Conversas obtidas pela Polícia Federal (PF) mostram que o suposto esquema de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, investigado na Operação Última Ratio, era conhecido por atores do Poder Judiciário.
A servidora Natacha Neves de Jonas Bastos, assessora do gabinete do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, aposentado em junho, afirma em uma conversa: "Todo mundo fala: 'ai não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega'".
A Polícia Federal apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo nesta quinta-feira, 24, na casa do desembargador.
A mensagem foi enviada à juíza Kelly Gaspar Duarte Neves, da Vara Criminal de Aquidauana, ex-diretora da Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul, após a Operação Tiradentes, deflagrada em fevereiro, quando a PF fez buscas em endereços ligados ao desembargador Divoncir Schreiner Maran, suspeito de receber propina para soltar um traficante no plantão judicial.
A servidora tenta obter informações sobre outras investigações que poderiam estar em curso: "Vocês devem saber mais porque eu acho que tem juízes que participam das coisas no CNJ e tal, porque lá em cima o povo não fica sabendo."
Segundo Natacha, "todo mundo lá em cima fala negócio de Sideni, de rolo disso, daquilo, do povo... até do Marcão e tal." Os desembargadores Sideni Soncini Pimentel e Marcos José de Brito Rodrigues, mencionados na conversa, foram afastados na Operação Última Ratio.
A juíza Kelly Gaspar Duarte Neves compartilha informações sobre as investigações envolvendo os desembargadores: "Segundo a gente sabe teria entrado dinheiro lá na conta, mas como desde a morte da primeira esposa dele, do Divoncir, ele criou aquela empresa, então tudo vai pra empresa, eles não movimentam nada pessoa física, mas do escritório, essas coisas."
A magistrada afirma ainda que a Receita Federal quebrou sigilos bancários na investigação. "Então diz que prova tem né, mas o pessoal fala que um dos filhos dele, não sei se é Vando, alguma coisa assim, diz que esse é muito sério, tal, sei lá."
Por fim, a juíza conta sobre suspeitas envolvendo o desembargador Sideni Soncini Pimentel, agora afastado do tribunal. "Do Sideni também tem e... só que sempre pelos filhos, sabe? Sempre pelos filhos. Mas a investigação lá tá há um tempão já no... no CNJ. A gente sabe porque eu fui da Amasul, então a gente meio que é que segura, sabe?"
Para a Polícia Federal, as mensagens "apontam que a prática de crimes por desembargadores é de notório conhecimento interno no Judiciário".
A Polícia Federal acredita que o uso de familiares para negociar a venda de decisões e os pagamentos era praxe no esquema. As suspeitas envolvem sobretudo os filhos dos desembargadores, em sua maioria advogados, que segundo a PF usariam os escritórios para receber os pagamentos sem chamar a atenção dos órgãos de investigação.
"As conversas travadas entre a analista judiciária Natacha e a magistrada Kelly corroboram a hipótese criminal levantada no presente inquérito policial, no sentido de que a negociação de decisões judiciais ocorra por intermédio dos filhos dos desembargadores, os quais são, em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia e utilizariam de suas pessoas jurídicas na intenção de burlar os mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro", afirma a PF na representação que levou à Operação Última Ratio.
Veja quem são os desembargadores e seus filhos investigados:
- Rodrigo Gonçalves Pimentel e Renata Gonçalves Pimentel, filhos do desembargador Sideni Soncini Pimentel;
- Fabio Castro Leandro, filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro;
- Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva e Ana Carolina Machado Abreu da Silva, filhos do desembargador Vladimir Abreu;
- Camila Cavalcante Bastos, filha do desembargador Alexandre Aguiar Bastos;
- Divoncir Schreiner Maran Júnior, Vanio Cesar Bonadiman Maran, Rafael Fernando Ghelen Maran e Maria Fernanda Ghelen Maran, filhos do desembargador Divoncir Schreiner;
- Diogo Ferreira Rodrigues, filho do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues.
Até a publicação deste texto, o Estadão buscou contato com as defesas, mas sem sucesso. O espaço segue aberto a manifestações.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou "medidas direcionadas exclusivamente a alguns desembargadores, magistrado e servidores" e que elas foram "regularmente cumpridas, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população e que não afetam de modo algum os demais membros e componentes da Justiça sul-mato-grossense".
"Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul seguirá desenvolvendo seu papel de prestação jurisdicional célere e eficaz, convencido de que aos desembargadores, magistrado e servidores referidos, será garantido o devido processo legal", diz a nota.
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