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Jornalista e historiador de Maringá escreve sobre Covid

Ele e parte da família contraíram a doença; Confira

Da Redação

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Na foto, tomografia dos pulmões da sobrinha, com 60% de infecção
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Na foto, tomografia dos pulmões da sobrinha, com 60% de infecção
Escrito por Da Redação
Publicado em 27.07.2021, 16:21:04 Editado em 27.07.2021, 16:21:13
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O jornalista e historiador Donizete Oliveira, de Maringá, escreveu duas crônicas para contar a experiência de passar pela Covid-19. Ele e parte da família contraíram a doença.

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O primeiro texto é sobre o começo da doença, o outro, fala do fim do tratamento: Confira:

O VÍRUS E EU, TRAVESSIA...

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"Tosse teimosa, febre, olhos ardentes, corpo dolorido, sudorese, cabeça pesada, cansaço. Me senti assim. Logo desconfiei que fosse o tal vírus. Procurei o sistema público de saúde. Um jovem médico simpático me atendeu. Fez um monte de perguntas.

Quis saber se eu fumava, era alcoólatra, tinha tais doenças. Relatei meu histórico de atleta; ele brincou: “Seu corpo vai lhe enviar uma fatura”. “Muitos recebem uma de cobrança, creio que a sua será de pagamento”.

Ele acrescentou, no entanto, que nem sempre o organismo saudável é imune à covid-19. Muda de pessoa para pessoa. No meu caso, parece que sim. Os sintomas melhoraram. Ainda me incomoda uma espécie de bola que sobe pelo esôfago e estaciona na garganta. Atrapalha o sono. Senti algo semelhante quando tive alguns ataques de pânico, há 14 anos.

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Um teste confirmou a suspeita. Cumpro isolamento. Doença sutil. Só saía de casa para correr e ir ao supermercado. Mas o que vale é a recuperação. O psicológico me fustiga. O vírus mata amigos e conhecidos. Virou rotina. Uma guerra silenciosa. Às vezes, pensamentos me azucrinam: “estou no campo de batalha posso levar um tiro fatal”.

Prezo a vida. Sem subestimar nem temer a morte. Me sinto no meio de uma longa corrida. Minhas forças se digladiam numa labuta interna. Desistir, não. Como diria Guimarães Rosa: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

A minha irmã, a minha sobrinha e a filha dela também testaram positivo para a covid. Atravessemos!"

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ATRAVESSAMOS

"O cilindro de oxigênio cruzou o portão de casa. Pela última vez, espero. Um homem uniformizado o levava aos solavancos até o caminhão. Aquele troço pesado só se move assim. Girando-o sucessivas vezes ele desliza. Ficamos treinados. Fazíamos a manobra. Para minha sobrinha tomar banho tinha de levá-lo até o banheiro.

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Doentes de covid sofrem com banho. A respiração ofega igual alguns corredores ao encararem os quase dois quilômetros finais da Corrida de São Silvestre. A temível subida da Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

Banho sentado e oxigênio do lado. Dias aterradores, cruéis, impiedosos. Mortes e mais mortes. De pessoas conhecidas, saudáveis até. O surrado “veio a óbito” virou uma espécie de refrão. Doença traiçoeira. Igual cupim. Infestação no assoalho, e logo o forro da casa desaba. Garganta raspando, febre, tosse insistente, pulmões baleados, intestino desanda, enjoo, ausência de apetite, paladar, olfato...

À minha casa, o vírus chegou por atacado. Eu fiquei menos mal, mas me preocupei com minha irmã. Eu tenho vírus da hepatite B, pressão alta. Ela também tem pressão alta e fizera uma cirurgia oncológica no ano passado. Embora recuperada, não se sabe a reação do organismo.

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Minha sobrinha inspirou cuidados. Dias após o primeiro atendimento médico, ela não parecia tão mal, mas surgiu inchaço nas pernas. Minha irmã e alguns amigos entenderam a gravidade e começaram a procurar médico para ela. Após insistentes telefonemas, acharam uma pneumologista. Agulha no palheiro naqueles dias.

Enfim, a consulta. Suspeita de trombose. A tomografia apontou 60% dos pulmões comprometidos; os exames de sangue revelaram outras mazelas. A ordem era interná-la urgente. Eis a encruzilhada. Hospitais com corredores apinhados. Leitos, nem se cogitava.

A médica orientou acionar o Samu. Assim, eles a levariam. Eles foram à nossa casa, mas o médico socorrista expôs um dilema: “Podemos levar, mas ela vai ficar numa fila, no pronto-atendimento, com outros em situação pior”. Pior foi eufemismo. Estavam pela hora da morte, como diz o caboclo.

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Cara, coroa, coragem. Me lembrei daquele livro do Sinval Medina. Uma história de jovens que se passa em São Paulo. Eles vivem situações que exigem decisões rápidas nos conturbados tempos da ditadura militar. Questões até de vida ou morte.

Com oxigênio e medicamentos prescritos pela médica, decidimos que ela ficaria em casa. Evitar a situação de caos num pronto-atendimento foi a melhor saída. Dias e noites intermináveis se seguiram. Naquela mesma noite, a médica voltou a ligar e reafirmou a urgência de internamento. Com razão. Era grave. Mas internar como?

A recuperação veio. O vírus foi embora feito um caranguejo na praia. A cada dia sentíamos que ele se afastava. Suas sequelas permanecem. Físicas e materiais. Consultas com especialistas são necessárias. É preciso verificar se o vírus afetou outros órgãos.

Tratamento em casa demanda dinheiro. Médico, enfermagem, fisioterapeuta, exames, aparelho de inalação, medicamentos, oxigênio. Agradecemos aos que nos ajudaram com recursos e aqueles que se manifestaram com palavras de conforto.

Atravessamos. O front de uma guerra cruel e silenciosa. Tristeza por outros que continuam a tombar. Muitos jovens. Mas, como dizia Guimarães Rosa: “Quem decidiu pela busca não pode recusar a travessia”. Carecemos de munição, vacinas. Deus esteja!"


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