O crescente número de reclamações e falhas em serviços prestados por concessionárias contratadas pela Prefeitura e pelo governo estadual nos últimos anos em São Paulo levou o Tribunal de Contas do Município (TCM) e o Ministério Público do Estado a destinar representantes para acompanhar a execução de contratos que atingem cifras bilionárias.
O aperto da fiscalização ocorre no momento em que tanto o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) colocam em prática novos projetos, como a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a entrega da gestão dos cemitérios a empresas privadas.
Resultado da execução de planos de governo aprovados nas urnas, as desestatizações vêm crescendo no Município e também no Estado desde 2017. Uma série de problemas apontados pelos próprios usuários impõe desafios ao modelo, que visa à redução da máquina pública e à melhora dos serviços prestados.
A lista de queixas inclui barulho excessivo no Parque do Ibirapuera, alta de preços no serviço funerário da capital, atraso no pagamento de outorga da Feira da Madrugada e até acidentes e falhas operacionais que, no caso das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), devem ser resolvidas na Justiça.
Bandeira política de ex-prefeitos tucanos, como João Doria e Bruno Covas, os contratos de concessão na capital passaram a abarcar áreas como as de iluminação e gestão de semáforos, além do serviço funerário - sob o comando da iniciativa privada desde 7 de março. Menos de um mês depois, o TCM começou a investigar irregularidades e já realizou discussões técnicas com os envolvidos.
Entre os problemas detectados estão a falta de oferta do sepultamento gratuito a famílias pobres (sem comprovação prévia), assim como a não disponibilidade do funeral social, que tem preço tabelado de R$ 566,04 e pode ser requerido por qualquer morador do Município. Valores dos demais pacotes subiram cerca de 400%.
Relator do contrato no TCM, o conselheiro Maurício Faria classifica as falhas como graves, mas afirma que há intenção de ambas as partes (Prefeitura e concessionárias) em resolvê-las. "Neste início de prestação de serviços identificamos falhas graves, sendo a mais impactante delas a que envolveu um casal que não teve a gratuidade assegurada ao tentar enterrar um bebê natimorto. O contrato prevê que o direito da gratuidade deve ser atendido mesmo que o munícipe não esteja com o cadastro atualizado. Isso poderá ser feito depois, dentro de 60 dias."
Em nota, a Prefeitura afirmou que a gratuidade está mantida e que o valor do sepultamento social caiu 25% com a concessão. Sobre os valores de tabelas para outros quatro pacotes de serviços oferecidos pelas concessionárias, o Município ressaltou que as quantias são valores-teto, ou seja, podem ser reduzidos em regime de livre concorrência.
O Ministério Público classifica a variação dos preços nos pacotes superiores ao sepultamento social como adaptação à realidade do mercado. "Os valores estavam defasados e o reajuste é o que vai permitir os investimentos acordados. Esse mercado é competitivo."
FEIRA DA MADRUGADA. Outra competição, desta vez do comércio ilegal do entorno, ajuda a fazer da Feira da Madrugada um projeto bem distante do idealizado em 2015 pela gestão Fernando Haddad (PT). A concessão do circuito de compras de 180 mil metros quadrados localizado no Brás, centro, soma problemas, a começar pelo baixo movimento de compradores.
Inteiramente reformado pela concessionária vencedora do negócio e reaberto em 2022, ainda sob o impacto da pandemia de covid-19, o shopping popular enfrenta dificuldades para atrair locatários e ainda cumprir o acordo com a Prefeitura relativo ao pagamento das outorgas (taxa inicial da concessão).
Segundo a Secretaria Municipal das Subprefeituras, o circuito de compras foi multado em R$ 28,8 milhões pelo não pagamento de parcelas da outorga e também pelas compensações acordadas sobre as parcelas não quitadas.
Assim como no caso dos cemitérios, o TCM acompanha a concessão da Feira da Madrugada. Também monitora a contratação de empresas para a modernização da iluminação pública da cidade, via Parceria Público-Privada, e demais contratos do tipo. A demanda levou o tribunal a criar uma coordenadoria específica dentro da área de auditoria para tratar só de desestatizações.
