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Paul Beatty vem a Flip e lança no Brasil sátira premiada sobre relações raciais

MAURÍCIO MEIRELES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há um sorrisinho endiabrado em cada página de "O Vendido" --e o leitor vai rir, às vezes por diversão, outras de nervoso. O livro rendeu a Paul Beatty, um dos convidados da Flip deste ano, o Man Booker Priz

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 15.07.2017, 06:55:08 Editado em 15.07.2017, 14:10:41
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MAURÍCIO MEIRELES

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há um sorrisinho endiabrado em cada página de "O Vendido" --e o leitor vai rir, às vezes por diversão, outras de nervoso. O livro rendeu a Paul Beatty, um dos convidados da Flip deste ano, o Man Booker Prize de 2015, o principal prêmio literário do mundo anglófono.

Ele foi o primeiro americano a levar o troféu, depois que o Booker passou a permitir que qualquer autor de língua inglesa concorresse, e não só aqueles dos países da comunidade britânica.

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A vitória revelou para o mundo o trabalho da Oneworld, editora independente de Londres que o publicou --e que levaria Marlon James, também na Flip, ao mesmo troféu um ano depois. Como o romance de James, "O Vendido" foi rejeitado 18 vezes até ser publicado.

"Mesmo a Oneworld rejeitou!", ri Beatty, em entrevista à reportagem por telefone. "Voltaram atrás depois de receber a dica de um crítico literário de um grande jornal."

Uma explicação deve ser o estranhamento que o romance provoca no leitor, ao fazer piada com o que, pelo menos no Brasil, não é comum.

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"O Vendido" é a história de um homem, morador de uma cidadezinha próxima de Los Angeles, que, por diversas circunstâncias, acaba virando dono de um escravo idoso, Hominy --ex-ator da série "Os Batutinhas".

Hominy vira escravo por vontade própria, diz que seu desejo também é "liberdade". Para agradá-lo em seu aniversário, seu "sinhô" segrega os assentos de um ônibus --e o escravo sente-se feliz ao ceder o lugar para um branco. É pouco? O leitor também vai corar em cenas como uma na qual o autor mostra um macaco chamado Baraka --em referência ao ex-presidente Barack Obama.

O protagonista, mais à frente, instala a segregação na escola de sua cidade. E os brancos são proibidos de estudar nela. Não é para ficar confuso?

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Por tudo isso, nas primeiras páginas encontramos o personagem na Suprema Corte respondendo a um processo por violar a 13ª emenda da Constituição americana, aquela que acabou com a escravidão no país.

"Não escolhi esse estilo. Eu escrevo como escrevo. Não penso no livro como uma sátira, como as pessoas definem. Acho sátira um termo limitador", diz Beatty, antes de pedir para anotar "Lima Barreto" ao ouvir que o homenageado da Flip também era um satirista.

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LINGUAGEM

O autor não viu risco em fazer graça de um assunto tão delicado?

"Sabia que alguns leitores podiam não gostar, mas não tenho nada a ver com isso. Não digo, no romance, que a escravidão é divertida, mas que tais e tais aspectos, ou tal jeito de olhar, pode ser engraçado. Mas o livro não é para todo mundo. Não foi escrito para ser", diz Beatty.

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A explosiva palavra "nigger", considerada muito racista no Estados Unidos, espalha-se aos montes pelas páginas de "O Vendido". Na tradução brasileira, ela é "crioulo".

Em um momento de grande articulação da militância identitária --no campo racial e de gênero--, com grupos tão reativos ao uso da linguagem, como é fazer piada com o assunto?

"Até onde eu sei, nenhuma palavra foi proibida por lei. Embora haja quem gostaria de fazê-lo", ironiza. "A linguagem, para mim, é o mais importante. Não a utilizo para chocar ou irritar. Só quero contar uma história e usar as palavras certas."

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Uma das piadas com o assunto é um intelectual negro que resolve reescrever "Huckleberry Finn", clássico de Mark Twain marcado pelo jargão racista. O personagem troca "escravo" por "voluntário de pele escura".

Ainda no assunto da linguagem, conto a Beatty que, em reportagem da Folha de S.Paulo de duas semanas atrás, mandamos um trecho do seu livro a um "leitor sensível", membro de uma minoria contratado por editores internacionais para dizer se uma obra é ofensiva.

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"Isso é um lixo. Todos têm tanto medo de tudo...", diz.

Em vez de contratarem pessoas de diferentes cores ou orientação sexual, por exemplo, os editores usariam os leitores sensíveis como forma de manter seu poder, afirma.

"Os editores não vão contratar quem é diferente deles, mesmo que seja para tomar as mesmas decisões ruins. Todos vão publicar os mesmo livros de merda mesmo! É o tipo de pessoa que decide o que publicar que precisa mudar. Não é preciso ter esse meio-termo de merda."

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Beatty é um autor que se recusa a explicar pontos de seu livro --acha que todas as respostas já estão lá. Irrita-se com questões mais amplas da literatura e dispara, vez ou outra, vários palavrões.

Sabe um tema que o faz cuspir marimbondos? Quando acusam autores negros de não serem "universais". "Isso não faz o menor sentido. É um olhar que diz 'você não faz parte do meu universo', o que, por si só, já mostra que não é um olhar universal."

Outro motivo de irritação é a tentativa de lê-lo, ou a qualquer autor, como um documento, simples relato de sua experiência como negro.

"É como se os autores não tivessem permissão para imaginar. Mas a beleza de tudo é que o autor está mentindo. Essa busca por autenticidade é ruim para a literatura. As pessoas querem não a afirmação do outro, mas de si mesmas. Esse é o tema do meu livro."

O VENDIDO

AUTOR Paul Beatty

TRADUÇÃO Rogério Galindo

EDITORA Todavia

QUANTO R$ 54,90 (318 págs.)

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