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Pavilhões nacionais retratam mundo em colapso na Bienal de Veneza

SILAS MARTÍ, ENVIADO ESPECIAL VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Uma enorme pomba branca em neon paira sobre os escritos "paz na terra" na entrada do pavilhão da Hungria nesta Bienal de Veneza. Logo ao lado, o pavilhão americano parece uma casa abandonada, com

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 12.05.2017, 20:35:09 Editado em 12.05.2017, 20:35:11
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SILAS MARTÍ, ENVIADO ESPECIAL

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VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Uma enorme pomba branca em neon paira sobre os escritos "paz na terra" na entrada do pavilhão da Hungria nesta Bienal de Veneza. Logo ao lado, o pavilhão americano parece uma casa abandonada, com a entrada suntuosa do prédio neoclássico desviada para a porta dos fundos. O nome da exposição ali, em tradução literal, é "amanhã será outro dia".

Essas duas representações nacionais dão o tom das seleções oficiais que países com espaços nos Giardini, entre eles o Brasil, levaram à mostra italiana neste ano. Há um desejo escapista, quase delirante, pela paz num mundo colapsado, em ruínas ou em vias de destruição.

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Numa crítica óbvia, mas não por isso fraca, aos Estados Unidos de Trump, o artista Mark Bradford, gay e negro, desestruturou o pavilhão de seu país. Deu cara de escombro à entrada e lá dentro, na primeira sala, criou uma instalação de papel que parece um enorme tumor avermelhado a dominar o espaço.

Suas obras parasitam uma arquitetura criada nos moldes da Casa Branca, como uma doença que ataca os órgãos de um corpo. No espaço central, coroado por uma cúpula, Bradford cobriu as paredes de papel rasgado e criou uma intervenção no teto que dá a impressão de que o domo vai desabar.

Nas paredes, telas geométricas negras, criadas com o papel alumínio usado pelo artista para tingir mechas das clientes em seus tempos de cabeleireiro, dão peso sinistro à sala. No final, um menino negro é visto de costas caminhando na calçada, podendo ser mais uma entre tantas vítimas recentes da violência policial contra negros nos Estados Unidos -é o único elemento figurativo da mostra.

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De formas mais e menos explícitas, pavilhões de outros países também dissecam um mundo em crise, assolado pela guerra, o levante da extrema direita e um clima de paranoia que parece se acentuar cada vez mais. É um contraste nervoso com o clima escapista, delirante e alienado da mostra principal, que coloca o artista na posição de privilegiado detentor do direito ao ócio e desconectado da realidade.

Num ponto, no entanto, caso do pavilhão húngaro, essa vontade de fuga da atual Bienal transparece nas representações oficiais. Gyula Várnai, o artista que representa a Hungria, faz uma ode às utopias esquecidas da década de 1960, com cidades futuristas projetadas em vídeos, um arco-íris na parede e um fragmento de roda gigante numa das salas.

Essa mesma obsessão nostálgica por delírios e desejos do passado parece marcar as escolhas de obras da francesa Christine Macel, à frente de uma caótica, irregular e fraca mostra principal.

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Outro momento delirante das representações oficiais, o pavilhão dividido por República Tcheca e Eslováquia, tem uma das mais bizarras instalações da Bienal -um bando de cisnes brancos luminosos equilibrados sobre pedestais diante de uma projeção enorme do mar, obra da eslovaca Jana Zelibska.

Mas trabalhos nesse estilo são a exceção. Algo entre celebração e desespero, as esculturas da britânica Phyllida Barlow, no pavilhão do Reino Unido, relembram as ruínas de mentira que nobres do século 18 mandavam construir nos jardins de seus castelos ingleses, as chamadas "follies", acessórios essenciais no culto à melancolia que dominou o auge do romantismo.

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Num eco do pavilhão americano, o espaço britânico também parece uma casa em corrosão, cheia de torres tortas, quebradas, ameaçando desabar. Mas Barlow contrasta essas estruturas cinzentas com outras peças coloridíssimas, só que também em erosão. Na varanda, algumas delas emolduram uma vista deslumbrante de Veneza, num clima de festa que já acabou.

Esse estado de suspensão, mesmo que não tão bem resolvido, ressurge no pavilhão israelense, que escalou Gal Weinstein. Ele deixou mofar todo o primeiro andar, que parece mergulhado há séculos no esquecimento, e criou, no piso de cima, uma gigantesca nuvem de algodão alaranjada e vermelha, como um bombardeio congelado no tempo.

Outros pavilhões também falam do medo de um colapso iminente. Mas antes da violência, ou punição, existe a vigilância. Um clima de paranoia domina as representações da Rússia, da Grécia e do Egito.

Enquanto os russos Grisha Bruskin, Sara Pirogova e o coletivo Recycle Group criam ambientes imersivos, de projeções brancas sobre esculturas também brancas que tratam de espionagem e ataque, o grego George Drivas construiu um labirinto que pode ser observado do andar de cima e o egípcio Moataz Nasr filmou a história de uma mulher atormentada pelo medo num mundo mergulhado na escuridão.

O escuro, no caso, é o mote do pavilhão dinamarquês, um dos mais irritantes e originais desta Bienal. Visitantes ali são obrigados a ficar meia hora em escuridão quase total ouvindo uma obra sonora. É uma narrativa criada pela artista Kirstine Roepstorff sobre a morte e o poder regenerador, fecundo da ausência da luz, comparada aqui a um útero primordial de onde talvez ninguém devesse ter saído dadas as condições catastróficas do mundo atual.

Mesmo com um discurso cafona, arrastado e um tanto entediante, esse é o espaço da resistência numa Bienal marcada pela ansiedade e a overdose de imagens. Ele faz desacelerar e prestar atenção ao nada, às trevas que podem ressignificar uma vida de aparências.

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