Apesar de o arcabouço fiscal, nos termos em que foi apresentado na manhã de hoje no Ministério da Fazenda, ter sido recebido com alguma reserva, especialmente por parâmetros e pressupostos considerados um tanto otimistas por analistas econômicos, o dia foi de descompressão para os ativos brasileiros conforme se esperava, com reação favorável na Bolsa como também no câmbio e nos juros futuros.
Andando à frente de Nova York, onde os ganhos se limitaram a 0,73% (Nasdaq), o Ibovespa retomou a linha dos 103 mil pontos, em seu melhor nível de fechamento desde o último dia 16. Assim, reduz as perdas do mês nesta penúltima sessão de março a 1,16% - no ano, o índice cede 5,49%. Na semana, o avanço é de 4,94%.
Hoje, a referência da B3 oscilou na faixa de 101.795,79 a 104.085,40, máxima intradia desde 14 de março, para fechar aos 103.713,45 pontos, em alta de 1,89%, maior ganho em porcentual desde o último dia 8 (+2,22%), que o levou hoje ao melhor nível de encerramento desde 9 de março (105.071,19).
A recuperação desta quinta-feira se espalhou de forma ampla pelas ações e setores de maior peso no índice, com destaque para siderurgia (CSN ON +5,43%, Usiminas PNA +7,03%). Os grandes bancos tiveram ganhos entre 1,83% (BB ON) e 3,00% (Bradesco PN) no fechamento. Vale ON subiu 1,63%, enquanto Petrobras teve fechamento mais moderado, em alta de 0,29% para a PN e de 1,12% para a ON.
Na ponta do índice, ações de setores correlacionados ao ciclo doméstico, como Rede D'Or (+8,96%), Dexco (+8,57%), CVC (+8,28%) e Yduqs (+7,05%). No lado oposto, Natura (-2,08%), Minerva (-2,02%) e Hypera (-2,00%). Foi a quinta alta consecutiva para o índice da B3, a mais longa sequência positiva do Ibovespa desde os seis ganhos entre 4 e 11 de janeiro, no começo do ano. O giro financeiro ficou em R$ 24,0 bilhões na sessão.
"Sabíamos que a regra fiscal seria mais flexível que o teto de gastos, tentando incorporar o que o ministro Haddad chamou de as melhores facetas da Lei de Responsabilidade Fiscal e do próprio teto, com mecanismos de ajuste caso necessário. Regra agrada em um primeiro momento: há onde pisar agora, mesmo sabendo que não se está no melhor dos mundos. As expectativas vinham se alinhando de forma positiva, deve haver um apaziguamento no curto prazo", diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
"O arcabouço veio em modo do 'é o que tem para hoje', dentro do que já vinha sendo anunciado. Não se falou nada em corte de gastos, mas em elevação, na medida em que se aumenta receita. Melhor 'feito' do que 'perfeito', e o mercado tenta digerir, fazendo conta", diz Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos.
"Mercado gostou em um primeiro momento, desde ontem à noite, quando começaram a vazar algumas premissas", diz Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos. "O modelo projeta zeragem de déficit primário em 2024 e superávit em 2025 e 2026. Agora é aguardar detalhamento mais profundo do arcabouço, em nível técnico. Deu para ter noção do quadro geral e das principais características da proposta. É esperar agora o aprofundamento do arcabouço, que é positivo na margem, uma bússola para os gastos do governo nos próximos quatro anos."
"Muito importante observar também qual será a reação do Banco Central, como o colegiado vai incorporar essa nova regra em sua comunicação nas próximas decisões sobre juros", diz Moura.
Evento mais aguardado do dia, o anúncio do arcabouço fiscal deixou em segundo plano outro ponto alto da agenda da semana, o relatório trimestral de inflação, também divulgado pela manhã, no Banco Central. No documento de hoje, "ao não incluir o cenário com Selic constante, o BC criou uma situação na qual o relatório trimestral tem menos informação sobre os cenários de inflação do BC do que os últimos dois comunicados e atas do Copom", aponta em nota Darwin Dib, economista-chefe da Gauss.
Ele observa que no relatório desta quinta-feira, somente com o cenário de referência, as projeções de inflação usadas pelo BC consideram apenas a trajetória da Selic "extraída da pesquisa Focus". "Ou seja, não foi apresentada a trajetória de inflação no cenário alternativo, aquele com Selic constante, cuja (re)introdução na ata de fevereiro foi o estopim da crise entre governo Lula e RCN Roberto Campos Neto", acrescenta o economista.
"Ao não incluir o cenário com Selic constante, o BC criou uma situação na qual o relatório trimestral tem menos informação sobre os cenários de inflação do BC do que os últimos dois comunicados e atas do Copom", conclui Dib.