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Intervenção militar é paliativo com efeito político publicitário, diz sociólogo

FERNANDA MENA SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A intervenção das Forças Armadas na segurança pública no Rio de Janeiro é uma aposta alta do presidente Michel Temer (MDB) em um modelo que traz mais efeitos políticos que soluções para a violência urbana flumin

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 18.02.2018, 07:00:00 Editado em 18.02.2018, 07:00:09
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FERNANDA MENA

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A intervenção das Forças Armadas na segurança pública no Rio de Janeiro é uma aposta alta do presidente Michel Temer (MDB) em um modelo que traz mais efeitos políticos que soluções para a violência urbana fluminense. É o que aponta o sociólogo Michel Misse, 66, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"Num momento de crise e de incapacidade das polícias de dar uma resposta razoável para o medo da população, chamar as Forças Armadas é uma forma politicamente eficiente de produzir, no curto prazo, uma sensação de segurança na cidade", avalia. "Mas, se o critério for o aumento da violência, tem que intervir no Ceará e em tantos outros Estados com índices mais altos que os do Rio."

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Para Misse, o emprego das Forças Armadas é velho conhecido do Rio, não tem substância em termos de política pública nem resolve problemas que são estruturais. "A militarização da segurança vai no sentido contrário da modernização desejada para o sistema de Justiça Criminal, que compreende polícias, Ministério Público, Judiciário e sistema penitenciário", diz.

PERGUNTA - A proposta de intervenção federal na segurança pública é inédita. Quais seus efeitos práticos e políticos?

MICHEL MISSE - Intervenções anteriores das Forças Armadas foram solicitadas pelo governador. O caso atual é diferente porque, na prática, [o governador Luiz Fernando] Pezão (MDB) dividirá o poder com um general do Exército e ficará submetido a decisões que não dependerão mais dele. Temer está apostando alto para viabilizar sua candidatura, até aqui considerada inviável pelas pesquisas. Por que o Rio e não outros Estados onde a violência é maior?

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Se o critério adotado foi o aumento da violência, então tem de intervir no Ceará. É falacioso o argumento de que o crime se espalhou pelo país a partir do Rio. As dezenas de facções que existem pelo país não vieram do Rio, mas do sistema penitenciário. Se fosse para falar em metástase do crime, o adequado seria falar do sistema penitenciário brasileiro. A impressão é de que se trata de uma forma de passar a ideia de que o governo está resolvendo o problema.

P. - A proposta responde ao aumento da violência local ou à crise fiscal no Estado?

MM - Um pouco de cada coisa. Houve um grande investimento em segurança pública durante os dois governos de Sérgio Cabral [MDB] e no início do governo [Luiz Fernando] Pezão que resultaram em indicadores positivos, principalmente nas áreas com UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], onde houve queda acentuada da taxa de homicídios e nos chamados autos de resistência [mortes em decorrência de ação policial]. A curva desses índices se reverteu com o agravamento da crise fiscal. Então existe uma correlação direta entre investimento e taxas de homicídio.

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P. - Como as Forças Armadas podem ajudar nisso?

MM - O [ministro da Defesa] Raul Jungmann tem insistido que a polícia do Rio está muito corrompida, o que acredito ser esta uma das razões da intervenção porque a própria polícia não pode dar solução para isso. Então, o argumento é que talvez uma intervenção federal possa fazer isso. Mas não creio que o Exército possa resolver um problema dessa magnitude. Para intervir na corrupção policial, tem de investigar e produzir provas que levem à demissão e à prisão dos maus policiais.

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O Estado do Rio de Janeiro já afastou 400 oficiais da PM em governos anteriores, mas todos voltaram à corporação por decisão judicial baseada na falta de provas contra eles. Além disso, as Forças Armadas não foram preparados para a atividade policial.

P. - Em missões internacionais, soldados estão autorizados a atirar num sujeito armado. Como manter o respeito a direitos fundamentais e ao devido processo legal em operações nacionais?

MM - Esse é outro problema. Porque a polícia militar já não usa a força de maneira adequada. As estratégias de segurança têm de levar em consideração que existe uma interação entre o controle social e os criminosos. Se você exerce a força de forma arbitrária, os criminosos vão responder da mesma maneira. E aí terá um aumento do número de policiais mortos e assim por diante.

