ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - E-mails obtidos pelo Ministério Público Federal mostram como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral mudou, em apenas seis dias, de posição sobre o desconto de 50% no IPVA concedido às empresas de ônibus. A Procuradoria afirma que a isenção rendeu R$ 13 milhões em "bônus" de propina ao peemedebista.
Mensagens obtidas com autorização da Justiça Federal mostram que no dia 9 de janeiro de 2014 Cabral disse que não seria possível conceder a isenção no imposto naquele momento, como os empresários do setor solicitavam.
"Quanto ao IPVA, não afeta apenas a cidade do Rio, mas também outras cidades. Já fizemos um grande esforço fiscal com a desoneração do ICMS [editada no início daquele mês de janeiro de 2014]. Isso tem que ser tratado com muito cuidado. Vivemos um momento difícil nas finanças públicas do país, aqui no Estado e nas prefeituras. [...] Tenha certeza que no momento apropriado será feito, pois o pleito é justo", escreveu Cabral a Lélis Teixeira, então presidente da Fetranspor (entidade das empresas de ônibus), também preso e denunciado.
Seis dias depois, o peemedebista assinaria um decreto concedendo desconto aos empresários, sem qualquer garantia de redução na tarifa. Como a Folha de S.Paulo revelou em junho, o desconto concedido por Cabral tramitou por apenas um dia nos gabinetes do Estado.
Os e-mails foram reproduzidos na denúncia oferecida na segunda-feira (7) contra o ex-governador e outras 18 pessoas. No total, o MPF denunciou 23 pessoas em decorrência da Operação Ponto Final em duas peças distintas -que representam a 13ª e 14ª acusações contra Cabral.
Não era a primeira vez que Cabral demonstrava dificuldades em conceder o desconto. Em 26 de dezembro de 2013, ele afirmou ao empresário Jacob Barata Filho, também preso e denunciado, que se tratava de "um tema polêmico".
"A Alerj [Assembleia Legislativa] está em recesso e esse é um tema polêmico pois há perda de receita também para os municípios", escreveu o peemedebista.
A ausência de trâmite do desconto na Alerj foi, inclusive, o motivo pelo qual o decreto de desconto de IPVA foi considerado ilegal pelo Tribunal de Justiça. A Justiça afirmou que essa isenção só poderia ser concedida por meio de uma lei, a ser aprovada pela Assembleia.
Para o MPF, o desconto é uma prova de ato de ofício feito em decorrência do pagamento de propina, o que pode aumentar uma eventual pena em um terço.
A cautela indicada nos e-mails foi substituída pela rapidez com que a solicitação tramitou pelos gabinetes do Estado. A Fetranspor protocolou na Secretaria Estadual de Transporte em 16 de janeiro pedido para redução do IPVA.
No mesmo dia, o processo passou pelos gabinetes do ex-secretário de Transportes, Júlio Lopes (PP-RJ), da ex-subsecretária Tatiana Carius, do ex-superintendente de Gestão da Agência Metropolitana de Transportes Urbanos, Waldir Peres e então foi enviado para a Casa Civil.
No dia seguinte, o decreto foi assinado pelo então governador. Até esta fase, o processo acumulava nove páginas -sendo uma a capa e outra o "termo de abertura de processo"
O MPF afirma que tal decreto rendeu um "bônus" de R$ 13 milhões ao ex-governador. De acordo o procurador regional José Augusto Vagos, o volume repassado em janeiro e fevereiro de 2014 destoou das transferências habituais mensais, que iam de R$ 400 mil a R$ 1 milhão.
"Nesse mês, os valores repassados foram totalmente díspares ao que era repassado normalmente", disse Vagos.
De acordo com os dados entregues pelo doleiro Álvaro Novis -responsável pelo caixa dois das empresas de ônibus que firmou delação premiada-, o repasse foi feito em duas parcelas de R$ 6,5 milhões.
Há a suspeita ainda que parte desse bônus refira-se também à isenção de ICMS concedido às empresas de ônibus. A denúncia, porém, não identifica indícios adicionais de vinculação entre os repasses e o decreto, assinado em 2 de janeiro por Cabral.
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