O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem foi alvo de buscas, nesta quinta-feira, 25, na Operação Vigilância Aproximada, da Polícia Federal. A investigação apura suspeita de espionagens ilegais no órgão durante o governo Jair Bolsonaro - a investida teria como objetivo monitorar nomes que o então presidente considerava adversários e ajudar na defesa de filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Ramagem, hoje deputado (PL-RJ), comandou a Abin de julho de 2019 a março de 2022.
Pré-candidato à prefeitura do Rio com apoio da família Bolsonaro, Ramagem é suspeito de ter autorizado, na Abin, investigações paralelas, sem autorização judicial. Ontem, agentes apreenderam computadores, documentos e pen drives na residência e no gabinete do deputado. A PF encontrou pesquisas que tentavam confirmar fake news, algumas tentando associar ministros do Supremo Tribunal Federal a facções criminosas, e também apontou a atuação da agência no caso Marielle Franco (mais informações nesta página).
Os investigadores citaram a existência de um "núcleo da alta gestão", do qual Ramagem faria parte. Conforme a PF, delegados federais que estavam cedidos para a Abin "utilizaram o FirstMile (software que dá acesso à geolocalização em tempo real e a dados pessoais registrados nas operadoras de telefonia) para monitoramento de alvos e autoridades, bem como para serviço de contrainteligência e criação de relatórios apócrifos que seriam divulgados com o fim de criar narrativas falsas". Ramagem negou irregularidades e classificou a investigação como "salada de narrativas". Procurada, a Abin não se manifestou até a publicação deste texto.
Filhos
A PF afirmou que a estrutura da Abin também foi usada para produzir informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na apuração sobre as "rachadinhas" e Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro. O senador nega ter sido favorecido (mais informações na página ao lado).
A suspeita é de "instrumentalização" da instituição. Sete policiais federais que auxiliavam Ramagem na Abin foram afastados por determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF. "O grupo criminoso criou estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas daquela agência de inteligência para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até para interferir em investigações da Polícia Federal", diz nota da PF.
Incentivo
Em relatório enviado ao Supremo, a PF sustenta que Ramagem teria "incentivado e acobertado" o esquema suspeito de arapongagem. "A informalidade era um meio de ação para não deixar rastros. Os elementos de prova colhidos revelaram eventos que sedimentam o modus operandi e a instrumentalização da Abin sob a gestão do delegado Alexandre Ramagem." A PF pediu o afastamento de Ramagem do mandato parlamentar. A Procuradoria-Geral da República se manifestou contra a medida, que foi negada por Moraes.
'Conluio'
No pedido que fez a Moraes para a realização da operação de ontem, a PF afirmou que a direção da Abin do governo Lula tentou interferir nas investigações sobre o uso do FirstMile. Segundo o órgão, integrantes da cúpula da agência, nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentaram dificultar a apuração - a suspeita é a de que eles tenham agido em "conluio" com servidores investigados. "A gravidade dos fatos é incrementada com o possível conluio de parte dos investigados com a atual gestão da Abin cujo resultado causou prejuízo para a presente investigação."
Para a PF, a pretexto de proteger informações "sensíveis", a Abin estaria dificultando acesso a dados. "A preocupação de 'exposição de documento' para segurança das operações de 'inteligência', em verdade, é o temor da progressão das investigações com a exposição das verdadeiras ações praticadas na estrutura paralela, anteriormente, existente na Abin", diz o relatório enviado ao STF. "A direção atual da Abin realizou ações que interferiram no bom andamento da investigação sem, contudo, ter sido possível identificar o intento das ações."
A PF narra que o então diretor da Abin, Alessandro Moretti, que sucedeu a Ramagem, se reuniu com servidores em março de 2023 e afirmou que a investigação tinha "fundo político e iria passar". O atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, estava presente na reunião, conforme a PF. Ele ainda não havia tomado posse como diretor da Abin. Moretti e Corrêa não foram localizados.
Deputado afirma que investigação é 'salada de narrativas superadas'
O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) afirmou ontem que a investigação sobre suspeita de espionagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na época em que ele era diretor do órgão é "uma salada de narrativas". Em entrevista à GloboNews, o delegado criticou a "nova Polícia Federal" e disse que Ministério Público e Judiciário "foram envolvidos" por um núcleo da corporação que busca incriminá-lo.
"O que nós vemos é uma salada de narrativas, antigas e superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, no nome da gente, sem qualquer conjunto probatório", afirmou Ramagem. "Os policiais federais que estavam comigo, (nós) nunca tivemos utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas. O que se vê aqui é essa nova Polícia Federal, não de Estado, mas de governo, perseguidora."
Questionado sobre a suposta ajuda a filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado citou o caso envolvendo Jair Renan. "Nós fomos saber que carro era esse que estavam imputando a ele. Acredito que inteligência de proteção tem essa possibilidade, sim. Nós só verificamos quem estava usando o carro e apenas foi isso o relatado", declarou.
A investigação sobre Jair Renan foi aberta depois que o jornalO Globodivulgou que o filho do presidente teria recebido um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil de representantes de uma empresa. Sobre o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Ramagem negou ter elaborado qualquer relatório.
Marielle
A PF identificou registros que indicam o uso da Abin para monitorar uma promotora de Justiça do Rio que investigou o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Um currículo da promotora, cujo nome não é citado, teria sido achado na agência.
"Não tem nada a ver com o sistema. A inteligência é coleta de dados. Se tem no servidor e eu não sei quem acessou, tem que verificar a PF quem alimentou, quem retirou, quem colocou, quem é a pessoa que botou o currículo da promotora e perguntar o porquê", respondeu o ex-diretor da Abin.
A PF afirmou ainda que a agência tentou produzir "provas" que relacionassem os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes ao Primeiro Comando da Capital (PCC). As notícias falsas circularam em grupos bolsonaristas.
As informações são do jornalO Estado de S. Paulo.
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