Justiça barra posse de prefeito no Ceará que reclamou de 'preço' do voto

Autor: Pepita Ortega e Fausto Macedo (via Agência Estado),
quarta-feira, 01/01/2025

Foragido da Justiça por suspeita de compra de votos, o Carlos Alberto Queiroz, o 'Beteto do Choró' (PSB) - município de 12 mil habitantes a 185 quilômetros de Fortaleza, capital do Ceará - teve a posse como prefeito suspensa pela Justiça Eleitoral nesta quarta-feira, 1º, dia em que deveria assumir o mandato. A decisão atende a um pedido do Ministério Público do Estado, que pediu a cassação de 'Bebeto' após a Polícia Federal encontrar diálogos atribuídos ao político - entre eles um áudio em que o prefeito eleito "reclama do preço a pagar pelos votos, indicando que estava muito caro".

"Mas só para votar... ele é doido, é caro demais, mano... ele consegue quantos votos?", disse 'Bebeto' a um interlocutor em 29 de setembro, às vésperas do primeiro turno, que ocorreu no dia 6 de outubro. Dois meses depois após o diálogo, 'Bebeto' foi alvo das operações 'Ad Manus', da Promotoria, e 'Vis Occulta', da Polícia Federal.

Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com o prefeito eleito, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações. Em nota divulgada no início de dezembro, 'Bebeto' afirmou sua "total inocência".

O inquérito sobre a suposta compra de votos apura um esquema que envolveria mais de 51 prefeituras, com a lavagem de dinheiro de emendas parlamentares. A investigação citou o deputado Júnior Elmano (ex-PL) e por isso o caso subiu para o Supremo Tribunal Federal. O processo está no gabinete do ministro Gilmar Mendes.

As provas colhidas pela Polícia Federal abasteceram uma ação de investigação judicial eleitoral que ao Ministério Público do Ceará moveu contra 'Bebeto' e seu vice, Bruno Juca Bandeira (PRD) - o qual também teve a posse suspensa. 'Bebeto' chegou a ser diplomado por procuração no último dia 14, sendo que seu filho que compareceu à cerimônia no Tribunal Regional Eleitoral para que o pai não fosse capturado pela PF.

Com a suspensão decretada pela Justiça Eleitoral, quem assumiu a Prefeitura de Choró nesta quarta, 1, interinamente, foi o vereador Paulo George Saraiva (PSB). 'Paulinho' citou a suspensão da posse do prefeito 'Bebeto do Choró' em cerimônia da Câmara dos Vereadores, transmitida pelas redes sociais. Ele chamou a vice-presidente da Casa a assumir a cerimônia - e seu assento - enquanto ia "tomar posse como prefeito interino".

A ação movida pela Promotoria Eleitoral contra 'Bebeto' e seu vice foi assinada pelo Promotor Eleitoral da 6ª Zona Eleitoral do Ceará André Luis Tabosa de Oliveira no último dia 13. Ele atribui ao prefeito eleito e a Bandeira abuso de poder econômico não apenas quanto às eleições municipais em Choró, mas em outras cidades.

"O que se constata é a arrecadação de valores por meio de transferências de receitas de pessoas jurídicas sob o controle direto do promovido Carlos Alberto Queiroz Pereira e de sua irmã Cleidiane de Queiroz Pereira, utilizando-se de "laranjas", como forma de evitar a identificação direta de um grande esquema de captação ilícita de sufrágio, doações eleitorais irregulares, e ilícitos não eleitorais, com ramificações que ainda estão sob a investigação da Polícia Federal", escreveu o promotor.

Segundo o MP, as conversas interceptadas pela PF, com uma "variedade de pessoas beneficiadas e dos municípios atingidos", mostram a "complexidade da teia de interesses" do prefeito eleito e seus aliados "e o espectro de sua influência eleitoral, a compor a abrangência do abuso de poder econômico relacionado ao aspecto eleitoral".

Um dos principais diálogos identificados pelos investigadores foi travado por Bebeto com "Chiquim Oi D'água". A conversa chamou a atenção da PF por conter uma menção explícita à compra de votos. Ela começa com 'Chiquim' relatando que um rapaz lhe procurou dizendo que "tava em dúvida para votar em prefeito e nem tinha vereador".

"Aí ele tava com um documento da moto atrasada aqui e puxou deu 650 né. Aí tava vendo como dar ajuda ele. Eu disse macho, vou ver se eu desenrolo bem no 400 pra tu ir, pra tu votar no meu vereador e no meu prefeito, tá certo? Aí ele "mas se você conseguiu e dá certo, 400". Que aí o resto aqui é o intera ele disse né. Aí fica assim, fica 200 pra tu e 200 pro Cristiano, entendeu? Que é do rapaz aqui que me mora bem perto. O outro pessoal dele lá tá quase tudo comigo já, por isso que ele me procurou. Eu já ajeitei umas coisas pra eles lá, um negócio do motor que tinha queimado. Fui lá deixar 500 reais agora, semana passada".

'Bebeto do Choró' respondeu da seguinte maneira: "Mas só para votar... ele é doido, é caro demais, mano... ele consegue quantos votos?".

Logo em seguida, o prefeito eleito encaminhou a uma terceira pessoa, uma eleitora de Choró, um comprovante de transferência de R$ 500. E voltou a falar com o primeiro interlocutor: "Olha, eu tô mandando mais cem, Chiquinho, pra... pra você botar gasolina na moto. E o cabra aí, se ele conseguisse, pelo menos dois votos, não era casado".

Chiquim seguiu a conversa tratando da suposta compra de votos. "Macho, os outros votos que a gente tá ajeitando a 200, né? Que é o que o pessoal, todos os outros tão dando também, né? Aí no caso aí, ele disse, né, que ficar certo a casadinha aí pra prefeito e vereador, né?".

Bebeto confirmou: "É... duzentos... é... mas em mim... mas convença ele para me ajudar... mas... bote mais... cem meu... cem meu e duzentos do Cristiano... trezentos reais... eu lhe dou esse dinheiro em espécie lá na Caiçarinha hoje... eu chama pra ele ir no evento pra nós... que nós damos lá".

A PF suspeita que o 'Cristiano' mencionado no diálogo seja um vereador de Choró, o que é ainda é objeto de investigação.

A Polícia Federal diz ter conseguido evidências "de um intricado esquema eleitoral envolvendo o grupo criminoso liderado" por Bebeto, que articulava a compra de votos na região de Canindé, a cerca de 100 quilômetros de Fortaleza, "mediante o oferecimento de vantagens materiais e financeiras".

As investigações que miram o prefeito eleito de Choró tiveram início justamente após a prefeita de Canindé, Maria do Rosário Araújo Pedrosa Ximenes buscar o MP, em pleno período eleitoral, para denunciar Bebeto.

Segundo a denúncia que aportou na Promotoria Eleitoral, 'Bebeto' "enviaria dinheiro para outras prefeituras, cerca de 51, e teria para gastar nas eleições mais de R$ 58 milhões".

Maria do Rosário alegou ainda que o então candidato à prefeitura de Choró "financiaria carro, gasolina, brindes, compra de votos; que esses financiamentos são em troca da prefeitura, pois já foi vendido a iluminação pública, o lixo, os transportes, com doação de veículos em troca de votos".