Disputado como cabo eleitoral em todo o País, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escolheu São José dos Campos como uma de suas últimas paradas no Estado de São Paulo antes de seguir para o Rio de Janeiro, berço do clã Bolsonaro e que será destino de suas agendas finais no primeiro turno.
A escolha não foi por acaso: com mais de meio milhão de eleitores, São José ostenta o título de quinto maior colégio eleitoral do Estado, tendo se consolidado nas últimas eleições como um bastião conservador. Neste ano, a cidade virou o principal campo de batalha entre Bolsonaro e Gilberto Kassab, presidente do PSD que integra, ao lado do PT e de Lula, o topo da lista de desafetos do bolsonarismo.
A visita de Bolsonaro a São José dos Campos ocorre num momento em que as pesquisas mostram uma disputa apertada entre os candidatos apoiados por ele e Kassab. Segundo o levantamento do Ipec divulgado nesta segunda-feira, 30, o atual prefeito e candidato de Kassab, Anderson Farias (PSD), tem 31% das intenções de voto, enquanto o ex-prefeito Eduardo Cury (PL), apoiado por Bolsonaro, aparece com 29%, configurando um empate técnico. A pesquisa Quaest divulgada no mesmo dia reforça esse cenário embolado: nela, Cury lidera numericamente com 31%, enquanto Anderson tem 26%. Já o candidato do União Brasil, Dr. Elton, aparece com 18% no Ipec e 13% na Quaest.
Na última eleição presidencial, Bolsonaro obteve uma votação expressiva na cidade, conquistando 62,58% dos votos válidos contra 37,42% de Lula (PT) no segundo turno. Neste ano, a cidade voltou ao centro das atenções do ex-presidente, que busca preservar sua influência em um dos municípios mais estratégicos do Estado, atualmente sob o controle do PSD.
Para o partido de Kassab, São José também tem papel central nesta eleição: além de ser um dos maiores colégios eleitorais onde o partido disputará a prefeitura, é a terra natal do vice-governador Felício Ramuth, que deixou o comando do município para compor a chapa vitoriosa de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Não à toa, o vice-governador tirou férias do Palácio dos Bandeirantes para se dedicar à campanha em seu reduto.
Anderson e Cury foram de aliados a concorrentes
Ex-tucanos, Cury e Anderson faziam parte do mesmo grupo político e eram aliados até pouco tempo atrás. Anderson trabalhou nos dois mandatos de Cury em São José - primeiro, como secretário de Administração e, posteriormente, comandando a pasta de Transporte. Quando Cury foi eleito deputado federal, Anderson foi trabalhar como seu chefe de gabinete em Brasília.
Depois da derrocada do "tucanistão" e do fracasso de Cury na reeleição para a Câmara, os dois seguiram rumos diferentes: Cury se filiou ao PL de Jair Bolsonaro, enquanto Anderson se juntou ao partido de Kassab com Ramuth, de quem foi secretário e, depois, vice.
Políticos históricos da cidade avaliam que a presença de dois candidatos que faziam parte do mesmo grupo político está confundindo o eleitorado e fragmentando os votos. A prova disso é que, juntos, Anderson e Cury somam cerca de 60% das intenções de voto nas pesquisas - um patamar semelhante ao que Felício Ramuth alcançou para se reeleger em 2020, quando o grupo estava unido.
Nessa disputa, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, optou por manter a neutralidade, já que Cury e Anderson são filiados a dois dos principais partidos de sua base. O Republicanos, partido do governador, faz parte da coligação de Anderson ao lado de outras seis legendas: PSD, PP, MDB, Podemos, PROS e Solidariedade.
Apesar da postura neutra, a imagem de Tarcísio aparece em materiais das duas campanhas. A cidade também tem um simbolismo para o governador, pois foi o seu primeiro domicílio eleitoral no Estado.
Anderson aposta em gestão e Cury, em legado
A principal estratégia de Anderson é transformar a avaliação positiva de sua gestão em voto. Segundo o Ipec, metade dos eleitores avaliam a atual gestão como ótima ou boa, porcentual considerado alto e que vem crescendo nos últimos meses: era de 38% na pesquisa de agosto e de 41% no levantamento do dia 17 de setembro. Os que hoje consideram a gestão regular somam 35%, e apenas 12% dizem que ela é péssima.
