Liderado por cabeleireiro, assalto a banco que parou o PR faz 30 anos

Autor: Da Redação,
quarta-feira, 02/08/2023
Momento em que os assaltantes se renderam após 57 horas em Faxinal

Um dos assaltos a banco de maior repercussão nacional, ocorrido em dezembro de 1993 em Faxinal, no Norte do Paraná, completa 30 anos em 2023. Quatro bandidos armados invadiram a agência do Banco do Brasil da cidade em 15 de dezembro daquele ano e fizeram 27 reféns. Um quinto criminoso estava no Rio Ivaí para providenciar a fuga dos ladrões em um barco. A tentativa de roubo seguida de sequestro durou 57 horas e os reféns foram libertados sem nenhum ferimento após um cerco policial, que incluiu integrantes do grupo de elite Tigre (Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial), de Curitiba, e apoio de um helicóptero. Veja a reportagem em vídeo, em duas partes, no final da matéria

Além da tensão que tomou conta do pequeno município do interior do Paraná, a ação dos assaltantes chamou atenção para a falta de experiência da quadrilha, segundo a polícia. Os quatro envolvidos diretos no crime – que depois foram condenados – eram desempregados: um cabeleireiro de Apucarana (PR), um corretor de imóveis também de Apucarana (PR); um maquinista de Centenário do Sul (PR) e um metalúrgico de Ponta Grossa (PR).

Eles argumentaram, na época, que praticaram o crime em busca de dinheiro para pagar dívidas. Apenas um deles tinha passagem pela polícia, enquanto os outros quatro eram réus primários. Os participantes do assalto foram condenados a penas somadas de 76 anos de prisão pelos crimes de roubo, formação de quadrilha e sequestro. O cabeleireiro, apontado como líder do grupo, recebeu a maior sentença: 21 anos e quatro meses.

O quinto integrante, irmão do cabeleireiro de Apucarana, acabou liberado por não participar do crime, mas também foi condenado posteriormente. Todos já estão em liberdade.

Na época, a Polícia Civil apontou uma série de atitudes que considerou como “trapalhadas” da quadrilha. “Primeiro atiraram nos aparelhos telefônicos e no fogão da cozinha, o que lhes deixou sem comida, pois havia várias cestas básicas no interior da agência”, revela trecho da reportagem da Tribuna do Norte de 19 de dezembro de 1993.

A matéria acrescenta: “Além disso, o presumível líder do grupo {...} acertou um tiro no próprio pé ao disparar acidentalmente o próprio revólver. O ferimento não foi grave, a bala pegou de raspão”.

Os ladrões também teriam distribuído dinheiro para alguns reféns, segundo reportagens da época. Os valores teriam sido devolvidos à polícia. Na época, o líder da quadrilha negou essa informação, argumentando que as cédulas estavam espalhadas pelo chão da agência e que algum refém pode ter pego o dinheiro por conta própria.

PASTOR TINHA 13 ANOS NA ÉPOCA

Um dos reféns que ficaram mais conhecidos durante o assalto em Faxinal (PR) foi Luís Cláudio Campos, então com apenas 13 anos. Ele foi até a agência para cobrar uma “notinha” dos funcionários, que pegavam comida na lanchonete da família, do outro lado da rua.

Hoje pastor da Igreja Presbiteriana Renovada em Faxinal, Luís Cláudio, de 42 anos, ainda lembra de detalhes do assalto de 30 anos atrás. Na oportunidade, o pastor ficou ainda mais conhecido depois da divulgação de que ele não quis sair da agência antes dos demais reféns.

Agora, ele revela que acabou ficando por orientações dos funcionários e clientes que estavam na agência. Os outros reféns temiam que, com a saída dele - que tinha acabado de completar 13 anos e era praticamente ainda uma criança-, os policiais invadiriam e eles correriam mais riscos.

Na época, o morador de Faxinal deu uma entrevista à Tribuna do Norte afirmando que os assaltantes não pareciam criminosos. “Eles poderiam ser muita coisa, menos assaltantes”, disse. Hoje, ele mantém a mesma sensação. “Os próprios assaltantes não eram pessoas brutas, que ficavam ameaçando o tempo todo. No início, é claro, foi chocante, mas depois organizou o lugar de cada um no banco. Além disso, eu tive o privilégio, por ser menino ainda, de sempre ter alguém me dando umas coordenadas e isso ajudou no meu psicológico”, conta.

