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Diarista teve acasa onde viveu por mais de 30 anos destruída em reintegração sem autorização judicial

MARIANA ZYLBERKAN SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No meio dos escombros daquilo que restou de sua casa, a diarista Maria de Deus Peixoto, 59, procura os sapatos das netas. Ali, antes da passagem de uma retroescavadeira, foi seu quarto por mais de 30 anos, e

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 15.04.2017, 06:25:07 Editado em 15.04.2017, 06:25:09
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MARIANA ZYLBERKAN

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) -

No meio dos escombros daquilo que restou de sua casa, a diarista Maria de Deus Peixoto, 59, procura os sapatos das netas. Ali, antes da passagem de uma retroescavadeira, foi seu quarto por mais de 30 anos, em um endereço no fim de uma rua em Cidade Ademar, na zona sul de SP.

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Enquanto tenta identificar outros pertences no terreno arrasado, ela comemora o resgate de um pé da chuteira de seu filho. "Nos fizeram sair às pressas, não deu para pegar muita coisa", diz a diarista, enquanto cutuca com os pés os pedaços de madeira estraçalhados que formavam o seu guarda-roupas.

No dia anterior, sua casa e outras seis foram alvo de uma mal explicada reintegração de posse. As residências ficavam em um terreno adquirido em 2013 pela construtora Cardim, que, desde então, briga para a retirada das famílias.

Para a Justiça, a realidade daquelas famílias era diferente. Das sete casas do terreno, cinco estavam tomadas por invasores havia anos e deveriam, sim, ser demolidas. Já a de dona Maria e a de seu filho Rafael de Souza, 34, estavam poupadas pelo Judiciário após um recurso direto contra essa reintegração.

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Uma audiência para dar entrada no processo de usucapião (posso prolongada) dessas duas residências já estava até agendada para junho.

Mas, na última quarta-feira (12), a decisão judicial a favor da diarista de nada valeu. Também não adiantou nada ela repetir seus argumentos e relembrar seu recurso vitorioso ao oficial de Justiça e aos policiais que apareceram junto com a retroescavadeira.

Uma cópia da decisão judicial que livrava sua casa foi retirada do bolso e apresentada a eles em uma folha de papel amassada. Nada adiantou.

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"Eu pedia pelo amor de Deus para não fazerem aquilo diante das minhas netas."

A máquina avançou. Não houve tempo nem para retirar móveis, eletrodomésticos e pertences em geral. Também não sobrou nada da estante comprada semanas atrás.

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"Iam passar por cima dela [Maria] junto com a casa", lembra o filho, ambulante. Ele só teve tempo de salvar seu ganha-pão, a churrasqueira que estaciona diariamente em frente a um supermercado na av. Cupecê para vender espetinhos. O material de estudo do último ano da faculdade de biologia, porém, perdeu-se no meio dos destroços.

PRESSA

Antes da destruição, a família acionou a Defensoria Pública, que chegou a protocolar uma petição de urgência para suspender a reintegração. Assim que recebeu o pedido, a juíza Carolina Nabarra Munhoz Rossi o acatou, mas, quando a decisão chegou ao oficial de Justiça, as casas já estavam demolidas.

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Dona Maria diz ter repetido ao oficial de Justiça Nelson de Souza Pereira que as casas de sua família estavam fora da ordem de demolição. "Mas ele estava com muita pressa", diz a diarista, com um antebraço machucado por causa do tombo que levou ao tentar carregar seus pertences debaixo de chuva. Procurado pela reportagem, Pereira disse que não iria comentar o assunto e desligou abruptamente o telefone.

Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que "a demolição sem autorização foi feita foi por conta e risco da autora da ação [construtora] e que irá tomar as medidas cabíveis".

Por e-mail, o proprietário da construtora, Rafael Cardim, disse que a reintegração de posse foi feita em cumprimento à ordem judicial e que "a desocupação ocorreu na normalidade do cumprimento do mandado, sem nenhum registro de ocorrência".

ABRIGO

Dona Maria chegou ao imóvel da rua Itapecerica da Serra em 1976 e guarda em uma sacola amarela os recibos dos aluguéis que pagou por anos ao proprietário original, que também não tinha escritura do terreno e recusou as tentativas dela de comprá-lo. "Ele nos dizia que podíamos ficar tranquilos."

Os tormentos tiveram início quando o antigo proprietário morreu e o terreno foi vendido. "Foi quando apareceu do nada a primeira escritura", diz a diarista, que há alguns anos abandonou as faxinas por causa de problemas de saúde e vive da aposentadoria do marido e da ajuda dos três filhos.

Em 2014, ela registrou um boletim de ocorrência na polícia quando pessoas que seriam ligadas à construtora derrubaram o barraco que ficava ao lado de sua casa, o que provocou uma rachadura em uma das paredes de sua cozinha. "Fizeram isso para nos botar medo", diz.

A Defensoria Pública deve entrar com pedido de indenização por danos morais contra a construtora nas próximas semanas. "Me sinto em um beco sem saída. Foi muita crueldade", diz dona Maria, cercada por alguns pertences que sobraram no meio dos escombros. Tudo agora está empilhado na garagem de uma vizinha da mesma rua, onde Maria está abrigada.

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