O elo da Cosa Nostra no Brasil tem nome e sobrenome: Giuseppe Calvaruso, Giuseppe Bruno e Pietro Ladogana. Os três estão presos. Um deles sob suspeita de encomenda do assassinato de seu delator. Um outro, 'tesoureiro' da máfia, já condenado a 16 anos de cadeia na Itália. E o 'herdeiro' da organização.
O perfil dos capos da Cosa Nostra - a máfia siciliana que inspirou a trilogia 'O Poderoso Chefão' nos anos 1972, foi montado pela Equipe Conjunta de Investigação, força-tarefa de autoridades brasileiras e italianas na Operação Arancia que, em agosto passado, barrou o avanço da organização que se havia estabelecido no Rio Grande do Norte e na Paraíba.
Nessa região do País, o braço da Cosa Nostra no Brasil fincou raízes e produziu um ousado e ambicioso esquema para lavar R$ 300 milhões do tráfico e de extorsões praticadas pela máfia na Itália - os investigadores estimam que o valor amealhado pela organização seja dez vezes maior.
Giuseppe Calvaruso está sob custódia na Itália. Pietro Lagodana cumpre pena no presídio estadual de Alcaçuz (RN). Giuseppe Bruno foi preso em agosto pela Polícia Federal.
Os três foram denunciados no bojo da Operação Arancia por suposto envolvimento em organização criminosa internacional e lavagem de dinheiro.
Na última segunda, 16, a Justiça Federal no Rio Grande do Norte acolheu denúncia da Procuradoria e os colocou no banco dos réus, ao lado de outros seis suspeitos, todos brasileiros.
De acordo com o Ministério Público Federal, Calvaruso, Bruno e Pietro são os principais operadores do esquema da máfia italiana no Brasil.
Os investigadores rastrearam bens milionários adquiridos pelo grupo por meio de empresas de fachada. A Justiça Federal bloqueou matrículas de 100 imóveis.
A investigação mostra que os três líderes da Cosa Nostra montaram 12 empresas de fachada no Brasil para lavar dinheiro arrecadado em seu país.
Eles investiram majoritariamente em empreendimentos no Rio Grande do Norte e na Paraíba, como um restaurante refinado em Natal, apartamentos em Cabedelo (PB), uma casa de luxo em um resort de Bananeiras (PB) e um grande loteamento residencial no município de Extremoz (RN).
A Procuradoria indica que o esquema de lavagem de dinheiro da Cosa Nostra no Brasil foi montado por Pietro Ladogana. A partir de 2019, ele fez vários investimentos corporativos e imobiliários no Rio Grande do Norte com recursos da máfia. A trajetória do mafioso começou a ruir quando a Procuradoria de Palermo identificou sua atuação em parceria com Bruno e Calvaruso.
Em 2014, Pietro foi preso no Brasil sob suspeita de ter encomendado o assassinato de um outro italiano, Enzo Albanese. Segundo as investigações, ele ordenou a execução de Enzo por tê-lo denunciado, um mês antes, às autoridades brasileiras. Enzo Albanese revelou que o mafioso fazia parte de uma organização criminosa voltada para lavagem de dinheiro no território potiguar por meio da compra de imóveis e da administração de empresas fictícias.
A Procuradoria destaca que a prisão de Pietro deixou Calvaruso e Bruno com um problema: a administração dos investimentos no Brasil. Foi então que a Cosa Nostra decidiu mandar Giuseppe Bruno para o Brasil, em 2016, com a missão de dar continuidade a "projetos empresariais" da máfia.
Operador do esquema denunciado à Justiça, Giuseppe Bruno envolveu-se desde muito cedo com "projetos empresariais" de organizações mafiosas sicilianas, por meio de seu pai, falecido, apontado como empresário "contíguo" à "Cosa Nostra", especialmente no distrito mafioso de Bagheria, onde manteve vínculo com um protagonista histórico da 'cupola' da máfia.
A Operação Arancia sustenta que Bruno e Pietro exerciam a função de braço operacional da Cosa Nostra no Rio Grande do Norte. Giuseppe Calvaruso, por seu lado, era o verdadeiro articulador do esquema de lavagem de dinheiro.
De acordo com a denúncia, Calvaruso é considerado o 'boss-manager' da Cosa Nostra e assumiu a gestão do caixa da máfia (tesoureiro). Ele tinha "hegemonia na gestão da dinâmica criminal" do grupo.
O inquérito mostra que Calvaruso era um dos "principais atores do cenário mafioso de Palermo". Sua ascensão na hierarquia do crime organizado "decorre de laços históricos com os líderes mais influentes da Cosa Nostra".
A Polícia de Palermo informou que o mafioso foi ligado a Giovanni Motisi, um dos "assassinos mais impiedosos e confiáveis de Toto Rina" - o ex-chefão da máfia italiana que nasceu em Corleone, cidade natal do personagem principal de 'O poderoso chefão'.
O boss-manager da Cosa Nostra foi preso pela primeira vez em 2002 e passou 10 anos na prisão. Em 2016, se mudou para o norte da Itália, de onde dirigiu o esquema de lavagem de dinheiro da Cosa Nostra com Giuseppe Bruno.
Entre 2019 e 2021, ano em que foi preso, ele morou no Brasil. O mafioso foi capturado quando retornou a Palermo, em abril de 2021. Hoje ele está confinado no Presídio de Spoleto, localizado na Provincia di Perugia, "sob regime rigoroso devido à sua periculosidade e sua liderança sobre a máfia internacional".
"O grupo edificou no Brasil uma estrutura complexa e extremamente organizada mediante dezenas de empresas de fachada que movimentou milhões de reais através de pessoas sem lastro financeiro compatível, 'laranjas', as quais estavam sob o comando dos líderes italianos mafiosos da Cosa Nostra no território brasileiro", afirma o Ministério Público Federal.