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P. - O que se pode esperar, então, dessa intervenção?

MM - Vivemos intervenções no Rio em 1992, depois em 1994, além de sucessivas operações. Portanto, não existe novidade. O efeito é sempre o mesmo: primeiro há um apaziguamento, depois a intervenção começa a se banalizar e, finalmente, ela acaba e tudo volta ao que era antes. Pode-se entender a intervenção como um paliativo com efeito político publicitário. Não tem substância de política pública.

P. - Quais os riscos envolvidos?

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MM - O Exército não tem competência para esta atividade de policiamento ostensivo ou de operações de ocupação, e isso expõe soldados ao mesmo padrão de propina a que foram expostas as polícias. Isso é um perigo. Uma coisa é um caso como o da ocupação do Complexo do Alemão, em 2010, que foi pontual. Outra coisa é ficar meses com ocupação militar em todo Rio de Janeiro.

P. - A Força Nacional de Segurança Pública não seria mais adequada para a intervenção?

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MM - A Força Nacional é formada por policiais militares trazidos de vários Estados e funciona como uma espécie de polícia militar nacional. Ela tem como função auxiliar as polícias locais ou desbaratar a corrupção nessas polícias. Mas seu volume é pequeno. Ela não tem expressão numérica capaz de atender às demandas dos vários Estados. No caso do Rio de Janeiro, ela foi chamada para várias operações junto com as Forças Armadas. São paliativos, que não solucionam os problemas a médio e longo prazo.

P. - Como a violência no Estado voltou a subir?

MM - Em quase todos os casos de mortes de civis, havia um confronto entre policiais e bandidos e balas perdidas. Tem um dado curioso: se não há intervenção policial, não há o mesmo volume de mortes.

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As UPPs diminuíram esses índices porque os policiais ficavam no local, e as operações e invasões desses territórios pararam. Quando a UPP entrou em debacle, voltaram as operações policiais no mesmo padrão anterior e, com elas, as mortes de policiais e de civis, não importa se bandidos ou não, o que inclui a morte de crianças por balas perdidas. O atraso dos salários do policiais, a crise política do país e a crise econômica também ajudaram a diminuir a confiança nas políticas. O efeito disso é que os criminosos se sentem mais à vontade para agir e mostrar seu poder de força, o que gera novas operações.

P. - Qual é a dinâmica entre policiais e traficantes?

MM - Os traficantes varejistas se instalaram em comunidades carentes, onde controlam pontos de vendas com armas para evitar sua tomada por facções rivais. Vários estudos já demonstraram que a relação do tráfico com a polícia é, em geral, de propina. Algo que eu chamo de mercadoria política e que surgiu na repressão ao jogo do bicho. O que o policial oferece ao traficante é proteção e informação sobre operações na sua área. E, quanto mais repressão, maior o preço da mercadoria política [da propina].

P. - Essas operações são eficientes para reduzir a criminalidade?

MM - Não. Todos os especialistas têm insistido nisso. As operações têm de ser realizadas após um trabalho de inteligência e investigação para que tenham um objetivo muito claro e sejam pontuais e cirúrgicas. Não é o que acontece. Em um dos casos, por exemplo, policiais fizeram uma operação de vingança de um suposto sequestro de outros policiais pelos traficantes. Depois, verificou-se que esse sequestro não havia ocorrido. Então, a situação é de uma polícia sem controle.

P. - Como solucionar o problema?

MM - Não é preciso criar um ministério, mas modernizar todas as instituições ligadas a essa área, que seguem as mesmas de antes da redemocratização. A política militar, por exemplo, era aquartelada, chamada como força auxiliar em circunstâncias específica. Ela virou uma força de policiamento ostensivo durante o regime militar. E isso criou uma primeira situação esquizofrênica que são duas polícias que não têm autoridade uma sobre a outra.

A polícia civil investiga, a militar faz policiamento ostensivo. Elas tem de ser integradas, se não institucionalmente, ao menos operacionalmente. E o Ministério Público tem de estar vinculado ao trabalho policial para melhorarmos as investigações. Quando você não tem capacidade de investigar crimes e levar criminosos a julgamento, a força e a lógica da guerra se instauram como forma de combate ao crime. É um ciclo vicioso.

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