Usando de sua influência e a confiança de seus seguidores para "fazer o bem", vários influenciadores digitais têm criado campanhas para arrecadar doações para as vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul - algumas menores, outras chegando a mais de R$ 60 milhões. Celebridades têm divulgado vídeos pedindo colaboração de seus fãs e empreendedores têm se inspirado no movimento para criar rifas ou campanhas de destinação do dinheiro das compras para o Estado gaúcho.
Até o momento, o governo gaúcho contabiliza 441 municípios afetados, 340 mil pessoas desalojadas e 71 mil pessoas em abrigos, além de 756 feridos, 141 desaparecidos e 126 óbitos confirmados. É a maior tragédia climática na história do Estado.
Vejas algumas campanhas de influencers e para onde está sendo destinado os recursos arrecadados:
A Maior Campanha Solidária do RS
O humorista gaúcho Eduardo Christ, mais conhecido pelo nome artístico de Badin, o colono, criou o que ele chamou de "a maior campanha solidária do Rio Grande do Sul", a SOS Enchentes. Se unindo ao Instituto Vakinha (plataforma de arrecadação de doações para diversas causas) e ao programa Pretinho Básico, da Rádio Atlântida, foi lançada a campanha que tinha como meta R$ 5 milhões - mas, na verdade, já está em R$ 66 milhões, se tornando a maior vaquinha da história do País (dentre as arrecadadas pela plataforma Vakinha).
Mas essa não é a primeira vez que o humorista, que tem 2,7 milhões de seguidores no Instagram, ajuda o seu Estado. No ano passado, quando enchentes - de menor proporção - destruíram várias casas, ele também lançou uma vaquinha.
Badin atribui o sucesso da vaquinha à adesão de mais de 200 celebridades e influencers, que divulgaram a campanha pedindo doações, além de 150 empresas parceiras. Para saber aonde destinar tanto dinheiro, ele conta que já visitou muitas cidades afetadas pelas chuvas e tem conversado diretamente com as famílias atingidas, mostrando a situação em seus stories, no Instagram.
Do total arrecadado, foram usados R$ 15 milhões em 179 repasses para todos vários de auxílios, desde ajuda humanitária por meio de estrutura para resgate de pessoas e animais, jet skis e combustível para helicóptero para lugares onde não é possível acessar pela estrada até materiais de construção, cadeiras de roda, cestas básicas, colchões e materiais de higiene.
Sobre ainda não ter usado boa parte do dinheiro, ele afirma: "Precisa ter um controle desse dinheiro e, para isso, às vezes precisa ter algumas informações que acabam sendo um pouquinho burocráticas. A gente está tentando ser o mínimo possível, mas não tem como você simplesmente abrir as torneiras". Ele diz que, em breve, colocará no ar um portal com as notas fiscais de todas as doações que foram feitas.
"A nossa prioridade sempre vai ser salvar vidas. Então se tem uma cidade que está precisando salvar vidas e uma que está precisando comprar fogão, a gente vai salvar as vidas primeiro, comprando jet ski, barco para resgate", acrescenta.
A ideia do humorista também é poder enviar o dinheiro diretamente para as pessoas que tiveram suas casas alagadas. Um formulário para que as pessoas solicitem a verba está sendo criado. "Também queremos fazer com que esse dinheiro chegue lá na ponta, nas pessoas, porque cada um vai escolher fazer uma coisa com esse dinheiro. Alguns vão pagar aluguel em algum lugar, outros vão querer se mudar", afirma.
O medo do influenciador, porém, é que pessoas que não perderam suas casas solicitem o valor. Ele rejeita a ideia de solicitar um cadastro pela internet: "tem famílias que são extremamente humildes e não têm acesso à internet".
Paralelamente à arrecadação e destinação do dinheiro da vaquinha, o influencer também está promovendo a campanhaAdote Uma Cidade, para que cidades que não foram atingidas "adotem" outras que foram. "Tragam máquinas, recursos, tudo o que der para ajudar a reconstruir", ele pede em um vídeo nas redes sociais.
Lu Ferraes
Empresária, maquiadora e blogueira, Luciane Ferraes é gaúcha, moradora da cidade de São Sebastião do Caí, na região do Vale do Caí, e, mesmo sem participar de nenhuma ONG ou associação, colocou a mão na massa desde o primeiro momento. Assim que a água reduziu, ela passou a atuar como voluntária limpando as casas que foram alagadas e entregando mantimentos diretamente nas mãos das famílias afetadas. Em um primeiro momento, não mostrava as ajudas nas redes, mas percebeu que ao expor a situação, conseguia arrecadar dinheiro para ajudar muito mais.
"Como eu tenho muita visibilidade, a gente conseguiu levantar um bom dinheiro. E esse dinheiro não está ficando parado. Nem os dinheiros, nem as doações. E quando eu paro de postar, a doação diminui muito", conta Lu, como é conhecida nas redes, onde tem mais de 700 mil seguidores. Ela relata ainda a dificuldade em conseguir grandes volumes de itens de maior necessidade.
Mais de R$ 300 mil já foram destinados para diversas frentes, como itens de higiene, materiais de limpeza, preparação de marmitas e até a compra de colchões e mobílias para as casas.
Para prestação de contas, a empresária tem realizado lives todos os dias, informando para onde os valores doados estão sendo destinados.
Depois que a influenciadora passou a mostrar o dia a dia do trabalho voluntário, ela conta que percebeu que outros influenciadores começaram a "se movimentar" também.
