Você está com dor de cabeça e nas articulações, febre e sensação de mal-estar. Não sabe se está com gripe ou com dengue. Procura atendimento médico, mas é atendido por alguém sem formação. Essa situação é hipotética, mas é mais comum do que se imagina. Um levantamento recente do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontou dois casos de exercício ilegal da medicina por dia no Brasil. No Paraná, de 2020 a 2023, foram registradas 201 ocorrências do gênero, resultado de 69 processos ingressados no Poder Judiciário e 132 boletins de ocorrências.
O levantamento do CFM, que compilou dados de janeiro de 2012 a dezembro 2023, identificou 9.566 casos de crimes classificados como exercício ilegal da medicina, enquadrados no artigo 282, do Código Penal. Os números são resultados de dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelas polícias civis dos estados. Porém, estima-se que a situação seja muito mais grave, avalia o médico e conselheiro federal, Alcindo Cerci, de Londrina.
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Cerci, que é diretor clínico do Hospital Universitário de Londrina (HU/UEL), observa que cinco estados não apresentaram dados e outros apresentaram números parciais. “Esse cenário é preocupante. Os números, provavelmente, são maiores. Assim como existe uma “epidemia” de erro médico, que está associada a má formação, existe uma “epidemia” de lesões causadas por profissionais desqualificados, que extrapolam a área de formação ou, em casos ainda mais graves, não têm qualquer formação”, pontua.
A Polícia Civil do Paraná, no período analisado pelo CFM, de 2012 a 2023, registrou 314 casos de exercício ilegal da medicina. “Isso é muito sério e acontece em todas as regiões do Brasil. Imagine quantas pessoas foram atendidas por esses falsos profissionais e tiveram suas vidas colocadas em risco”, alerta o coordenador do HU, que cita como exemplo o caso da falsa médica de Alagoas.
Com registro profissional falso, uma mulher atuou por nove anos como médica nutróloga especialista em oncologia, em Maceió, e cobrava R$ 450 por consulta. “Essa pessoa, que responde em liberdade, porque a Justiça classifica esse tipo de crime de baixo potencial ofensivo, tirou a oportunidade de inúmeras pacientes acessar um tratamento adequado”, ressalta.
VANTAGEM FINANCEIRA
Para Cerci, a invasão do ato médico tem por objetivo obter vantagem financeira. “Além de causar danos, em alguns casos irreversíveis à saúde de alguém, também causa danos financeiros, pois a vítima, muitas vezes, precisa pagar um novo tratamento”, observa.
Na avaliação do conselheiro, o profissional tem que estar habilitado para fazer um procedimento e também corrigi-lo, caso seja necessário. “Ou seja, estuda um 1/3 do tempo e tem 1/10 da prática necessária, não investe na formação, não adquire a habilidade necessária, mas quer o retorno financeiro”.
ORIENTAÇÃO
Em caso de dúvidas, Cerci orienta checar o número do registro profissional do médico, que fica disponível no site do CFM. “Também aconselho checar se o profissional tem a especialidade mencionada, que é o Registro de Qualificação de Especialidade Médica (RQE). Hoje em dia, com as redes sociais, ficou mais fácil atrair as pessoas a partir de uma foto de antes de depois, o que inclusive é proibido pelo CFM”, frisa.