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Discurso do 'brexit' legitimou racismo no Reino Unido, diz historiadora

DANIEL BUARQUE SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o Reino Unido e a União Europeia retomam a negociação sobre o "brexit", a saída britânica do bloco europeu, o país assiste a um crescimento de demonstrações de racismo e intolerância semelhantes aos vis

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 29.08.2017, 00:30:08 Editado em 29.08.2017, 09:05:58
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DANIEL BUARQUE

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o Reino Unido e a União Europeia retomam a negociação sobre o "brexit", a saída britânica do bloco europeu, o país assiste a um crescimento de demonstrações de racismo e intolerância semelhantes aos vistos no início do mês em Charlottesville, nos Estados Unidos.

O diagnóstico é da historiadora Sarah Hackett, da Universidade Bath Spa, especialista em questões de imigração e xenofobia na Europa. Segundo ela, o recente discurso político em ambos os lados do Atlântico permitiu o racismo e a intolerância entrassem com força na política.

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"A forma como a imigração foi discutida e utilizada na construção do plebiscito do 'brexit' permitiu que o racismo e a intolerância que há muito borbulhavam sob a superfície emergissem na arena pública sob a forma de pontos de vista e ataques racistas e crimes de ódio", disse, em entrevista à reportagem, por e-mail.

Hackett realizou uma pesquisa recente sobre a relação entre a decisão britânica de sair da União Europeia e o racismo. Na entrevista, ela explica como o 'brexit' abriu uma 'caixa de pandora' de intolerância no Reino Unido.

Pergunta - As marchas racistas em Charlottesville, nos EUA, expuseram o crescimento do racismo nos EUA, mas alguns pesquisadores argumentam que há um crescimento intolerante em todo o Ocidente. Como você acha que isso está acontecendo no Reino Unido?

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Sarah Hackett - Os recentes acontecimentos no Reino Unido têm contribuído de alguma forma para legitimar o racismo e a intolerância. A imigração foi uma questão central no plebiscito de junho de 2016 sobre a saída da UE. Não só a campanha pela saída defendeu que o 'brexit' permitiria o "retomar o controle" da imigração, mas o voto pelo 'brexit' desencadeou níveis sem precedentes de racismo e xenofobia.

Esse racismo e intolerância podem, pelo menos em parte, ser explicados por uma percepção negativa no longo prazo de que os imigrantes representam uma ameaça econômica, cultural e social ao status quo. Alguns setores da mídia retratam há muito tempo os migrantes como um fardo para a economia do Reino Unido e como um desafio para a cultura e os valores britânicos. Os políticos também ajudaram a consolidar a ideia de que a imigração deveria ser percebida como uma ameaça e um fardo nos últimos anos. Durante anos, os governos britânicos e os principais partidos políticos alimentaram o sentimento anti-imigração em relação aos principais grupos imigrantes do país dos séculos 20 e 21, incluindo judeus da Europa Oriental, índios ocidentais, sul-asiáticos e europeus orientais. Isso envolveu continuamente os imigrantes como um "problema" que precisa ser "controlado".

A forma como a imigração foi discutida e utilizada na construção do plebiscito permitiu que o racismo e a intolerância que há muito borbulhavam sob a superfície emergissem na arena pública sob a forma de pontos de vista e ataques racistas e crimes de ódio.

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Pergunta - É possível comparar o que aconteceu em Charlottesville com algo que ocorre na Europa atualmente?

Hackett - Sim, definitivamente. Em primeiro lugar, o discurso político em ambos os lados do Atlântico permitiu o racismo e a intolerância entrar na política. Em outras palavras, agora é mais seguro para o racismo e a intolerância saírem das sombras. Na sua forma mais extrema, isso foi visto no terrorismo de extrema-direita como foi testemunhado no assassinato de Jo Cox no Reino Unido, o atentado usando uma van contra uma multidão de muçulmanos em Londres, e o ataque de carro contra manifestantes antifascistas em Charlottesville.

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Em segundo lugar, agora podemos ver quão divididas e polarizadas são nossas sociedades, especialmente quando se trata de imigração e racismo. Isto foi visto em Charlottesville, mas também no Reino Unido na construção e após o referendo da UE de junho de 2016 e nas eleições presidenciais francesas no início deste ano.

