As expectativas em torno do novo depoimento do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, estão associadas aos novos fatos descobertos pela Polícia Federal (PF) que resultaram em operação deflagrada na terça-feira, 19, sobre a tentativa de um golpe de Estado que envolvia o assassinato de autoridades. Também há uma possibilidade de que, a depender do que for dito por Cid, o acordo de delação premiada aceito em setembro de 2023 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), seja anulado.
Advogados consultados pelo Estadão avaliam que a chance de anulação do acordo é pequena. Caso ocorra, não deve comprometer as investigações, mas complicar a vida de Cid. O tenente-coronel foi ouvido novamente pela PF na última terça-feira, 19, e nesta quinta-feira, 21, intimado por Moraes para uma oitiva no início da tarde.
Segundo o doutor em Direito Penal pela USP e coordenador do curso de Direito da ESPM Marcelo Crespo, uma anulação ocorreria se a PF constatasse contradições em relação ao que o delator disse anteriormente. Mesmo nesse caso, o acordo não seria cancelado de forma automática, cabendo à corporação providenciar e submeter um relatório a Moraes, com indicativos claros de omissão, por exemplo.
A Corte é quem faria o "juízo de valor" e decidiria pela anulação do acordo, como já ocorreu em casos anteriores em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fez o pedido.
O professor disse que, no caso de Cid, a grande dificuldade é lembrar de tudo, uma vez que o tenente-coronel pode se recordar de contextos, mas não de detalhes. Apesar disso, avaliou que é muito difícil que "tudo o que ele disse seja uma fantasia".
"Quando há a quebra da delação, o conteúdo narrado pelo delator pode ser usado contra ele. É muito difícil que tudo o que ele disse seja uma fantasia, então, na hora que você quebra o contrato de delação, grande parte do que foi dito e apurado pode ser usado contra você. É decretar basicamente sua condenação", disse o professor. Segundo ele, nesse caso, Cid perderia os benefícios firmados, mas o que ele disse e que tenha auxiliado a PF conseguir provas, seguiria valendo.
Sobre a possibilidade de anulação do acordo, o advogado Ariel Weber afirmou que é imprescindível que a ampla defesa e o contraditório, previstos em lei, sejam garantidos ao delator, já que a rescisão exige a demonstração de omissão dolosa. "Ou seja, é necessário comprovar que o colaborador intencionalmente ocultou algum fato ilícito relevante para o objeto da colaboração", explicou.
Weber, que já atuou no processo de colaboração de Joesley Batista, um dos donos da JBS, e do empresário e ex-bilionário Eike Batista, destaca que, apesar das declarações de Cid continuarem a valer por meio das provas obtidas, elas não podem ser usadas isoladamente.
"Isso significa que as informações e elementos obtidos por meio da colaboração que incriminem terceiros poderão ser mantidos no processo e avaliados pelo juiz, desde que não estejam contaminados por vícios ou nulidades", citando que o recebimento de denúncias ou a sustentação de ações penais baseadas exclusivamente nas declarações do colaborador são proibidas pela legislação.
O inquérito da corporação que repercutiu nos últimos dias aponta para um plano golpista que envolvia agentes especiais do Exército e o assassinato da chapa eleita em 2022, composta por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB). O conluio também mirava em Moraes, que é relator dos inquéritos.
Relembre o caso
Mauro Cid foi preso em maio de 2022, em operação da PF sobre a inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Após ter a delação premiada homologada por Moraes, ele foi liberado, 9 de setembro, do quartel onde estava detido, em Brasília.
Nos depoimentos, o tenente-coronel apontou o ex-presidente como o mandante das fraudes no sistema de saúde e revelou a existência de reuniões entre Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas para discutir uma forma de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em março deste ano, um vazamento de áudios em que o ex-ajudante de ordens afirma que o inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado é uma "narrativa pronta" o fez voltar para a prisão por descumprimento das medidas cautelares, e ameaçou a anulação da delação que foi mantida por Moraes. Cid foi solto novamente em maio, em liberdade provisória concedida pelo ministro.
O ex-ajudante de ordens é peça central nos inquéritos que se debruçam sobre os ataques às urnas eletrônicas, os atos golpistas, as fraudes no cartão de vacinação do ex-chefe do Executivo e o suposto esquema de venda de joias e presentes entregues a Bolsonaro.
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