Hoje, 18 de julho, completam-se 47 anos do encerramento de um dos ciclos econômicos mais importantes do Paraná. Naquele dia, em 1975, uma geada negra mudou a economia do Paraná e a paisagem nunca mais foi a mesma. Acabava ali o que a história conta como o ciclo do café. A geada dizimou mais de 300 mil hectares de cafezais em todo o Paraná naquele dia. As chamadas lavouras brancas – nome popular dado às lavouras de plantas não perenes, aquelas que precisam ser replantadas a cada safra -, como soja, milho, trigo e algodão, que já davam sinais de crescimento na época, encontraram o espaço definitivo para se estabelecer na cena paranaense.
A geada de 1975 está na lembrança dos mais velhos e entrou para a história. Toda uma geração é capaz de lembrar o que aconteceu naqueles dias, quando os pés de café queimaram até a raiz e precisaram ser eliminados. Em todas as regiões do Estado, além do café e de toda e qualquer plantação existente na época, se multiplicavam relatos de animais domésticos e silvestres que morreram congelados naquela madrugada abaixo de zero.
A geada de 1975 foi tão importante que, para além das lembranças tristes de quem viveu aquele dia e as consequências dele, que gerou livros, foi citada em filmes, inspirou documentários e até música.
Ainda em 1975, por exemplo, uma famosa dupla sertaneja, Tião Carreiro e Pardinho, cantou a tragédia, com a música intitulada “Geada do Paraná”. Veja uma parte da letra da música:
“Paraná celeiro do Café
Pelo teu glorioso passado
Aqui vai a mensagem de fé
Desta viola que chora o teu triste fato
Sou um caboclo que vê com tristeza
O teu café pela geada queimado
Mas que sabe que o teu povo forte
Nem diante da morte se vê derrotado
Paraná tens um rico tesouro
Terra roxa pura massapé
Serás sempre o filão de ouro
Que fez enxadeiro virá Coroné
Aconteça o que acontecer
O remédio é enfrentar a maré
Porque sei que pro paranaense
Se perde ou se vence está sempre de pé”
HISTÓRIA DE ORGULHO NO ESTADO
O café já foi tão importante no Paraná a ponto de trazer consigo um conceito de riqueza, o de ouro verde – que já batizou até prédios públicos, como o Teatro de Londrina – e é nome de rodovia, como passou a ser chamada a estrada que ligava o corredor produtivo, o Norte/Noroeste, ao canal exportador no litoral, o Porto de Paranaguá. Em Londrina, que ficou conhecida como a Capital do Café, tem ainda o Estádio do Café e uma quantidade enorme de referências.
Atualmente, o café retrata a esperança da retomada, não dos dias de glória, mas de um novo ciclo que, se não tão expressivo quanto aquele do apogeu, seja marcado pela produtividade e qualidade.
Nas décadas de 1950 e de 1960, a cafeicultura teve sua fase de maior expansão no Estado, quando a área quintuplicou, passando de quase 300 mil hectares, em 1951, para 1,6 milhão de hectares em 1962. Hoje, o Paraná tem menos de 50 mil hectares plantados de café.
Para se ter ideia, na safra de 1961/1962, o Paraná colheu cerca de 21,3 milhões de sacas de 60 kg, o equivalente a nada menos do que 28% da safra mundial naquele ano. Por um longo período, o café foi o principal gerador de riquezas para o Estado, propiciando a fixação do trabalhador no meio rural, além de contribuir para coroar com êxito o modelo de colonização, tornando as pequenas e médias propriedades economicamente viáveis, numa época de poucas alternativas agrícolas.
A partir de 1975, com a ocorrência da geada que dizimou os cafezais do Estado, a agricultura paranaense entrou numa nova fase, com a substituição da cultura do café pelas culturas de soja e trigo.
O ex-prefeito de Sabáudia, Almir Bastista, que governou a cidade em duas gestões, entre 2005 e 2012, foi um dos que lembraram, nesta segunda-feira (18), a tragédia de 47 anos atrás. Através de suas redes sociais, publicou um post em que escreve sobre aquele dia. “Para os adultos, a triste recordação, para os jovens, a história”, disse.
