MAIS LIDAS
VER TODOS

Política

Por que a tentativa de golpe de Bolsonaro e aliados fracassou, segundo a PF? Entenda

O plano de golpear o Estado brasileiro e contrariar a vontade popular das urnas ao impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contou com o aval e planejamento do então presidente Jair Bolsonaro (PL), ministros do governo federal, militar

Rayanderson Guerra (via Agência Estado)

·
Escrito por Rayanderson Guerra (via Agência Estado)
Publicado em 09.02.2024, 20:36:00 Editado em 09.02.2024, 20:44:41
Imagen google News
Siga o TNOnline no Google News
Associe sua marca ao jornalismo sério e de credibilidade, anuncie no TNOnline.
Continua após publicidade

O plano de golpear o Estado brasileiro e contrariar a vontade popular das urnas ao impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contou com o aval e planejamento do então presidente Jair Bolsonaro (PL), ministros do governo federal, militares de alta patente e civis aliados ao então chefe do Executivo, segundo a Polícia Federal (PF). Cada um contava com uma "missão" específica no enredo golpista, conforme as investigações, com atuação estruturada dos suspeitos em seis núcleos.

continua após publicidade

O objetivo era descredibilizar o sistema eleitoral, incitar os quartéis e, por fim, com o aval do alto comando das Forças Armadas, cruzar a linha da Constituição. Os insurgentes, no entanto, falharam em um ponto essencial da trama criminosa: não arregimentaram a unidade da tropa.

A decisão do ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao autorizar a operação Tempus Veritatis, revelou o conluio de integrantes do governo federal com militares na orquestração do golpe. Faltou o apoio do alto comando das Forças Armadas, como descrito pelos investigadores: "Frustrada a consumação do golpe de Estado por circunstâncias alheias à vontade dos agentes".

continua após publicidade

A investigação demonstrou que os suspeitos atuaram, sabidamente à margem da lei, desde o final do segundo turno das eleições presidenciais, em um plano para subverter o Estado Democrático de Direito. Um dos alvos dos golpistas, Alexandre de Moraes diz na decisão que a "expectativa dos investigados em obter êxito na referida empreitada criminosa permaneceu durante o mês de dezembro, adentrando, inclusive, em janeiro de 2023, já durante o mandato do atual presidente da República, principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023".

O enredo criminoso começou a ser desenhado antes do pleito presidencial de 2022. Em 5 de julho de 2022, diante do crescente desinteresse do brasileiro pelo voto, Bolsonaro se reuniu com os então ministros Anderson Torres (Justiça), general Paulo Sérgio Oliveira (Defesa), Augusto Heleno (GSI), com o ex-ministro general Walter Braga Netto (Casa Civil), e com o general Mário Fernandes, então chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência, entre outros, para tratar sobre o processo eleitoral que se avizinhava.

O chefe do Executivo reforçou a necessidade de propagar desinformações contra a Justiça Eleitoral, em uma tentativa de descredibilizar uma possível vitória do candidato opositor, Lula, "com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder".

continua após publicidade

"A reunião, segundo a Polícia Federal, também teve como finalidade cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral: promoção e difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público", diz Moraes na decisão.

Essa seria uma das frentes do grupo golpista no "núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral" que tinha o objetivo, segundo a PF, de estimular os bolsonaristas a manterem-se em frente aos quartéis para "criar o ambiente propício para a execução de um golpe de Estado".

"Essa narrativa serviu, como um dos elementos essenciais, para manter mobilizadas as manifestações em frente às instalações militares, após a derrota eleitoral e, com isso, dar uma falsa percepção de apoio popular, pressionando integrantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe de Estado em andamento", afirma o ministro do STF.

continua após publicidade

Em outra frente, Filipe Garcia Martins Pereira, então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, atuou na ala radical do governo. Ele entregou a Bolsonaro um documento que detalhava "considerandos" a respeito de supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e, ao final, decretava a prisão de diversas autoridades, entre elas os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A PF acredita que o ex-presidente teve participação direta na edição da "minuta golpista" que circulou entre seus aliados após o segundo turno das eleições.

"Na ocasião em que Filipe Martins estava acompanhado do advogado Amauri Feres Saad, Jair Bolsonaro teria lido e solicitado que Filipe alterasse as ordens contidas na minuta. O representado, então, retomou alguns dias depois ao Palácio da Alvorada, acompanhado do referido jurista, com o documento alterado, conforme as diretrizes dadas", diz a decisão de Moraes.

continua após publicidade

Após os ajustes pedidos pelo ex-chefe do Executivo, Bolsonaro teria concordado com os termos e convocado os comandantes das Forças Armadas, almirante Almir Garnier (Marinha), general Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Batista Júnior (Aeronáutica), para que comparecessem ao Palácio da Alvorada, no mesmo dia, "a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado".

