Existe um fenômeno recorrente na política brasileira: a criação de uma narrativa de superioridade pelos governantes de plantão. Independentemente de quem assume o poder, parece haver um roteiro bem ensaiado, como se todos os problemas tivessem origem nos que os antecederam. A retórica é sempre a mesma: os que vieram antes nada fizeram, ou pior, fizeram tudo errado. Agora, tudo está mudado e, claro, para continuar ele deve ser reeleito ou seu indicado deve ocupar o cargo. Nessa narrativa, eles são os únicos salvadores da pátria, como se sem a sua presença as soluções econômicas e sociais fossem simplesmente inalcançáveis. Nesse jogo de poder, o governante atual é a “luz”, enquanto sem ele, tudo é trevas.
Esse discurso, porém, coloca em evidência uma desconexão gritante entre o mundo em que vivem muitos agentes políticos e o mundo real, habitado por nós, cidadãos comuns. Enquanto eles insistem em desenhar um cenário de progresso inquestionável, as pessoas enfrentam diariamente dificuldades que não são refletidas nas promessas de campanha nem nas narrativas de seus mandatos. Vemos uma realidade virtual, onde políticos criam feitos e progressos que parecem existir apenas em suas falas, e uma outra realidade, esta sim concreta, onde o povo lida com desemprego, falta de serviços públicos de qualidade e o aumento do custo de vida.
Talvez uma das maiores evidências desse “mundo paralelo” seja a forma como alguns políticos discutem o mercado de trabalho. Eles proclamam, com ar de triunfo, que vivemos um período de baixo desemprego, que em alguns estados e municípios existe até o pleno emprego. Propalam que há vagas de sobra e, portanto, não há desempregados. Mas quando olhamos de forma mais crítica, percebemos a falácia desse discurso. De fato, o que existe não é uma abundância de emprego para todos, mas sim uma falta de mão-de-obra qualificada. As vagas estão aí, dizem eles, mas a população não tem a qualificação necessária para preenchê-las. Portanto, o problema do desemprego persiste, embora camuflado pela retórica triunfalista de gestores públicos que parecem desconsiderar essa realidade.
Outro ponto de desconexão é a forma como muitos governantes tratam o orçamento público. Para eles, os recursos são infinitos, as contas públicas são um detalhe, e gastar é a prioridade. Quando questionados sobre o desequilíbrio fiscal, geralmente desviam o assunto ou lançam promessas futuras. Mas a verdade é que os déficits e dívidas criados por esses desmandos serão pagos pela sociedade, seja por meio de aumento de impostos, cortes em serviços essenciais ou piora nas condições de crédito do país.
O que nos resta, enquanto cidadãos, é buscar alternativas para controlar essa autonomia exacerbada dos agentes políticos. Precisamos de uma fiscalização mais rígida, de mecanismos que tornem a gestão pública mais transparente e, sobretudo, de mais participação da sociedade nas decisões que impactam diretamente suas vidas. Até que isso aconteça, uma das formas mais eficazes de minimizar os danos é escolher melhor os nossos representantes.
É nosso papel como cidadãos desconfiar das narrativas fáceis, questionar as promessas vazias e exigir mais responsabilidade e comprometimento daqueles que pedem o nosso voto. Como disse Rui Barbosa, “de tanto ver triunfar as nulidades, o homem chega a desanimar-se da virtude”. Que nos lembremos sempre da necessidade de estarmos atentos e críticos aos que governam, para que não nos conformemos com o mundo paralelo que eles tentam nos impor.