Pergunta - A senhora apresentou recentemente uma pesquisa sobre "brexit" e racismo, e você diz que "abriu uma caixa de Pandora" de racismo e intolerância. Como acha que isso aconteceu?

Hackett - O plebiscito sobre a saída da UE legitimou o racismo e a intolerância. Um dos principais elementos do voto pelo 'brexit' foi a percepção de que a Grã-Bretanha está "sitiada" pelos imigrantes. Foi a percepção e a representação da imigração, e não dos fatos, e o medo e ameaça de imigração percebida, e não a própria imigração, que desempenhou um papel em persuadir muitos britânicos a votar para "retomar o controle" de suas fronteiras

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Uma segunda dimensão central para 'brexit' é a percepção do islamismo e das minorias muçulmanas. Aproveitando o medo, a suspeita e o mal-estar sobre o islã e os muçulmanos que existem em alguns segmentos da sociedade britânica, a campanha pela saída da UE promoveu a visão de que permanecer no bloco resultaria em níveis mais altos de imigração muçulmana. Não podemos saber até que ponto medos e ansiedades sobre imigrantes e muçulmanos afetaram especificamente o resultado do plesbiscito, mas, na minha opinião, certamente desempenharam um papel.

Desde o plesbiscito, os crimes de islamofobia, racismo e ódio contra imigrantes e muçulmanos aumentaram. Embora, de modo algum, os 17 milhões de eleitores de 'brexit' sejam vistos como um grupo homogêneo com inclinações anti-imigrantes ou antimuçulmanas, é claro que o plebiscito desencadeou medos e sentimentos que estão passando por baixo da superfície há algum tempo e, para alguns, intolerância legitimada e racismo.

Pergunta - É possível comparar o 'brexit' com a eleição de Trump neste sentido de abertura do espaço ao racismo?

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Hackett - Sim. O racismo, a xenofobia e os sentimentos anti-imigrantes sempre estiveram presentes no Reino Unido e nos EUA. No entanto, a eleição de Trump e o voto de 'brexit' criaram um ambiente no qual as pessoas se sentem mais à vontade expressando esses sentimentos. Eles vieram depois de décadas de crescente ansiedade em relação à imigração, mas, no entanto, mudaram a política e a retórica pública em novas direções.

Pergunta - Qual acha que é a melhor forma para reagir a essa legitimação do racismo?

Hackett - Precisamos de mais comunicação e coesão social. O perigo real é que as pessoas com diferentes pontos de vista deixam de se envolver uns com os outros e nossas sociedades se tornam mais divididas. Existe um medo real entre alguns segmentos das populações majoritárias no Ocidente que muitas vezes sentem que suas sociedades estão mudando além do reconhecimento e que estão perdendo como resultado disso. Isso ocorre depois de décadas de crescente ansiedade pública em relação à imigração, que muitas vezes foi estimulada por manchetes de mídia alarmistas, campanhas políticas e o que talvez seja um medo natural de "o outro" ou o desconhecido. Como a Europa e os EUA podem ir além desses eventos e iniciar diálogos construtivos e positivos que podem curar divisões e promover a coesão da comunidade, será um dos desafios mais prementes dos próximos anos.

Pergunta - A eleição de Trump fortaleceu o debate sobre notícias falsas no mundo, mas o Reino Unido lida com muitos problemas como esse devido à popularidade dos tabloides. Quanto você acha que eles estão relacionados a essa onda de racismo e intolerância? E o que você acha de campanhas como "Stop financiing Hate", que cobra que anunciantes deixem de colocar publicidade nesses tabloides?

Hackett - Os tabloides britânicos são a chave para o racismo e a tolerância que estamos testemunhando no Reino Unido. Os dados oficiais, bem como os conselhos de especialistas, muitas vezes são ignorados em favor das manchetes sensacionalistas e frequentemente desonestas. A imigração tornou-se um tema emotivo, e as manchetes da imprensa se baseiam nos medos, ansiedades e preconceitos das pessoas. Isso é perigoso porque essas manchetes podem realmente contribuir de alguma forma para moldar os pontos de vista e o modo de pensar das pessoas.

Eu acho que campanhas como "Stop Financing Hate" são iniciativas bem intencionadas que, no mínimo, podem aumentar a conscientização sobre manchetes enganosas que usam os medos e ansiedades das pessoas para promover uma maior divisão.

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