O ex-ministro da Justiça Anderson Torres prestou depoimento nesta semana sobre as operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições. Ele foi ouvido na investigação que apura se a PRF foi instrumentalizada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e agiu para dificultar votos em redutos eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A PRF faz parte da estrutura administrativa do Ministério da Justiça. Duas descobertas arrastaram Anderson Torres para a investigação: uma viagem do ex-ministro à Bahia dias antes do segundo turno e um relatório de inteligência, produzido pela pasta, com detalhes dos locais de votação onde Lula venceu com ampla margem no primeiro turno.
Informações de Silvinei
Anderson Torres narrou aos investigadores que ligou para o então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, quando soube das operações pela imprensa. O chefe da Polícia Rodoviária Federal teria dito ao ex-ministro que o protocolo de atuação da corporação no segundo turno havia sido 'praticamente o mesmo' do primeiro turno e negou um 'direcionamento' das ações.
Silvinei Vasques teria informado ainda que a PRF chegou a escoltar veículos que estariam sem condições de trânsito para 'garantir o direito de voto'.
O ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal virou alvo de investigação por supostamente se omitir no enfrentamento a grupos bolsonaristas que ocuparam rodovias federais em protesto contra o resultado das eleições de outubro. Ele chegou a usar as redes sociais para pedir votos para Bolsonaro na véspera do segundo turno.
Alexandre de Moraes
Torres também usou em sua defesa uma declaração do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que em coletiva de imprensa após o segundo turno garantiu que as operações da PRF não impediram nenhum eleitor de votar.
"O declarante assistiu a uma entrevista do ministro, o qual afirmou que nenhum eleitor havia deixado de votar em razão da atuação da PRF e, no mesmo contexto, o ministro afirmou que pela primeira vez na história a abstenção no segundo turno havia sido menor que no primeiro", diz um trecho do termo de depoimento.
Anderson Torres explicou que, assim como a Polícia Federal e as Secretarias de Segurança Pública dos Estados, a PRF tem autonomia para fazer o próprio planejamento operacional na eleição. Ele afirmou que não tinha a prerrogativa de vetar o plano de ação.
Os relatórios sobre a atuação da corporação, segundo o ex-ministro, eram repassados a ele pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. Os informes, de acordo com Torres, relatavam 'atuações normais em todo território nacional'.
Mapas de votação
O ex-ministro admitiu que recebeu uma lista dos locais de votação em que Lula teve mais de 75% dos votos no primeiro turno. Segundo ele, o mesmo mapa foi produzido sobre Bolsonaro.
"O intuito do BI (boletim de inteligência) era relacionar crimes eleitorais, mas o declarante não levou a informação adiante haja vista não entender que os dados contidos no Bl eram indicativos de crimes eleitorais", afirmou no depoimento.
Torres atribuiu a iniciativa à ex-diretora de inteligência da Seopi, a delegada federal Marília Alencar, que já prestou depoimento e confirmou o mapeamento. Ela, no entanto, disse que cumpriu ordens do ex-ministro. O objetivo seria investigar se houve compra de votos.
Os mapas, segundo Torres, não foram compartilhados com a PRF ou difundidos nos canais de inteligência do Ministério da Justiça.
Viagem à Bahia
O ex-ministro negou ter dado ordem para a Polícia Rodoviária Federal agir 'de forma mais contundente' no Nordeste ou em qualquer Estado. Ele sustenta que nunca interferiu no trabalho operacional da corporação.
"As determinações eram de coibição a todos os crimes eleitorais, independente do partido de quem os cometesse", afirmou.
Anderson Torres disse ainda que a viagem a Salvador, em 25 de outubro, cinco dias antes do segundo turno, não teve relação com a eleição. Ele afirmou que foi participar da entrega de uma obra da Superintendência da Polícia Federal na Bahia.
O ex-ministro admitiu, no entanto, que participou de uma reunião com o então diretor-geral da Polícia Federal Márcio Nunes, e o ex-superintendente da corporação na Bahia, Leandro Almada, para falar sobre a eleição.
"O declarante não solicitou que a PF trabalhasse de forma conjunta com a PRF, mas sim que, visando aumentar a capilaridade da atuação das forças federais, o declarante e o DPF Márcio sugeriram que, nas cidades nas quais a PF não conseguisse atender, fosse solicitado que a PRF o fizesse", afirmou Torres.