ESTELITA HASS CARAZZAI
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O primeiro ato da defesa da Operação Lava Jato, num júri simulado organizado por advogados e juristas nesta sexta (11), foi pedir uma delação premiada.
"Talvez seja a primeira delação espontânea da Lava Jato", ironizou o advogado Antonio de Almeida Castro, conhecido como Kakay que, na "vida real", defende réus da operação, como os senadores peemedebistas Romero Jucá e Edison Lobão.
Kakay prometeu que a sua cliente, a Lava Jato, entregaria "o agente público que vaza todas as delações", as relações da investigação com a imprensa, "por que as prisões são feitas para a delação" e a estratégia de quem apoia a investigação.
Como benefício, pediu a inscrição dos seus integrantes no memorial de heróis da pátria, em Brasília e na França, no Panteão dos Heróis, "por meio de uma cooperação internacional". A plateia ria.
O pedido foi negado, "por preclusão", pelo juiz que preside o julgamento simulado, com público de cerca de 400 pessoas, em Curitiba entre estudantes de direito, professores, advogados, profissionais liberais e integrantes de movimentos sociais.
O objetivo, segundo a organização, é fazer um debate sobre os eventuais excessos da investigação. O material de divulgação é ilustrado com uma foto em que o juiz Sergio Moro conversa com o senador Aécio Neves (PSDB), depois investigado pela operação.
"Queremos trazer questões controversas para colocar na agenda", disse Vera Karam de Chueiri, diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná e uma das juradas qualificadas do tribunal popular.
DINÂMICA
Enquanto Kakay fará a defesa da investigação, o jurista Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, ficará na acusação.
"Não é um dogma [o veredicto do julgamento], mas representa uma parcela significativa da opinião pública que tem que ser respeitada", disse Aragão à reportagem.
Para ele, a Lava Jato teve como consequência uma "deterioração das instituições e de direitos constitucionais", em função de ilegalidades na investigação.
Em sua exposição, destacou o tempo excessivo das prisões preventivas, a polêmica divulgação de diálogos dos ex-presidentes Lula e Dilma e violações a prerrogativas de advogados, como a escuta encontrada na cela do doleiro Alberto Youssef.
"Usam a falta de provas como se prova fosse. Isso é kafkiano", comentou Aragão, em referência à sentença do tríplex do Guarujá, que considerou que o real proprietário do imóvel era Lula.
Kakay, por sua vez, fez uma defesa cheia de ironias. Levou um slide semelhante ao que o procurador Deltan Dallagnol usou na apresentação da denúncia contra Lula, só que com a expressão "Lava Jato" em destaque no centro da tela.
O advogado apontou que a operação ajuda a "salvar o Brasil" e forja "modelos e exemplos para a nação".
"A minha cliente agiu porque o Brasil precisava", disse o advogado, que ainda destacou "a celeridade dos processos, que já não se preocupam com a defesa", e defendeu a tese de transtorno de personalidade por excesso de exposição na mídia, pedindo "tratamento ambulatorial" à investigação.
A organização diz que promoverá um debate qualificado. Além de Aragão e Kakay, estarão entre os jurados o advogado Marcelo Lavenère, autor do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o jornalista Fernando Morais, para falar sobre o papel da imprensa, além de advogados e defensores públicos.
O juiz que preside o julgamento simbólico é Marcelo Tadeu Lemos, juiz de direito em Alagoas.
OPOSIÇÃO
Nenhum integrante da Lava Jato participará do tribunal. "Não era nosso objetivo fulanizar o debate, ou atacar essa ou aquela pessoa", comentou a advogada Tânia Mandarino, uma das organizadoras, que ressalta que a inscrição era livre.
Cerca de 400 pessoas se cadastraram para o evento. Na plateia, um dos presentes era o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-ministro José Dirceu. "É uma forma de encorajar as pessoas a pelo menos observar o que vem sendo discutido; é um avanço, mesmo que as pessoas não concordem", disse à reportagem. Nenhuma das inscrições foi negada, segundo a organização mas o local de realização do tribunal, num sindicato no centro de Curitiba, foi divulgado apenas para os participantes, por motivos de segurança.
"A gente sabe o ódio que há na cidade. A Lava Jato é quase uma entidade sacrossanta", comentou Mandarino.
Nesta semana, um procurador do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul chegou a enviar uma queixa à Procuradoria no Paraná, querendo impedir a utilização do nome "tribunal". Para ele, isso conferiria ao evento um falso senso de autoridade pública, com potencial de induzir os cidadãos ao erro.
O órgão negou prosseguimento à queixa, sob o argumento do direito da liberdade de reunião e de expressão do pensamento.
O julgamento vai ocorrer ao longo de todo o dia. A sentença deve ser lida por volta das 22h.
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