Um novo prognóstico realizado na segunda-feira, 6, pelos cientistas que anteciparam a cheia recorde do Lago Guaíba aponta que a enchente persistirá por ao menos mais 10 dias em Porto Alegre e mais cidades da região metropolitana do Rio Grande do Sul. Os pesquisadores alertam que a cheia recorde pode se estender por ainda mais tempo caso se confirme a previsão de chuva para o próximo fim de semana.
Há lentidão no escoamento do acumulado de água, com enchente principalmente em bairros das zonas central, norte e sul da capital, além das ilhas, onde muitos moradores seguem isolados e sem acesso a itens básicos há dias.
Equipes de resgate - voluntárias e do poder público - têm partido de diversas áreas da Grande Porto Alegre, mas as redes sociais seguem repletas de apelos por ajuda, com pessoas refugiadas em cima de telhados, viadutos e outros espaços. Em muitos casos, são usados barcos, jet skis e até geladeiras improvisadas como botes.
Na capital gaúcha, foi determinado o racionamento de água nesta segunda. Quatro das seis estações de tratamento não funcionam, enquanto as demais operam abaixo do normal. Cerca de 70% da cidade está sem o serviço. Há dificuldades no abastecimento de outros recursos essenciais, inclusive de insumos em hospitais.
Às 11h desta segunda, o Guaíba estava em 5,26 m na medição da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul. O nível tem oscilado em alguns centímetros, com variação entre 5,25 m e 5,29 m ao longo da manhã. Esta é a maior enchente da história da cidade e do Estado.
A cheia duradoura e redução lenta das águas foi apontada por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O nível deve seguir acima de 5 metros nos próximos dias e, ainda, permanecer superior a 4 metros até o fim da semana. A cota de inundação do Guaíba é de 3 metros, nível estimado apenas para a 2ª quinzena de maio.
Os pesquisadores têm destacado que o Guaíba está em estabilização no momento, mas não é descartada a possibilidade de que volte a subir. "As principais preocupações seguem sendo a duração dos níveis elevados e as possibilidades de repiques em função de novas chuvas ou efeito do vento", destacam.
Além da região metropolitana, precipitações na Serra e região central impactam na região, pela ligação de outros grandes rios com o Guaiba.
No prognóstico, os cientistas destacam que a previsão por enquanto não aponta chuva expressiva nas próximas 24 horas, exceto no sul do Estado - onde há alertas da Defesa Civil para inundação diante do escoamento das águas da Grande Porto Alegre para a Lagoa dos Patos, o que pode impactar ainda mais cidades como Pelotas e Rio Grande.
Como comparação, os pesquisadores destacam que o Guaíba levou 32 dias para ficar abaixo dos 3 metros depois da maior enchente de Porto Alegre (de 1941, com 4,76m). "Considerando os elevados níveis previstos e suas incertezas, por segurança, recomenda-se todas as ações de proteção de vidas e minimização dos prejuízos nas áreas já impactadas e nas potencialmente impactadas", salientam.
Além disso, os cientistas recomendaram ações imediatas para resolver o desabastecimento de água. O prognóstico foi desenvolvido com base em dados de chuva e vazão e modelos de previsão meteorológica, hidrológica e hidrodinâmica. É liderado pelos professores Fernando Fan e Rodrigo Paiva e pelo mestrando Matheus Sampaio, todos do IPH, em conjunto com a empresa RHAMA Analysis.
O grupo também desenvolveu um mapa das áreas mais vulneráveis à cheia, que pode ser visualizado abaixo. A ferramenta mostra o impacto das águas em diferentes áreas de Porto Alegre, praticamente toda a cidade de Eldorado do Sul e diversos outros municípios, como Cachoeirinha, Charqueadas e Novo Hamburgo.
O balanço mais recente da Defesa Civil aponta 850,4 mil afetados em 345 municípios. Na região metropolitana, municípios como Eldorado do Sul, Canoas e São Leopoldo estão em grande parte debaixo d'água.
Em Porto Alegre, ainda há moradores isolados em bairros como Humaitá e cerca de 70% da cidade está com o abastecimento de água prejudicado.
Veja abaixo respostas do professor Fernando Mainardi Fan, da UFRGS, sobre os motivos da enchente e a situação em Porto Alegre.
Por que o nível do Guaíba subiu tão rápido? E por que as cheias em outras áreas interferem nisso?
Porto Alegre está às margens do Guaíba e se desenvolveu em direção a ele, inclusive aterrando algumas partes. A localizaçã faz com que Porto Alegre esteja rio abaixo de muitas outras regiões e rios importantes (como o Taquari). Sempre que há uma grande chuva na região central ou noroeste do Rio Grande do Sul, essas águas descem e vão em direção ao Guaíba, elevando os níveis. Neste caso, aconteceram chuvas extremas na região central, o que fez com que os níveis se elevassem de forma muito acentuada no Guaiba.
As duas inundações do ano passado indicaram quais são os gargalos e medidas a serem tomadas?
As duas inundações do ano passado serviram como aprendizado, especialmente para a previsão de níveis de vazões e para a tomada de medidas de prevenção. Mas, como foram muito recentes, nem todas medidas e planos conseguiram ser implementados. Tivemos uma cheia em setembro, uma em novembro e, agora, de novo, em maio.
Porto Alegre está com pontos de refluxo de água pelos bueiros. É um ponto de atenção? Por que ocorre?
Quando se faz um sistema de diques de proteção, não deixamos a água entrar, mas essa água também não sai. Com isso, temos de fazer sistemas que bombeiam a água para fora. Esses sistemas podem falhar e há o refluxo de água pelos bueiros. É isso que está acontecendo: alguns pontos apresentam falhas, que precisam ser corrigidas emergencialmente, senão haverá uma inundação da cidade através desses pontos de falha.