"Os dados da avaliação do prefeito mostram que o Anderson tem espaço para crescer até o dia da votação. Entre os 50% de eleitores que dizem que ele está fazendo um governo ótimo ou bom, 43% declaram intenção de voto nele e 32% no Cury. Outros 17% estão indo para o Dr. Elton", analisa Márcia Cavallari, CEO do Ipec (ex-Ibope). Ela lembra que, quando Ramuth foi reeleito em 2020, ele tinha 56% de avaliação positiva na última pesquisa Ipec. Na avaliação de Cavallari, o apoio de Bolsonaro pode não ser decisivo no pleito. "A lógica da eleição municipal é outra. O eleitor quer saber se a creche está funcionando, se tem ônibus circulando, se o lixo foi recolhido. Ele quer saber daquilo que impacta no seu dia a dia."
Na leitura de aliados de Anderson, a aprovação da prefeitura mostra que há um reconhecimento do trabalho da gestão, mas o eleitor não sabe diferenciar qual é o papel de Cury e o de Anderson nesse cenário. Por isso, os esforços da campanha do prefeito nesta reta final estão concentrados em mostrar que ele esteve à frente da cidade nos últimos dois anos e trabalhou em conjunto com Ramuth nas últimas duas gestões, deixando marcas como a Linha Verde - um corredor que liga a Zona Sul à Zona Leste e utiliza uma frota de ônibus elétricos -, além da fila de creche zerada.
Para tentar conter o efeito de Bolsonaro sobre a candidatura de Anderson, a campanha do candidato do PSD tem explorado declarações negativas de Cury sobre Bolsonaro, dizendo que o ex-prefeito "nunca foi bolsonarista" e é "oportunista". Em entrevista ao Link Vanguarda, Cury disse que mudou de posição após rever "algumas suposições" feitas em relação ao ex-presidente.
A carreata de Bolsonaro em São José, na manhã desta terça-feira, 1º, reuniu, além de Cury, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), André do Prado. Além de associar sua imagem a Bolsonaro e Tarcísio, Cury aposta no legado das suas gestões e da de Emanuel Fernandes, também ex-prefeito, para voltar ao comando da maior cidade do Vale do Paraíba.
Em peças de campanha, ele destaca marcas de seu governo, como a criação do Parque Tecnológico e das Casas do Idoso. Parte de sua estratégia também envolve críticas enfáticas à gestão de Anderson, de quem foi aliado, principalmente em relação à presença de usuários de droga nas ruas da cidade e a acusação de que a atual gestão deu um "calote" de R$ 500 milhões no Instituto de Previdência do Servidor Municipal (IPSM).
Os dois temas acabaram na Justiça. Na ação envolvendo usuários de drogas, a campanha de Anderson questionou uma peça publicitária em que Cury o acusava de permitir a migração de usuários da Cracolândia de São Paulo para São José dos Campos. Anderson alegou que Cury utilizou imagens da Cracolândia de São Paulo para ilustrar a propaganda, induzindo o eleitor ao erro. A Justiça inicialmente concedeu direito de resposta a Anderson, mas a decisão foi reformada, com o tribunal entendendo que o conteúdo não ultrapassava os limites da liberdade de expressão.
Anderson também acionou a Justiça contra Cury pelo uso do termo "calote" em uma propaganda eleitoral, alegando que a expressão era ofensiva e induzia o eleitor ao erro. A Justiça inicialmente concedeu direito de resposta ao prefeito, mas o TRE-SP reformou a decisão. O tribunal considerou que existem débitos da prefeitura e que a imprensa já utilizou o termo calote.
Em nota, a campanha de Anderson refuta as acusações. Diz que contestou a peça de Cury porque não existe calote na cidade, e sim "dívidas", como em todos os municípios. "São José não tem nenhuma prestação atrasada, de nenhum fornecedor. Todos os pagamentos estão rigorosamente em dia. A única dívida contraída foi com o Instituto de Previdência, que é paga de acordo com os vencimentos. Inclusive, a cidade não tem nenhum precatório pendente."