternos, pois é o que se espera dos nossos representantes, agem como crianças birrentas de uma sala de quinta-série (atual sexto ano), fazendo piadocas enquanto a população tem preocupação maiores, como comer, vestir, morar e ter saúde. A grande plateia nacional não ri, mas tem uma vontade danada de chorar. Aqueles que não seguram o choro, são como eu e minha vó em 1993, apenas não entenderam a referência.

Infelizmente, o termo decoro parlamentar, que é o comportamento moral e exemplar esperado dos representantes políticos eleitos, reflete boa parte da população que os elegeu, que assim como eu nos anos 90, sem a vovó, estava perdido e sem referências, buscando graça na piada que eu achava entender. O art. 55 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o deputado ou senador que infringir o decoro pode perder o mandato, mas vemos que a maioria foi eleita por infringi-lo antes mesmo da posse. Os discursos biliares e ditos em tons desnecessários – existem microfones – parecem querer dar mais ênfase nos gestos do que na fala, afinal, o que tem eles realmente a dizer?

A piada já perdeu a graça há muito tempo, mas nós ainda assistimos ao show. Não tenho nenhuma sala de aula – e nunca tive – que precisa tanto de uma rígida mudança e disciplina como as que ostentam nossos representantes. Dizer representantes é dizer que eles nos representam, falam em nosso nome, expressam nossas vontades. Quando foi que nos tornamos isso que hoje aí está posto?

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Eu nunca mais assisti os programas de tv dos anos 90 e, se o fizesse, mudei demais para não entender as piadas, mas acho que não riria da mesma forma. Seja pela ausência da vovó, seja consciência da dura realidade da piada, meu riso se calou. Parece que boas pessoas com boas ações se tornam invisíveis em meio a balburdia que tem por objetivo atingir a imagem do outro, mas nada constrói para o bem coletivo. Hoje se busca mais por culpados do que por soluções dos problemas por eles causados, enquanto sabatinas viram piadas e momento de auto exaltação, o tema se esvai.

Que saudade vovó, de você, do pão com café requentado e de não entender a piada.

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