Uma fiscalização do Tribunal de Contas da União apontou que o Exército gastou mais de R$ 700 mil em recursos destinados ao combate à pandemia da Covid-19 com salgados, sorvetes e refrigerantes, além de 12 mil quilos de carnes bovinas de cortes nobres, como filé mignon e picanha. Para a área técnica da Corte, as compras infringiram os princípios da razoabilidade e do interesse público vez que foram realizadas 'no contexto de crise social e econômica, com recursos oriundos de endividamento da União, de crédito extraordinário e ignorando opções mais vantajosas'.
As informações contam de acórdão datado da última quarta-feira, 29, lavrado no bojo de um acompanhamento realizado a pedido da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. O Congresso pediu a apuração de possíveis irregularidades na aplicação de recursos do Sistema Único de Saúde destinados ao combate à covid-19.
Os valores averiguados pelo TCU foram repassados pelo Ministério da Saúde ao Ministério da Defesa por meio de medidas provisórias assinadas em 2020. A auditoria analisou gastos realizados pelas Forças Armadas, usando tais recursos, com gêneros alimentícios, manutenção de bens imóveis e serviços de água e esgoto e de energia elétrica.
Durante a análise, a área técnica da Corte de Contas identificou despesas de R$ 255.931,77 com 'salgados diversos típicos de coquetel, sorvetes e refrigerantes'. Para a Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e da Segurança Pública, 'em razão do baixo valor nutritivo e sua finalidade habitual' de tais alimentos, 'muito provavelmente não teriam sido utilizadas para o reforço alimentar da tropa empregada na Operação Covid-19'.
Além disso, foi constatada a compra, por apenas duas organizações militares, 'de elevada quantidade de carnes bovinas de cortes nobres, filé mignon e picanha, 12.000 kg, total de R$ 447.478,96, representando 21,7% do total despendido por todas as unidades do Exército com carne bovina em geral, que foi de R$ 2.063.859,33'.
Analisando normativo interno do Exército, a Secretaria constatou que a compra de 'cortes bovinos nobres' é autorizada pelo braço das Forças Armadas.
Por outro lado, na avaliação da área técnica do TCU, a compra violou os princípios da razoabilidade e do interesse público, considerando a 'utilização de recursos tão caros à sociedade, oriundos de endividamentos da União que agravaram ainda mais a crise econômica e social vivenciada pelo Brasil, para a aquisição de artigos de luxo, quando disponíveis alternativas mais baratas e que igualmente cumpriam a finalidade pretendida'.
Os gastos foram somente parte das irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da União ao analisar como as Forças Armadas gastaram os recursos a elas repassados para auxiliar no combate à covid-19. As despesas com gêneros alimentícios identificadas, no entanto, foram realizadas somente pelo Exército. O TCU chega a questionar que 50% dos gastos beneficiaram organizações que não possuem tropa, o que pode afastar o 'argumento de maior gasto calórico por desgaste físico em operações militares para justificar as aquisições dos gêneros alimentícios questionados'.
Em julgamento na quarta-feira, 29, o TCU usou o relatório para fazer uma série de recomendações ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos com relação a um decreto que trata da 'descentralização de créditos entre órgãos e entidades da administração pública federal integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União'.
O colegiado mandou informar ao Ministério da Saúde sobre a irregularidade da 'inexistência, nos processos de gestão das transferências de recursos ao Ministério da Defesa, de documentos hábeis a comprovar a realização dos apoios logísticos informados e a possibilitar a identificação plena dos bens e serviços adquiridos, com os custos unitários e totais'.
COM A PALAVRA, O EXÉRCITO
Até a publicação deste texto, a reportagem busca contato com o Exército, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.
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