Apontados como lobistas na engrenagem de um suposto esquema de venda de sentenças nos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul - raiz das suspeitas que respingam em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça -, o advogado Roberto Zampieri e o empresário Andreson de Oliveira trocaram mais de 9 mil mensagens. O conteúdo dessas conversas, agora, está no radar da Polícia Federal. Um diálogo é considerado 'surpreendente' pelos investigadores.
A reportagem buscou contato com os citados até a publicação deste texto, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.
No dia 28 de junho do ano passado, Zampieri gravou uma mensagem de áudio a Andreson e nela pede que a mulher do empresário, advogada, prepare uma minuta de decisão para ser usada por um desembargador para que o julgamento saísse 'como o cara (cliente) precisa'.
"... Esse aí que nós estamos trabalhando, faz um favor pra mim? Prepara uma minuta da decisão como o cara precisa. Pede pra dra. Mirian se ela consegue fazer ou alguém. Mas tem que fazer hoje, pois amanhã eu vou encontrá-lo às 13h. Ele viaja na sexta-feira, só volta em agosto. Vou tentar soltar isso amanhã. Mas pra não perder tempo, prepara a minuta do jeito que quer que seja feito. Tá bom? Outra coisa: aqueles 400 mil de hoje tá certo, né? Tenho que fazer os pagamentos, inclusive pra ele também. Um abraço."
Esse áudio e outros diálogos de Zampieri tiveram peso decisivo na decisão do ministro Luís Felipe Salomão, vice-presidente do STJ e ex-corregedor nacional de Justiça, ao decretar o afastamento de três magistrados do TJ de Mato Grosso - os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho e o juiz Ivan Lúcio Amarante, de primeiro grau.
Zampieri foi assassinado com 12 tiros à porta de seu escritório em Cuiabá, seis meses depois da mensagem enviada a Andreson, a quem tratava por 'rapaz de Brasília' - para os investigadores, uma indicação de que o empresário integrava braço da organização de venda de sentenças que exercia influência em gabinetes de ministros do STJ.
As mensagens entre os dois lobistas dos tribunais abastecem o inquérito da Operação Ultima Ratio, deflagrada na quinta-feira, 24. Elas colocaram a Polícia Federal no encalço de cinco desembargadores do Tribunal de Mato Grosso do Sul, todos sob suspeita de venda de sentenças - Marcos José Brito Rodrigues, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel e Sérgio Fernandes Martins, presidente da Corte estadual. Todos foram afastados por ordem do ministro Francisco Falcão, relator da Operação Ultima Ratio no STJ. O ministro mandou monitorar os magistrados sob suspeita com tornozeleira eletrônica.
Um sexto desembargador, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, que se aposentou em junho passado, também é investigado - em sua casa, a PF apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo.
O lobista Andreson, parceiro de Zampieri, foi alvo de buscas na operação. Os investigadores trabalham com hipótese de que ele tinha acesso privilegiado a gabinetes do Superior Tribunal de Justiça, inclusive para verificar, a pedido de Zampieri, se havia investigações contra o desembargador Sebastião de Moraes Filho, no Conselho Nacional de Justiça e no próprio STJ.
Zampieri se referia ao desembargador como 'chefe'. Segundo o CNJ, é nítido que o advogado 'vendia sua proximidade com o desembargador', cobrando propinas a título de 'honorários' e 'muito possivelmente repassando parte deles ao magistrado'.
Zampieri também resolvia 'problemas pessoais' do desembargador, aponta a investigação.
Entre as informações que analisou para afastar Sebastião de Moraes de suas funções, o ministro Luís Felipe Salomão deu ênfase àquele áudio de 28 de junho do ano passado que chamou de 'surpreendente' pelo fato de os lobistas supostamente redigirem a decisão que deveria ser assinada pelo desembargador.
O lobista tinha pressa para receber a minuta fraudulenta porque o desembargador Sebastião de Moraes Filho estava prestes a sair de férias. Na gravação, Zampieri fala em pagamento de 'honorários' - ou propinas, segundo avaliação dos investigadores.
Os lobistas dos tribunais estavam empenhados em uma disputa de terras em Mato Grosso. A primeira conversa entre Andreson e Zampieri sobre o processo ocorreu em maio de 2023. Zampieri perguntou ao parceiro, 'Estamos por quem?'. Andreson diz que o 'despacho monocrático teria de deferir' transferência das matrículas e cumprimento de cláusula contratual de suspensão de pagamentos até a baixa das restrições.
"Preciso dessa informação para a reunião final."
A resposta de Zampieri veio cifrada, mas deixou transparecer que estava 'em tratativas' com o desembargador Moraes Filho. Ele diz que seria 'necessário ter certeza se haverá a contrapartida esperada'.
"Anderson, boa tarde, tudo bem? Amanhã eu vou encontrar o ...(pausa) 'nosso amigo' lá de manhã, 8h em ponto. Me confirma sobre a liberação daquela 'escritura', se eu posso firmar lá com ele, porque ele vai 'soltar' até sexta-feira. E se eu confirmar a gente tem que pagar os honorários do... (pausa) 'advogado'. Fala, que amanhã eu vou tá com ele 8h da manhã. Um abraço."
No dia seguinte Zampieri pediu a Andreson que preparasse uma minuta de decisão para ser usada pelo desembargador. O lobista indica que a mulher do empresário, Mírian, poderia escrever o texto. Segundo a Polícia Federal, ela trabalhou na Câmara Municipal de Primavera do Leste e na Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso.
Dois dias depois da troca de mensagens, em 30 de junho de 2023, Andreson enviou a minuta da decisão pedida por Zampieri, com o nome do desembargador Sebastião de Moraes e encaminhamento favorável ao cliente dos dois.
No entanto, os lobistas foram surpreendidos por um imprevisto. O recurso que haviam impetrado não foi acolhido. Em agosto - antes de Moraes Filho assinar a minuta forjada - o cliente faleceu. O processo acabou suspenso para que os herdeiros pudessem ingressar na ação.
Os filhos do cliente de Andreson e Zampieri, por sua vez, impuseram um revés aos lobistas, escolhendo outros advogados para a causa. O julgamento do caso aconteceu depois que Zampieri foi executado à bala em Cuiabá.
O inquérito da Operação Ultima Ratio, que levou a Polícia Federal para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, mostra que esse tipo de procedimento era quase um 'modus operandi' do grupo. A PF suspeita que o desembargador Marcos José Brito teria assinado, sem nem mesmo se dar ao trabalho de ler, uma liminar escrita por um assessor para atender os interesses comerciais do procurador do Ministério Público de Mato Grosso do Sul Marcos Sottoriva, que também é fazendeiro e estava tentando se desvencilhar de problemas no parcelamento de um negócio de R$ 5 milhões.