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'Guerra contra a censura ainda não foi vencida', diz professor

Para o professor e advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm, a guerra contra a censura ainda não foi vencida no Brasil, embora ela tenha sido formalmente extinta pela Constituição de 1988. Autor do livro Liberdade igual - o que é e por que importa, q

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 25.08.2020, 13:00:00 Editado em 25.08.2020, 17:40:40
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Para o professor e advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm, a guerra contra a censura ainda não foi vencida no Brasil, embora ela tenha sido formalmente extinta pela Constituição de 1988. Autor do livro Liberdade igual - o que é e por que importa, que está sendo lançado pela editora Intrínseca, Binenbojm afirma que o País ainda se vê às voltas com iniciativas do Legislativo e do Judiciário que restringem a livre circulação de ideias e informações. Ele elogia, porém, a atuação do Supremo Tribunal Federal nesse âmbito.

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Embora atue em causas mais relacionadas à liberdade de expressão, como a derrubada da proibição de biografias não autorizadas, o advogado diz que seu livro trata de outras dimensões da liberdade - "a religiosa, a política e a de iniciativa". "Só quando temos a liberdade ameaçada é que a gente desperta para o fato de como é ruim viver sem ela, e como boa parte de nossa identidade se constrói porque somos livres." A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão:

O que significa liberdade igual?

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A ideia de liberdade igual é a de que deve haver uma igual distribuição de oportunidades de ser livre a todos, ainda que o exercício da liberdade por indivíduo leve a resultados diferentes. É a ideia de que qualquer defesa da liberdade individual tem sempre uma pretensão universalizante, e será sempre uma empreitada coletiva. É um exercício coordenado que pressupõe uma corresponsabilidade, um exercício compartilhado de responsabilidades. A pandemia dá um exemplo. Não é possível que você exerça livremente a liberdade de locomoção sem imaginar que as outras pessoas, se exercerem essa liberdade sem responsabilidade, vão colocar a sua liberdade em risco, porque em jogo estão a saúde e a vida das pessoas.

O livro fala que superamos o estágio primitivo da censura oficial, realizada pelo Poder Executivo, mas que formas acessórias de censura agem cotidianamente no País.

As ditaduras do século 20 no Brasil, tanto a varguista quanto a militar pós-64, tinham órgãos oficiais que se proclamavam censórios, exerciam de maneira oficial a censura, o controle das pautas do debate público, o conteúdo que se podia ler, ver e ouvir no país. isso era exercido de maneira autoritária e muitas vezes truculenta, mas de maneira institucionalizada. o que acontece no brasil pós-redemocratização é o banimento da censura oficial, só que o direito muitas vezes proclama formalmente algumas garantias e a realidade não corresponde a elas. esse caminho de quase 32 anos de vigência da constituição de 1988, que contém compromissos muito firmes com a liberdade de expressão e de imprensa, é de superação desse atraso atávico do país, que formalmente foi banido, mas que assume formas veladas, disfarçadas. no brasil se considerava que censura era só o controle de informação pelo executivo, e que, se o legislativo aprovasse uma lei regulando programação de televisão ou espetáculos públicos, estaria apenas exercendo o poder soberano de regulamentar a constituição. e que não seria censura se um juiz desse liminar contra um jornal para proteger a privacidade de um político pego em flagrante recebendo uma mala de dinheiro. esses são exemplos que tiveram de ser gradualmente superados no Brasil.

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Quem mais colabora para a superação da censura?

Um órgão que fez isso avançar foi o Supremo Tribunal Federal, por meio de sucessivas decisões, desde a não recepção da Lei de Imprensa, editada pelos governos militares, que tinha um ranço autoritário, passando pela proclamação do direito das pessoas de discutir livremente políticas públicas, como no caso da marcha da maconha, e casos dos quais participei, como o das biografias não autorizadas, a superação de uma norma do Código Civil que exigia autorização prévia para publicação de qualquer livro sobre a vida de uma pessoa. Também a legislação eleitoral, que praticamente impede a crítica jornalística nos 90 dias que antecedem as eleições. Nas últimas décadas, o Supremo deu boas respostas a isso, e o País avançou. Mas a realidade brasileira mostra que a guerra contra a censura ainda não foi vencida. Há fortes sentimentos censórios que se manifestam pelas vias institucionais. É uma tendência não apenas de governos autoritários, mas de sociedades que têm essa necessidade de calar vozes dissonantes.

O livro fala da exclusão de páginas do MBL pelo Facebook, ocorrida em 2018. Neste momento, nos Estados Unidos, estão sendo removidas da plataforma páginas de movimentos que promovem teorias conspiratórias e pregam violência. Como é uma empresa privada, que estabelece regras de uso da plataforma, pode-se falar de censura nesses casos?

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Existe um espaço amplo de regulação privada das plataformas, em seus termos de políticas de uso. Sou defensor de que as plataformas devam exercer com maior responsabilidade a moderação de conteúdo nas suas redes. Quando você utiliza uma plataforma digital que é de uma empresa privada, você tem que aderir aos termos de uso, e, se houver violação a esses termos, a plataforma não só pode como deve adotar os mecanismos previstos nessa regulação privada que forem cabíveis em cada caso concreto. O que eu não acho que seja possível é se defender que as democracias ocidentais não tenham o poder de estabelecer uma regulação básica, por meio de lei, para o funcionamento das plataformas digitais e serviços de mensageria privadas. Sou favorável a ter um marco legal.

O chamado Projeto de Lei das Fake News cumpre esse papel?

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Deve haver um marco legal sobre deveres de transparência e deveres procedimentais das plataformas na moderação de conteúdo. A plataforma deve prestar contas à sociedade sobre como realiza a moderação de conteúdo, e as ferramentas de busca devem expor de maneira transparente como estabelecem seus critérios de prioridade em suas buscas. A lei deve dar uma base institucional de atuação para as plataformas, e essa base será complementada pela regulação privada. É o que a gente chama de corregulação ou autorregulação regulada. Parece um termo paradoxal, mas não é. Você dá um espaço para a autorregulação privada, mas ela se exerce dentro das balizas que a sociedade estabelece, que estão previstas em lei.

Qual é o caminho para combater o problema das notícias fraudulentas sem dar ao Estado o poder de regular a verdade?

O projeto das fake news surgiu no Senado com uma inspiração equivocada, porque partia de uma busca de definições conceituais sobre verdade e desinformação. Isso daria aos órgãos de controle, sobretudo ao Ministério Público e ao Judiciário, um poder extraordinário de controlar ideias e opiniões, a partir de conceitos tão indeterminados como verdade e desinformação. Mas houve uma correção de rumos no Senado. Eles transformaram um projeto de lei que tinha inclinação para o controle de conteúdo em outro sobre regulação estrutural de plataformas digitais.

Grupos bolsonaristas acusam agências de checagem de fatos de promover censura, já que isso reduz o alcance de alguns conteúdos. Essa crítica faz sentido?

Não. Uma das tendências interessantes desse momento de desprestígio das mídias tradicionais é, paradoxalmente, uma revalorização do jornalismo profissional e das organizações que praticam o jornalismo profissional, ou seja, com parâmetros profissionais de apuração, entre elas as agências de checagem. Não me parece procedente a crítica de que haja censura ou manipulação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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