Utilizar sistemas de visão computacional que simulam o comportamento humano na execução de tarefas ligadas à produção de carnes. Este é o enfoque de várias pesquisas desenvolvidas na Universidade Estadual de Londrina (UEL). São diversos projetos desenvolvidos pela professora Ana Maria Bridi, do Departamento de Zootecnia, do Centro de Ciências Agrárias (CCA), e pelo professor Sylvio Barbon Junior, do Departamento de Computação, do Centro de Ciências Exatas (CCE).
A professora Ana Maria Bridi, que atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal do CCA, orienta projetos que pesquisam a qualidade da carne, cujo produto final sofre interferência de vários fatores. Ela lembra que a tarefa, por exemplo, de classificar a carcaça é realizada por avaliador humano e que esse processo apresenta um grau importante de subjetividade. Fotografias são o ponto de partida para que a máquina aprenda a cruzar com informações e apontar as possibilidades de forma mais objetiva.
A professora afirma que quanto mais imagens forem utilizadas pelo sistema, mais a máquina será treinada para dar respostas às necessidades apontadas. Ela diz que a taxa de acerto dos sistemas de visão computacional usados nas pesquisas que envolvem carne bovina e suína varia de 85% a 95%. Outra vantagem do sistema é executar uma classificação mais precisa. “Podemos ensinar a máquina a fazer a classificação de forma mais assertiva, segura e rápida”, comenta Ana.
Para ela, o uso da tecnologia – como os sistemas computacionais usados nas pesquisas sobre a carne – ajudam a baratear o custo de produção e, portanto, o preço ao consumidor, facilitando o acesso a bens de consumo. Além disso, ela explica que os sistemas computacionais ajudam a combater o desperdício e podem apresentar soluções sustentáveis para várias situações.
Entre os projetos de pesquisa relacionados à carne, a professora diz que os sistemas de visão computacional estão inseridos na avaliação da taxa de marmoreio (gordura intramuscular) em bovino e em suíno; classificação de pernil para destinação de fabricação de embutidos; determinação da idade da carcaça bovina; classificação de qualidade e de rendimento em suínos. As pesquisas têm parceria com os frigoríficos Rainha da Paz e JBS. Ela explica que as carnes são classificadas com medidas quantitativas e qualitativas, gerando uma tipificação hierárquica. Confira o áudio.
Mesmo com tantas vantagens, ela diz que esse processo substitui o ser humano, podendo gerar desemprego. “Para fazer uma fotografia (usada pelo sistema) você tem uma qualificação. Já um avaliador tem maior qualificação por causa do seu conhecimento”, afirma a pesquisadora, que complementa ser um caminho sem volta. “A aprendizagem de máquina é uma realidade”.
Ao reconhecer o impacto da tecnologia na relação de trabalho, a professora aponta para a necessidade de o estado pensar políticas públicas para dar respostas à sociedade.
SISTEMAS COMPUTACIONAIS – O professor Sylvio Barbon Junior, do Departamento de Computação, destaca a integração de professores e estudantes de vários departamentos nesses projetos de pesquisa, que integram pessoal do CCA e do CCE. “A colaboração interdisciplinar é sempre produtiva e a UEL tem isso no seu DNA”. Muitos outros projetos envolvem professores de diferentes Centros de Estudos da Universidade”.
Sylvio Barbon Junior afirma que na análise do marmoreio de carne é preciso investigar como o especialista humano realiza a tarefa e, assim, implementar códigos para automatizar as tarefas. “No caso das carnes, o especialista humano utiliza a análise visual a partir de painel de modelos para tomar a decisão sobre um índice de qualidade. Assim, o que fizemos foi utilizar a ‘visão da máquina’ que seria a integração de técnicas de processamento de imagens e inteligência artificial”.
O professor destaca que ao usar imagens digitais na avaliação e classificação da carne, é possível simular o conhecimento humano envolvido nesse processo. “Desde o reconhecimento das características relevantes que precisam ser observadas da amostra de carne até a decisão, tomando como base um modelo internacional”, detalha o professor.
No estágio e objetivo atuais das pesquisas, o uso de sistemas de visão computacional não proporcionou o desenvolvimento de aplicativos ou outros produtos, que precisam, conforme destaca o professor, do envolvimento da indústria.
“Um aplicativo vai além do desenvolvimento de uma solução de qualidade. Ele requer ações voltadas ao treinamento do usuário, manutenção e atualização de versões, além de suporte aos usuários. Dessa forma, a integração com startups e a indústria é benéfica para o avanço de tais projetos”, observa Barbon Junior.
DESAFIOS – O estudante de doutorado Guilherme Agostinis, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, pesquisou – durante o seu mestrado – o grau de ossificação da cartilagem para determinar a idade do animal. Ele diz que foi um desafio. Primeiro, por ser um trabalho multidisciplinar, que envolve metodologias e processos de áreas diferentes. Segundo, para coletar as amostras.
Para que os animais integrassem o banco de dados, era preciso acompanhá-los desde o nascimento para avaliar a maturidade fisiológica (ossificação da cartilagem) e não cronológica (erupção dos dentes incisivos permanentes), como é feito pelo sistema produtivo.
Ele explica que na produção de bovinos de corte poucos produtores fazem acompanhamento individual dos animais. “A maioria faz a avaliação de um lote com número variável de animais, de acordo com a estação de nascimento ou outros processos que a fazenda pode adotar para gerenciamento das informações”. Para o estudante, esse foi o maior desafio do trabalho. “Encontrar animais que tivessem suas datas de nascimento registradas individualmente”.
O doutorando afirma que apesar de ser um banco de dados relativamente pequeno, os algoritmos escolhidos para fazer a classificação tiveram um bom desempenho. “Diferentemente do que imaginávamos, as informações contidas na imagem relacionadas à porção óssea tiveram maior peso no desempenho do algoritmo do que as relacionadas à porção cartilaginosa, que tem grande importância na avaliação visual feita por profissionais treinados em programas de classificação e tipificação de outros países, como Estados Unidos e Austrália”, afirma.
De acordo com ele, essa é uma informação muito importante porque o modo como a carcaça vai ser processada ainda na linha de abate, vai interferir nas informações que o algoritmo vai ter para nos dar qualquer tipo de resultado.
Sobre o projeto interdisciplinar, ele afirma que fica clara a necessidade de as diferentes áreas do conhecimento trabalharem cada vez mais juntas. “É óbvio que no dia a dia nós já fazemos isso na utilização de equipamentos que usam uma determinada tecnologia desenvolvida por outra área, ou que teria outra finalidade”, comenta. “Mas o desenvolvimento de novas soluções envolvendo o agro e a ciência da computação vai ser cada vez mais necessário para que nós consigamos nos tornar cada vez mais competitivos e mantermos o sistema produtivo mais sustentável e socialmente justo”.
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