No entanto, ele admite que foram momentos de medo, principalmente quando houve o barulho de tiros no início do assalto. Apenas depois, os reféns descobriram que o próprio assaltante tinha se ferido. “O começo foi angustiante, mas depois a gente foi entender o que estava acontecendo”, comenta.

Após o roubo, Luís Cláudio diz que ficou por um longo período traumatizado, principalmente na hora de frequentar agências bancárias. “Quando entrava (em um banco), parecia que voltava à cena, de ver os policiais ao fundo... Era muito novo e também ficava mal quando via um policial com uma arma”, exemplifica.

O hoje pastor revela que ainda encontra pessoas que foram reféns na época e conta uma curiosidade: um dos sequestradores do banco, que foi morar em Faxinal depois de cumprir a pena, chegou a ser contratado na lanchonete da família como empregado. “Um deles seguiu a vida aqui e tem relacionamento normal na cidade. É uma pessoa boa”, comenta, reforçando a tese de que a maioria dos autores do assalto não tinha experiência e trajetória no mundo do crime.

A libertação foi um momento de emoção. Os assaltantes queriam um ônibus para fugir e mais 200 milhões de cruzados, na época. “A gente percebeu que havia uma negociação e que iria ocorrer a rendição. Eles reuniram os reféns e anunciaram que iriam se entregar à polícia. Foi um momento emocionante, porque nós tínhamos medo que, com o ônibus, eles poderiam levar alguns reféns junto”, lembra.

Uma reportagem de uma rede nacional de televisão está disponível no Youtube e mostra o exato momento em que os bandidos se entregam. Os reféns saem da agência, que é tomada por familiares e curiosos. “Conforme os reféns foram saindo do banco, a gente ouviu o povo gritando e pudemos reencontrar a família. Foi muito emocionante”, conta.

IRMÃO DE REFÉM FICOU CONHECIDO NA TV

Do lado de fora da agência, o irmão de Luís Cláudio acompanhava angustiado o desenrolar do sequestro. Com 14 anos, Fernando Decarle Campos, hoje com 43, acabou sendo o centro das atenções da imprensa. Deu muitas entrevistas e foi um dos primeiros a encontrar o irmão quando os reféns foram libertados. Até hoje, Luís Cláudio brinca com o irmão. “Ficou famoso às minhas custas”, diz, em tom de brincadeira.

Fernando, que é o atual secretário de Saúde de Faxinal, também não esquece daqueles dias. Ele lembra que a possibilidade de o irmão ser libertado sempre era apresentada à família, pois se tratava de uma criança. “Dois idosos foram libertados antes e, em algum momento, surgiu a notícia que eles iriam pedir também a saída do Luís Cláudio. A informação que chegou é que ele não queria sair”, conta.

Essa decisão, é claro, desagradou a mãe. Hoje, o próprio Luís Cláudio esclarece que não foi bem assim, pois foi “convencido” a ficar pelos demais reféns temerosos. “Foi um momento difícil, mas, graças a Deus, ocorreu tudo bem no final”, afirma. Lado a lado, em frente ao Banco do Brasil, os irmãos ainda se emocionam ao lembrar daqueles dias de sequestro.

POLICIAL CIVIL FOI O PRIMEIRO A CHEGAR

O policial civil João Pereira da Silva, de 61 anos, foi o primeiro a chegar à agência do Banco do Brasil. Hoje aposentado, ele tinha 31 anos na época e era o único policial civil de plantão.

“Populares me pararam, dizendo que tinha alguma coisa estranha no banco. Peguei a arma e entrei pela lateral. Fui recebido a tiros e começou uma gritaria. Conseguimos fazer um cerco e então foram chegando outros policiais militares, depois um grupo especializado de Curitiba”, conta João Tira, como é conhecido.

Ele revela que, somente depois do fim da ocorrência, é que o ferimento foi confirmado no próprio assaltante. O policial afirma que, caso não tivesse tentado entrar na agência, os bandidos teriam conseguido êxito no assalto.

Com a presença do policial e a chegada de viaturas da PM, eles fecharam as cortinas da agência e deram início ao sequestro dos clientes e funcionários, que começou às 12h45 de quarta-feira (15 de dezembro de 1993) e terminou apenas às 22h20 de sexta-feira (17 de dezembro de 1993).

Por Fernando Klein e Lis Kato

REPORTAGEM EM VÍDEO

PARTE 1

 

PARTE 2