O terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa amanhã 100 dias sob o desafio de encontrar marcas de gestão, criar programas de crédito para incentivar o crescimento e se aproximar da classe média, num momento de incertezas na economia. Até agora, Lula cobrou "criatividade" da equipe e mostrou pressa por resultados, mas não conseguiu sair do clássico "nós contra eles" que tem marcado a polarização política no Brasil.
A frente ampla de partidos que apoiou Lula no segundo turno da campanha apareceu para defender a democracia após os atos golpistas de 8 de janeiro, mas pouco "apita" no governo. Nesse período de turbulência, a comunicação do presidente ficou concentrada em sua própria "bolha", em estratégia desenhada para reforçar laços com o eleitorado de esquerda.
Sob o slogan "O Brasil Voltou" - o mesmo usado por Michel Temer para resumir seus dois anos à frente da Presidência, após o impeachment de Dilma Rousseff -, Lula tenta iniciar, a partir desta semana, o que vem chamando de "nova fase" da administração. O núcleo duro do governo sustenta que o Estado precisa atuar como "indutor" do desenvolvimento, mas não detalha o plano. A meta é aposentar privatizações, retomar obras de infraestrutura paralisadas e anunciar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) versão 3.0.
"Não existe milagre. Somente com uma política de crédito vamos motivar os empresários a voltar a fazer investimentos", disse Lula, em café da manhã com jornalistas, na quinta-feira passada. "Não é possível imaginar que, num País do tamanho do Brasil, você possa dar um cavalo de pau para mudar radicalmente as coisas. Quando você é oposição, fala o que quer. Quando você é governo, faz o que pode."
Uma espécie de "Vale a pena ver de novo" deu a tônica dos primeiros 100 dias de governo, com o relançamento de programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Mais Médicos, vitrines de gestões petistas. Ficou evidente, porém, uma disputa interna no PT e entre pré-candidatos à sucessão de Lula, como os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, pelos rumos do governo. Em mais um capítulo do "nós contra eles", Lula pediu empenho dos auxiliares para destacar a "herança maldita" recebida do ex-presidente Jair Bolsonaro.
ÂNCORA
Atacado dentro e fora do governo, Haddad apresentou a proposta de arcabouço fiscal para o ajuste das contas públicas, mas, para ficar de pé, o País precisa aumentar sua receita em R$ 150 bilhões. Os projetos serão enviados ao Congresso na esteira de uma queda de braço entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que divergem sobre o modelo de tramitação das medidas provisórias.
Embora Lula tenha tentado enquadrar o PT, as críticas já começaram. "Não dá para zerar o déficit no ano que vem, às custas do arrocho, para atender o mercado", protestou o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). "Se o desemprego aumentar, haverá crise política sem precedentes. Aí Bolsonaro volta."
Em recente conversa com senadores, Haddad disse ser difícil fechar uma proposta de âncora fiscal que agrade tanto ao PT e à presidente do partido, Gleisi Hoffmann, como ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
"Todo o nosso esforço é para mostrar que temos responsabilidade fiscal. O problema é que, no PT, tem muito intérprete do pensamento alheio", provocou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE).
Campos Neto e a atual política monetária, com juros de 13,75% ao ano, viraram inimigos do País, no diagnóstico do PT, de Lula e da maioria dos ministros. "Razão econômica que justifique essa dosagem de remédio amargo não há, mesmo porque a inflação já caiu. A não ser que o Banco Central tenha outra motivação, que não sabemos qual é", afirmou Rui Costa.
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Há no Congresso, porém, a leitura de que a batalha de vida ou morte travada com o Banco Central foi a maneira encontrada pelo Palácio do Planalto para apontar um culpado e um bode expiatório na crise, caso a economia desande de vez.
"Esse governo precisa dizer a que veio porque, até hoje, é um trailer de novela mexicana. Está um tédio", reclamou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). O partido de Forte comanda três ministérios (Comunicações, Turismo e Integração), mas, mesmo assim, não se compromete a dar sinal verde às medidas de interesse do Planalto.
Na prática, apesar da aliança com o Centrão, Lula ainda não conta com maioria sólida no Congresso para aprovar propostas, como a da reforma tributária. Desde que tomou posse, o presidente enfrentou dias atípicos - da invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) à crise humanitária dos Yanomamis -, mas não passou por teste no plenário da Câmara e do Senado.
"O principal desafio do governo continua a ser o equilíbrio fiscal. É preciso aprovar o arcabouço junto com medidas de corte de renúncias tributárias", avaliou o ex-secretário da Fazenda de São Paulo Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Rena.
Ruídos e cotoveladas entre ministros não faltaram nessa temporada. Em tom irônico, Lula apelidou de "genialidades" algumas ideias divulgadas antes que fossem submetidas ao crivo da Casa Civil, como a de passagens aéreas por R$ 200 para aposentados, servidores e estudantes. "Cada um está no seu papel", amenizou o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, que espera ver o programa Voa Brasil pronto até julho.
O titular de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, também entraram em rota de colisão. Silveira anunciou que haverá mudança na política de preços de combustíveis. A cúpula da Petrobras reagiu mal. Para conter a briga, Lula afirmou que as declarações do ministro foram "extemporâneas", embora o defenda nos bastidores.
"Nenhuma área do governo pode ter dissenso. A palavra de ordem tem de ser unidade, com o reconhecimento de que quem está legitimado para formular a política pública é o presidente", argumentou Silveira. "Quem não quiser entender o que ele falou, que peça para sair porque o ônus (de eventual erro) sempre recai sobre quem o povo escolheu como líder".
Até mesmo os decretos assinados por Lula para revisar o marco legal do saneamento provocaram atritos, que atravessaram a Praça dos Três Poderes.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quando o Senado aprovou o novo marco regulatório com o seu voto, em 2020, não foi agora nem sequer chamada para as discussões.
Na Câmara, Lira definiu os decretos de Lula como "retrocesso" e avisou que mudanças precisam ser feitas pelo Congresso. No Planalto, circula a máxima de que é da natureza do Centrão sempre criar dificuldades para vender facilidades.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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