Em agosto do ano passado, a auditoria do órgão chegou a se posicionar contra um aditivo firmado pela gestão Ricardo Nunes que incluiu também a modernização dos semáforos no mesmo contrato de PPP, sem a realização de nova licitação. O negócio, avaliado em R$ 1,8 bilhão, recebeu aval pela diferença de um voto (3 a 2).
TRENS. Falhas graves também marcam a concessão das linhas 8 e 9 da CPTM. Somente neste ano foram três episódios de descarrilamento de trens. Segundo a própria concessionária, a ViaMobilidade, ambas as linhas registraram 116 falhas no total desde janeiro de 2022, quando teve início o contrato com o governo do Estado.
Para o Ministério Público Estadual, que acompanha o contrato, a concessionária se mostrou sem condições de tocar as duas linhas. "Além de não ter capacidade técnica, os investimentos exigidos neste início de contrato são muito baixos. Por sorte não aconteceram tragédias com vítimas fatais", afirmou o promotor responsável pelo caso, Silvio Marques, do Patrimônio Público e Social.
Relatório divulgado no dia 22 de março pela Promotoria constatou ao menos 55 problemas nas estações, como dormentes de madeira (responsáveis por suportar a carga dos trens nos trilhos) em estado avançado de degradação. "E o contrato prevê a troca dos dormentes dentro de um prazo de dez anos. A má formatação da concessão prejudica o usuário", destacou Marques. O órgão já recomendou ao governo o cancelamento do contrato.
A ViaMobilidade afirmou que as reclamações de usuários da linha 8-Diamante vêm caindo. Segundo a concessionária, os investimentos feitos resultaram em uma queda de 35% de queixas na ouvidoria da empresa. Apesar disso, são, em média, 83 reclamações por mês. Já na linha 9-Esmeralda houve uma alta de 10% no número de passageiros insatisfeitos, com média de 112 reclamações mensais neste ano.
PARQUE. No caso da concessão do Parque do Ibirapuera, a maior reclamação não diz respeito aos serviços diretamente ofertados aos frequentadores, mas ao excesso de barulho gerado por shows realizados no espaço desde que a gestão foi concedida, em 2019.
Médico e ambientalista, o ex-vereador Gilberto Natalini afirma que as concessionárias devem ter como principal preocupação manter o caráter do serviço prestado anteriormente à população. No caso do Ibirapuera, preservar o papel do parque como amparo ambiental à cidade.
"Não sou contra concessões, mas parque é parque, clube é clube. Se fizer um show com milhares de pessoas lá dentro, um barulho enorme e luz acesa a noite inteira, vai desorientar a fauna local. O parque não é feito para isso, ele tem outra finalidade", disse.
Prefeitura diz que avaliação deve levar em conta normas contratuais
Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município, a SP Regula afirmou entender que a avaliação dos contratos de concessão deve levar em conta o contexto e as normas contratuais. Sobre a PPP da iluminação pública, que engloba a modernização dos semáforos, a agência disse que ambos os serviços são recentes, mas que a execução desse trabalho atende ao Plano de Metas Municipal.
"No mais, os relatórios do verificador independente do contrato, somados às análises e instrumentos de gestão da gerência de iluminação pública da SP Regula, apontam os índices de performance dentro dos parâmetros previstos", destacou a agência.
Sobre a satisfação dos moradores da capital paulista, a Prefeitura informou que o canal 156 pode ser utilizado para a formalização de reclamações, sugestões e elogios, ou informar qualquer divergência durante a contratação.
PLANO DIRETOR. Em nota, a Urbia Parques - concessionária responsável pela gestão do Ibirapuera - afirmou que os eventos culturais realizados no parque ocorrem em locais específicos e seguem as diretrizes do Plano Diretor e do contrato de concessão no que diz respeito ao limite de emissão de decibéis, direcionamento do som, horários de realização e todas as demais medidas necessárias para prevenção de riscos à fauna e à flora.
Já a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirmou que o contrato de concessão permite eventos no Ibirapuera e que monitora os ruídos no espaço.
Segundo a pasta, com a fiscalização, a concessionária "tem empregado esforços para mitigação do incômodo dos ruídos, contratando empresa especializada, fazendo medições constantes e com mais rigidez com as especificações técnicas às produtoras". Não houve até o momento a aplicação de multas.
Procurado, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) não comentou as falhas nas linhas concedidas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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