Batista lembra que o Paraná “era como uma mata verde”, com os cafezais cobrindo grande parte do solo agrícola do estado. “Nos sítios, milhares de famílias e, nas fazendas, as colônias de casas, onde faziam grandes movimentos com a mão de obra dos cafezais”, recorda. Ele ainda cita os tradicionais terreirões, que serviam para secar o café, mas que faziam parte da vida rural, como palco das celebrações de festas populares, casamentos, aniversários, Natal, festas da colheita e bailes. “De repente, chega o frio e numa noite memorável, inesquecível, 18 de julho de 1975, todos recolhidos em suas casas e cabanas pela intensidade do frio, nunca visto antes por aquela geração. Na madrugada, mães socorrem seus filhos, trazendo para suas camas, pois o frio era até perigoso. E assim, que amanheceu, o Paraná, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, era como um véu de noiva, todo branco pela geada e neve. Bastou o sol chegar para que tudo mudasse de cor e ficasse preto, queimado, escuro, tudo perdido. Choro, lágrimas, prejuízos, dívidas”, lembrou.
A postagem do ex-prefeito recebeu dezenas de manifestações e muita gente se lembrou. Dirce Guizzo, por exemplo, natural de São Pedro do Ovai e que hoje mora em Mandaguari, comentou no post: “Eu me lembro, vários animais morreram no sitio em que morávamos”. Leonilce Navarro, de Arapongas, também escreveu na publicação: “Tristeza, nem gosto de lembrar de ver aquela terra preta”. Aparecida Tavares, de Arapongas, foi outra que lembrou da data: “Com certeza foi um desastre. No sítio em que a gente morava, em Astorga, queimou até a raiz do café”. Outro seguidor do ex-prefeito, Lourinho Junior, também, compartilhou uma lembrança: “Brincávamos no gelo com a maior alegria, na manhã seguinte, sem ter ideia ou consciência da tragédia que tinha acabado de ocorrer”.
CAFÉ VEM PERDENDO ESPAÇO A CADA ANO
A geada de 1975 foi a mais importante para a mudança de ciclo econômico do Paraná. Mas não foi a única. Paulo Franzini, economista do Deral, em Apucarana, recorda que além da geada de 1975, a cultura do café teve momentos importantes de encolhimento em 1994, em 2000 e em 2021.
Em 1990, por exemplo, o Paraná ainda ostentava 500 mil hectares plantados de café. Em 2000 já era apenas 170 mil hectares. Em 2010, apenas 80 mil hectares de plantações. Em 2022, informa o técnico, um dos maiores especialistas da cultura no Estado, a área de café chega a módicos 30 mil hectares. Quase nada perto dos 1,6 milhão de hectares no apogeu da cultura no Estado, no início da década de 1960.
Franzini destaca que na base do Núcleo Regional de Apucarana, da Seab, a área de café caiu de 9.510 hectares em 2010 para apenas 2.800/ha em 2020, ficando em aproximadamente 2.500/ha nesse ano.
Sérgio Empinotti, colega de Franzini no Deral de Ivaiporã, informa que a área plantão na base daquele núcleo Regional também registra quedas consecutivas nos últimos anos. Era 7.530/ha em 2010, caiu a 2.940/ha em 2020 e também não passa de 2.500/ha em 2022.
Franzini relata que há atualmente, boas experiências locais de incentivo ao café, em Apucarana, Jandaia do Sul, Grandes Rios, Jardim Alegre. Mas os preços dos insumos, como mudas, e a dificuldade para se conseguir mão de obra, tudo isso aliado a preços relativamente baixos pagos aos produtores, tem desestimulado o plantio e ainda ocorrem casos de erradicação de lavouras.
Atualmente, o café fica restrito à produção em pequenas áreas, geralmente em ambiente familiar. O médio produtor está saindo da produção. “As produções em áreas maiores dependem de escala e os custos acabam inviabilizando. E as pequenas áreas, atualmente, estão produtores que apostam em conseguir remuneração maior com base na qualidade do café. “Quem não conhece muito bem a lavoura ou não consegue fazer uma colheita seletiva, acaba colocando tudo junto e esse tipo de café perde preço. O mercado remunera a qualidade e isso significa uma cata selecionada, o que pressupõe muita mão de obra, que é cara”, diz Franzini.
Osvaldo Bueno, produtor rural que preside a Cooperativa dos Produtores de Café do Pirapó (Coocapi), em Apucarana, também mostra o quanto a cultura de café vem encolhendo. Dos 210 cooperados da Coocapi, informa, 34 deles produziam café no início da cooperativa, fundada em 2010. “Muita gente abandonou o café e foi para a soja e milho”, resume. A cooperativa tem atualmente apenas 18 cafeicultores e a tendência, é que esse número diminua. “Só toca a lavoura de café quem tem área bem pequena e conta com mão de obra para família. Tá difícil formar café, com os insumos tão caros”, diz o produtor, que tem 4,5 mil pés de café.
TEXTO: Claudemir Hauptmann
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