Era o primeiro passo para a campanha intimidatória que seria levada a cabo contra o comando das Forças Armadas na tentativa de angariar o apoio e a unidade da tropa para o golpe. Nomes ligados ao Palácio do Planalto foram, segundo a PF, os responsáveis pelo contato e pela pressão contra os comandantes. Braga Netto e o ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid se concentraram na escolha de alvos, para a "amplificação de ataques pessoais direcionados a militares em posição de comando, que resistiam às investidas golpistas, em coordenação de condutas que identificam o núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado".

Em uma das conversas interceptadas, a PF detalha que Mauro Cid tinha a ciência que o apoio das Forças Armadas seria essencial para o plano: "Porque se não for, se a Força não incendiar, é o status quo que mantém aí como o que estava previsto, que estava sendo feito, que estava sendo levado nas reuniões em consideração, tá?".

continua após publicidade

Como mostrou oEstadão, a tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia e consumar o golpe de Estado.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do "gabinete do ódio" nas redes sociais. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe.

O ex-ministro da Casa Civil liderou uma campanha velada, mas agressiva, de pressão a oficiais das Forças que rejeitaram aderir ao plano golpista articulado por Bolsonaro e por seus aliados mais próximos.

continua após publicidade

Conversas recuperadas pela PF mostram como o então comandante do Exército entrou na mira do ministro. Em um dos diálogos, em dezembro de 2022, Braga Netto afirma que a "culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes". "Omissão e indecisão não cabem a um combatente", acrescentou o ministro. "Oferece a cabeça dele. Cagão."

As mensagens foram trocadas com o capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, preso pela Polícia Federal na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina.

continua após publicidade

Braga Netto também atacou o tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, que na época era comandante da Aeronáutica, chamado de "traidor da pátria". "Inferniza a vida dele e da família", orientou o ministro.

A PF descobriu que os aliados mais radicais de Bolsonaro chegaram a articular, com oficiais de alta patente, uma carta ao comandante do Exército para servir como "instrumento de pressão".

A Procuradoria-Geral da República (PGR) também destacou que teriam sido coordenados "ataques pessoais a militares indecisos sobre a adesão ao plano de golpe de Estado".

A resistência do alto comando das Forças ao golpe foi demonstrada em outra conversa interceptada pela PF. Em uma das mensagens anexadas ao relatório, o coronel reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros critica os comandantes por estarem "dificultando a vida do PR" ao "se colocar contra" a trama golpista.

"Nesse sentido, mais uma vez, a investigação identifica um elemento informativo ratificando que os investigados tentaram executar um golpe de Estado, para manter o então presidente Jair Bolsonaro no poder, que não se consumou por circunstâncias alheias a suas vontades", diz a PF.

A contrariedade por parte da tropa também foi registrada em uma conversa entre o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, então assessor especial da Presidência, e Mauro Cid. Câmara é apontado como integrante do núcleo que alimentava Bolsonaro com informações que o ajudariam a consumar o golpe de Estado. Ele foi um dos presos preventivamente na operação desta quinta-feira.

Câmara encaminha para Mauro Cid uma mensagem atribuída ao então comandante militar do Sul, Fernando Soares e Silva, em que o militar repreende a tropa por "eventuais adesões da ativa" a "esse tipo de iniciativa", afirmando ser "inconcebível". Em resposta, Cid diz apenas: "Já era o esperado".

OEstadãomostrou que alguns dos principais integrantes do comando eram contrários à aventura golpista. Eram generais com comando de tropa, como Tomás Miguel Ribeiro Paiva (comandante militar do Sudeste), Richard Nunes (comandante militar do Nordeste), Fernando Soares e Silva (comandante militar do Sul) e André Luiz Novaes Miranda (comandante militar do Leste).

No dia 24 de novembro, o comandante do Exército, Freire Gomes, participou, segundo a delação do tenente-coronel Cid, de reunião com o presidente Bolsonaro. Nela, Bolsonaro consultou os chefes militares sobre um plano para de um golpe, cancelando as eleições. Garnier, segundo Cid, teria colocado suas tropas à disposição do presidente. Freire Gomes reagiu. Disse - de acordo com a versão de Cid - não ao golpe. Mas não informou ao Ministério Público Federal ou a qualquer outra autoridade o conteúdo da conversa.

Gostou desta matéria? Compartilhe!

Icone FaceBook
Icone Whattsapp
Icone Linkedin
Icone Twitter

Mais matérias de Política

    Deixe seu comentário sobre: "Por que a tentativa de golpe de Bolsonaro e aliados fracassou, segundo a PF? Entenda"

    O portal TNOnline.com.br não se responsabiliza pelos comentários, opiniões, depoimentos, mensagens ou qualquer outro tipo de conteúdo. Seu comentário passará por um filtro de moderação. O portal TNOnline.com.br não se obriga a publicar caso não esteja de acordo com a política de privacidade do site. Leia aqui o termo de uso e responsabilidade.
    Compartilhe! x

    Inscreva-se na nossa newsletter

    Notícia em primeira mão no início do dia, inscreva-se agora!