O g1 ouviu as avaliações do secretário de Educação do Paraná, Roni Miranda, e da coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, sobre a lei que permite terceirizar a administração de 204 colégios estaduais – pouco mais de 10% da rede estadual de ensino.
O projeto de lei do Governo do Paraná foi aprovado pelos deputados estaduais na terça-feira (4), sob protestos, greve de educadores e até invasão da Assembleia Legislativa. A tramitação do projeto, em regime de urgência, durou oito dias.
Na opinião de Andressa Pellanda, o programa contraria leis federais. Além disso, vai influenciar na parte pedagógica dos colégios.
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Já na explicação de Roni Miranda, o programa vai contemplar às empresas apenas a parte administrativa dos colégios e elas não poderão, segundo ele, tomar decisões autônomas sobre a totalidade da instituição. Para ele, a terceirização busca, principalmente, a eficiência na gestão do gasto público.
O texto foi sancionado pelo governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD) poucas horas após a aprovação. A decisão de adotar, ou não, o modelo, será tomada em consulta pública realizada com a comunidade escolar de cada instituição.
A nova lei prevê que "empresas com expertise em gestão educacional" passem a gerir a parte administrativa dos colégios estaduais no Paraná a partir de 2025 nas instituições que aprovarem o modelo, e estabelece que a Secretaria de Estado de Educação (Seed) mantém a absoluta autonomia na parte pedagógica.
Transferir a administração de escolas públicas para o setor privado é ilegal?
O secretário de Educação afirma que a terceirização de todas as atividades dos colégios estaduais seria, sim, inconstitucional, e explica que a nova lei prevê que empresas privadas assumam apenas a parte administrativa das instituições.
"Terceirização é quando eu saio da escola. Na educação, nas escolas, continua com a gente, o currículo é nosso, o material didático é nosso. É passar a responsabilidade da gestão administrativa para o parceiro, mas ele não tem controle, decisões autônomas, sobre a escola inteira", diz.
Na avaliação da coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a medida afronta a legislação nacional sobre gestão da educação pública, entre elas a própria Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Pellanda cita que a Lei de Diretrizes regulamenta a atuação do Estado, "caracterizando que as instituições públicas de educação são 'as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público'". Ela pondera que o modelo contraria decreto federal, que serve de orientação jurídica para todos os níveis da federação e determina que atividades típicas da administração escolar não podem ser executadas de forma indireta.
Mudança na administração e planejamento pedagógico
Roni Miranda afirma que o programa de terceirização, chamado de "Parceiro da Escola", busca mudar a realidade daquele colégio a fim de melhorar a aprendizagem do estudante. Caso a empresa contratada não cumpra as metas fixadas, que ainda não foram divulgadas, o contrato pode ser rescindido. Conforme o secretário, deve haver uma integração entre o colégio e a empresa.
"O diretor é o nosso fiscal do contrato, ele é o nosso balizador da parte pedagógica, da parte de aprendizado do estudante. O parceiro é o que vai dar condições e apoiar a estrutura, aquilo que a secretaria muitas vezes leva muito tempo ou que legalmente ou juridicamente tenha o entendimento de fazer uma contratação direcionada para aquela escola. O parceiro vai poder fazer esse apoio mais rápido e seguro", afirma.
Pellanda, no entanto, avalia que o projeto vai mexer na estrutura da educação nas escolas. "A gestão da escola também é um pilar pedagógico da escola". A coordenadora argumenta que a administração da escola é indissociável do ensino.
"Assim, as decisões que passam pela organização da escola, de seu projeto pedagógico, de seus educadores, de priorizações orçamentárias, são decisões que precisam ser tomadas não somente de forma participativa, já que educação é uma relação de ensino-aprendizagem e uma relação entre seus sujeitos, como também com base pedagógica", pontua.
Melhoria nos índices educacionais
O secretário de Educação avalia que a administração privada deve ajudar a melhorar tanto o desempenho quanto a frequência escolar com medidas como a rápida substituição de professores em licença, a oferta de aulas de reforço, a criação de campanhas de redução da evasão escolar e a oferta de subsídios para a realização de atividades pedagógicas.
"Contratando profissionais para que possa ofertar esse reforço, isso também é uma campanha que pode e que vai impactar pedagogicamente. Todas essas ferramentas e possibilidades que o diretor e que a equipe de professores precisam, o parceiro precisa dar esse suporte", explica.
A coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação afirma haver uma série de estudos e de experiências nacionais e internacionais mostrando que políticas de privatização da educação não garantem melhor qualidade ou melhores resultados e ainda aprofundaram as desigualdades educacionais em vez de enfrentá-las.
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Outro argumento citado por Pellanda é a escassa regulação da atuação do setor privado na educação. "É um atestado de incompetência a terceirização. Aulas de reforço, substituição de professores, projetos interdisciplinares, trabalho contra evasão não deveriam ser vistos como 'emergências' e, sim, como parte estrutural da política educacional, com professores da rede, integrados, valorizados, com formação e diálogo contínuo com demais profissionais da rede", ressalta.
Gastos públicos
Conforme Miranda, o Estado é muito burocrático e procedimentos como a contratação de serviços para uma escola, por exemplo, pode levar meses. A ideia é que a empresa contratada seja mais eficiente.
"O diretor da minha escola, a equipe pedagógica já está lá, trabalhando na escola, vão ficar totalmente dedicados aos estudantes, então, eu estou colocando um reforço também na parte pedagógica de tempo das pessoas e energia delas para trabalhar na formação dos estudantes", afirma o secretário.
Por fim, a coordenadora da Campanha destaca que o investimento público em educação pública, de forma adequada, tem sido muito mais eficiente do que o "repasse de verba pública ao setor privado com fins lucrativos".
"Não adianta passar para o setor privado a gestão da coisa pública que está sucateada, subfinanciada, desvalorizada, sem financiamento e prioridade adequadas. Ninguém vai gerar bom resultado ao gerir a miséria. Como fazer caber um recurso já reduzido em uma proposta de gestão mínima que ainda por cima precisa reservar uma parcela a lucros ou a compensações? A conta não fecha, é uma máscara para um lobby de lucro em cima da precarização educacional", conclui.
Fonte: G1