SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Parece poético que tenha cabido a Stephen Hawking, um físico cuja vida parecia destinada a ser interrompida a qualquer momento por uma doença degenerativa, demonstrar que nada neste Universo é para sempre nem mesmo os misteriosos buracos negros.
O físico, que morreu na madrugada desta quarta (14), aos 76 anos, em Cambridge, no Reino Unido, dedicou-se a estudar esses objetos e a origem do Universo. Mostrou que não, os buracos negros não tinham como destino único crescer sem parar conforme mais matéria caísse em seu interior, até que nada restasse do lado de fora.
Afinal de contas, a definição clássica de buraco negro é a de um objeto tão denso, com tamanha gravidade, que, uma vez que tenha se aproximado demais dele, nada poderia escapar nem mesmo a luz viajando a 300.000 km/s, a velocidade máxima permitida no Universo.
No começo do século passado, os cientistas achavam que buracos negros eram uma curiosidade teórica, mas não existiam na realidade. Até mesmo Albert Einstein, o físico que criou a teoria que permitiu descrever os buracos negros, a famosa relatividade geral, achava que tudo não passava de um cenário hipotético.
Descobrir que os buracos negros um dia desaparecem foi a mais relevante contribuição científica de Hawking, que só não lhe valeu um Prêmio Nobel porque ainda carece de confirmação observacional.
No início de sua trajetória acadêmica, estudou física no University College de Oxford. Ao obter o bacharelado em 1962, foi para Cambridge, e logo que chegou começou a desenvolver os sintomas de uma rara enfermidade degenerativa conhecida como esclerose lateral amiotrófica.
Na Universidade de Cambridge, o físico ocupou por três décadas a cátedra Lucasiana, posto que pertenceu no passado a Isaac Newton. Como seu antecessor, ele cultivou sucessos científicos que certamente serão
lembrados durante séculos.
Sua imagem pública, porém, foi construída longe disso, mais focada em suas ideias genéricas sobre a origem e a natureza do Universo, inicialmente apresentadas no best-seller Uma Breve História do Tempo,
de 1988.
Foi graças a esse livro que Hawking se tornou mundialmente famoso, não só pelos conceitos que apresentou mas sobretudo pelo fascínio que sua figura -o gênio preso auma cadeira de rodas- provocava nas pessoas.
PARADOXO DA INFORMAÇÃO
Ao fazer sua maior descoberta, Hawking também trouxe consigo uma situação insolúvel para o atual estado das teorias da relatividade geral edamecânica quântica. A primeira diz que nada pode escapar dos buracos negros uma vez que fronteira imaginária que indica a distância mínima a que qualquer coisa pode se aproximar antes que caia, sem chance de escapatória, seja cruzada.
A segunda diz que o Universo também é um ótimo contabilista no que se refere à informação quântica codificada nas partículas essas informações, em princípio, seriam indestrutíveis.
Enquanto os buracos negros eram vistos como objetos de existência indefinida que só cresciam, o problema não era grave; toda informação que caísse nos buracos negros ficaria simplesmente presa lá,de algum
modo ainda não compreendido, mas jamais deixaria de existir, mantendo a contabilidade geral do Universo intacta.
A coisa se complica quando determinamos que os buracos negros perdem energia e no fim das contas evaporam, como sugeriu Hawking. Se o buraco negro se dissipa, a informação que entrou precisa sair, caso a mec ânica quântica queira estar certa.
Mas, se a relatividade geral estiver certa, nada pode sair do horizonte dos eventos para contar a história. Eis o paradoxo, e algum dos dois grandes pilares da física moderna terá de ceder.
Este é um problema com que o físico britânico duelou até o final da vida. Nem ele nem mais ninguém apresentou solução satisfatória.
Encontrar o ponto de contato entre a relatividade geral e a mecânica quântica não só é a chave para entender os buracos negros,mas também descobrir os segredos mais íntimos da origem do Universo Hawking nunca escondeu que esse sempre foi seu maior objetivo.
Entender o que acontece com a informação dentro do buraco negro pode ser a chave paraentender qual é a da singularidade lá. E, se entendermos o que acontece no interior de um buraco negro, sacar como o nosso
Universo nasceu pode muito bem ser um-dois.
Seja como for, ao explorar os limites da intersecção entre a mecânica quântica e a relatividade geral, Hawking colocou a física num outro patamar de investigação.
Modestamente, Isaac Newton certa vez escreveu que, se pôde enxergar mais longe, é porque estava em pé sobre os ombros de gigantes.
Pode levar um bom tempo ainda, mas quem quer que resolva os mistérios remanescentes sobre os buracos negros, e quiçá a origem do Universo, certamente já está assentado sobre os ombros frágeis do gigante Stephen Hawking.
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