"Nós somos pessoas comuns, que temos nossas vidas, nossos trabalhos, nossas famílias, e nos mobilizamos nesse momento com energia física e energia financeira e na comunicação também. Mas essa energia, uma hora ela se esgota, porque em algum momento nós vamos ter que voltar para as nossas vidas e para os nossos trabalhos. Alguns dos meus colegas voluntários já estão sentindo os impactos do seu trabalho, dos seus comércios, e a gente continua se movimentando como dá", conta.
"Estou há nove dias dormindo cinco horas por noite, longe do meu marido, vendo meu filho muito pouco, emocionalmente abalada, porque estou muito envolvida com as pessoas", acrescenta.
Luciane explica que o voluntário chega de forma mais rápida à população por não ter uma burocracia envolvida, como acontece com as entidades governamentais. "Os voluntários estão fazendo tanta diferença porque a gente está chegando na mão da pessoa, sem burocracia. Por exemplo, eu estava recrutando pessoas para limpar a casa de uma mãe com duas crianças. Qual é a idade dessas crianças? O que essas crianças consomem? O que está faltando para essas crianças? A gente consegue atender a necessidade específica daquela família e o mais rápido possível. Os órgãos públicos, apesar de se mostrarem com muita vontade, obviamente precisam ter um controle, é tudo muito burocrático.
O Vale do Caí sofre com enchentes de forma bastante recorrente, por isso Luciane relata que os moradores já sabem se organizar melhor para ajudar os afetados. "Aqui é brutalmente atingido todos os anos por enchentes, e a gente tem como cultura que quem não está na enchente ajuda quem está. Então, eu já sou emocionalmente envolvida com as pessoas da comunidade", diz.
A região onde mora foi uma das primeiras a ser afetadas. A chuva começou no dia 1º de maio, por isso, agora, já passaram da fase de resgate das pessoas ilhadas para o momento de reconstrução de seus lares.
"Nós fomos os primeiros atingidos. Então, nós já passamos pelo momento do desespero, do resgate, de acomodar as pessoas, e agora a gente já está no momento de reconstruir as vidas, de reconstruir os lares. Então, já estou muito cansada, tanto os voluntários quanto as vítimas", conta Lu.
Pix dos influenciadores
Sabendo da confiança que seus seguidores têm nela e em outros criadores de conteúdo, a influenciadora de moda Sarina Gomes reuniu um grupo de amigos, também influenciadores digitais, para lançar uma campanha com o objetivo de ajudar as vítimas das enchentes de forma direta, entregando alimentos, produtos de higiene, roupas íntimas e água.
"Eu queria muito ajudar de forma mais direta e eu sei que tenho uma comunidade aqui que confia em mim, e meus amigos têm uma comunidade que confia na palavra deles, e isso tem muita força na internet. Tem muitas pessoas que acabam não doando para pessoas que não confiam, que nunca viram o rosto. Eu acredito que nós, influenciadores, botando a nossa cara e falando eu estou pegando o dinheiro para doar, a gente consegue arrecadar muito mais", diz.
Sarina imaginava que o valor arrecadado não passaria de R$ 5 mil, mas, em um dia conseguiu R$ 24 mil. Ao todo, o valor já chegou a R$ 45 mil. Isso só foi possível, ela conta, porque o grupo de 15 influenciadores que estão organizando as doações foram usando seus contatos para chamar outros criadores de conteúdo para ajudar a divulgar a campanha.
Depois de mandar um caminhão com 9 mil garrafas de água e outros mantimentos para as cidades de Estrela e Lajeado, o grupo passou a sentir a necessidade de ajudar financeiramente voluntários que estavam atuando diretamente nas cidades afetadas. "São pessoas que não têm visibilidade, que eram anônimas e tiveram que botar a cara delas no Instagram para pedir dinheiro. A gente tem exatamente esse papel agora, de sermos um meio intermediário entre as pessoas que tão nos seguindo e essas pessoas que estão lá na linha de frente mesmo", explica a influencer.
Os voluntários ajudados são de regiões diferentes do Estado gaúcho e, ao receberem a quantia em dinheiro, podem comprar o que for a maior necessidade de cada local. "Essas pessoas, no mesmo dia que a gente mandou o pix, já estão no mercado comprando os produtos, entregando no abrigo, me mandando a nota e agradecendo. Então, é um dinheiro que está chegando muito rápido para as vítimas", afirma.
Como forma de prestar contas com os doadores, Sarina tem postado em seus stories no Instagram, todos os dias, as notas fiscais e fotos para mostrar o destino dos valores arrecadados. "Esta semana eu não postei nada além de prestação de contas, mostrando aos seguidores eu comprei isso daqui com o seu dinheiro, estou ajudando em tal abrigo, exatamente para as pessoas que estão doando poderem ver", conta.
Felipe Neto
O influenciador Felipe Neto, com 17 milhões de seguidores em cada uma de suas redes (Instagram, X e Tiktok), arrecadou R$ 660 mil com uma vaquinha para compra de purificadores de água. O próprio influenciador entrou com mais R$ 2,3 milhões e três empresas somaram doações de R$ 1,8 milhão.
Assim, com R$ 4,8 milhões ao todo, foram comprados 220 purificadores, que têm potencial de gerar milhões de litros de água potável com a água proveniente da própria enchente, e foram levados para os atingidos pelo desastre do Rio Grande do Sul.
Sobraram ainda R$ 1,3 milhão arrecadados, que serão usados para compra de mantimentos a serem entregues aos moradores atingidos. As doações estão sendo feitas de acordo com demandas de pessoas na linha de frente no Rio Grande do Sul, como a compra de colchões para um abrigo para mulheres.
Uma das prioridades da organização junto ao influenciador é a compra de cobertores térmicos, pois a região deve enfrentar temperaturas baixas, e a estrutura de abrigos para pessoas desalojadas.