REYNALDO TUROLLO JR.
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um acordo entre Brasil e Cuba para aquisição e posterior produção de alfaepoetina, substância indicada para tratar pessoas com problema renal crônico, fez com que o Ministério da Saúde comprasse ao longo dos últimos 12 anos o medicamento com preços superfaturados, aponta a área técnica da própria pasta.
O caso gerou uma contenda entre o Ministério da Saúde e o Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz, vinculado à pasta, e foi parar no TCU (Tribunal de Contas da União).
No centro da polêmica, permeada de informações conflitantes, está a transferência de tecnologia de Cuba para o Brasil, prevista desde o primeiro governo Lula (2003).
"Após 14 anos da formalização do Termo de Cooperação [Brasil-Cuba], Bio-Manguinhos apenas realiza o envasamento dos produtos importados de Cuba, sem nenhuma demonstração de transferência de tecnologia", afirmou a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério ao TCU, em documento de 16 de fevereiro obtido pela reportagem.
"Resta claro o superfaturamento de preços por parte de Bio-Manguinhos/Fiocruz ao longo dos anos."
O instituto, em nota, rebateu o ministério. "A transferência de tecnologia já se completou. O que se aguarda neste momento é o término da validação das instalações da planta industrial, uma exigência regulatória da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para que a tecnologia de produção do IFA (ingrediente farmacêutico ativo) possa ser implementada."
Em 2016, depois de anos do contrato firmado com Cuba pelos governos petistas, o governo de Michel Temer (MDB) decidiu comprar o medicamento no mercado privado.
Em licitação em novembro, o frasco da alfaepoetina de 4.000 UI (tipo mais comprado) saiu por R$ 11,50.
Venceram o pregão as farmacêuticas Blau (que importa o insumo ativo e o envasa no Brasil) e Chron Epigen (que importa o medicamento pronto), para suprir 75% e 25% da demanda, respectivamente. O preço unitário pago pelo medicamento de Cuba começou em R$ 16,81 em 2005 e subiu para R$ 23,86 em 2016 e 2017 (em valores não atualizados).
Estudo interno do ministério mostra que era possível encontrar o mesmo frasco no mercado em 2005 por R$ 5,85. De 2005 a 2017, o Ministério da Saúde pagou R$ 1,85 bilhão para adquirir 102,1 milhões de frascos do mesmo produto.
Num cálculo simples e conservador, pagando os R$ 11,50 obtidos na licitação, teria gasto R$ 680 milhões a menos.
Bio-Manguinhos contestou os dados e afirmou que o ministério pagava R$ 91,13 pelo frasco em 2005. A reportagem voltou a questionar a pasta, que afirmou que não tem registro do valor citado pelo instituto.
Também perguntou a Bio-Manguinhos quanto do valor ia para Cuba, mas não obteve resposta por "força de cláusula de confidencialidade do contrato".
OUTRO LADO
O Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz afirmou que não procede a informação de que a transferência de tecnologia não ocorreu, e informou datas diferentes das declaradas pelo ministério para o início da produção no Brasil.
"Vale ressaltar que no projeto original da transferência estava prevista a produção de 2 milhões de frascos/ano. Ao longo dos primeiros anos a demanda aumentou significativamente, passando para cerca de 12 milhões de frascos/ano, demandando um redimensionamento dos equipamentos e instalações de produção", diz o instituto.
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