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Perseguido, criador do WikiLeaks escolhe fugir

Julian Assange se move como um homem caçado. Em um barulhento restaurante etíope no decadente bairro londrino de Paddington ele baixa sua voz até quase um sussurro para evitar os agentes de inteligência ocidentais que tanto teme.   Ele exige que se

Da Redação

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 O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, é procurado pela Interpol
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O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, é procurado pela Interpol
Escrito por Da Redação
Publicado em 03.12.2010, 00:43:00 Editado em 27.04.2020, 20:54:29
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Julian Assange se move como um homem caçado. Em um barulhento restaurante etíope no decadente bairro londrino de Paddington ele baixa sua voz até quase um sussurro para evitar os agentes de inteligência ocidentais que tanto teme.

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Ele exige que seu grupo cada vez menor de seguidores use telefones celulares criptografados e troca o seu como se troca de camisa. Ele se registra em hotéis sob nomes falsos, pinta o cabelo, dorme em sofás e pisos, e usa dinheiro em vez de cartões de crédito, muitas vezes emprestado de amigos.

"Por ser determinado a seguir este caminho e não aceitar um acordo, acabei em uma situação extraordinária", disse Assange durante o almoço no domingo passado, quando chegou ostentando um gorro de lã e uma barba rala e rasteira, além de uma comitiva jovem que incluía um cineasta responsável por documentar qualquer surpresa desagradável.

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Em sua fantástica jornada para a notoriedade, Assange, fundador do site de denúncias WikiLeaks, via as semanas atuais como as mais perigosas. Na época ele fazia a divulgação mais ousada até então: 391.832 documentos secretos sobre a guerra no Iraque. Doze semanas atrás, havia publicado no site cerca de 77 mil documentos secretos do Pentágono sobre o conflito no Afeganistão.

Histórico

Muita coisa mudou desde 2006, quando Assange, um australiano de 39 anos, usou anos de pirataria em computadores e o que os amigos chamam de um Q.I. quase de gênio para criar o WikiLeaks, redefinindo o sentido de denúncia, reunindo segredos, armazenando-os fora do alcance dos governos e de outros determinados a recuperá-los, liberando-os em seguida de maneira imediata e global.

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Agora não são apenas os governos que querem denunciá-lo: alguns de seus próprios companheiros estão abandonando o barco pelo que veem como um comportamento errático e imperioso e uma grandiosidade quase delirante que ignora o fato de que os segredos que ele revela podem ter um preço real, em carne e osso.

Vários colegas no WikiLeaks disseram que ele sozinho decidiu liberar os documentos do Afeganistão, sem retirar os nomes das fontes de inteligência afegãs das tropas da Otan. "Ficamos muito, muito chateados com isso e com a forma como ele falava sobre isso depois", disse Birgitta Jonsdottir, voluntária central do WikiLeaks e membro do Parlamento da Islândia. "Se ele pudesse se concentrar apenas nas coisas importantes que faz, seria melhor".

Ele também está sendo investigado em conexão com acusações de estupro e abuso sexual envolvendo duas mulheres suecas. Assange negou as acusações, dizendo que as relações foram consentidas. Embora ele caracterize as afirmações como "uma campanha de difamação", o escândalo agravou as pressões de sua vida camuflada.

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"Quando se chega ao ponto aonde, ocasionalmente, você se vê ansioso para estar na prisão porque lá pode ser capaz de passar um dia lendo um livro, percebe que talvez a situação tornou-se um pouco mais estressante do que você gostaria", disse ele durante o almoço em Londres.

Expondo segredos

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Assange mudou muito desde sua instável infância na Austrália como um reconhecido desajustado que quase foi preso após ser condenado por 25 acusações de pirataria em 1995. A história está cheia de espiões, desertores e outros que revelaram os segredos mais inflamatórios de sua época. Assange tornou-se uma figura da era da internet, com consequências ainda desconhecidas para si e para os detentores dos segredos do mundo.

"Eu esperei 40 anos para que alguém divulgasse as informações em uma escala que poderia realmente fazer a diferença", disse Daniel Ellsberg, que expôs um estudo de 1 mil páginas secretas da guerra do Vietnã em 1971, que ficou conhecido como os Pentagon Papers.

Ellsberg disse ter visto uma semelhança entre Assange e Bradley Manning, 22, um operador de inteligência do Exército preso em Quantico, Virgínia, sob suspeita de vazamento dos documentos do Iraque e do Afeganistão.

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"Eles estavam dispostos à prisão perpétua ou pena de morte para divulgar essa informação", disse Ellsberg.

Lei de Espionagem

Por trás das ansiedades subjacentes está a profunda incerteza de Assange sobre o que os Estados Unidos e seus aliados podem fazer a seguir. Oficiais do Pentágono e do Departamento de Justiça disseram que estão avaliando suas ações no âmbito da Lei de Espionagem de 1917. Eles exigiram que Assange "devolva" todos os documentos do governo em sua posse, se comprometa a não publicar quaisquer novas informações e não "ofereça" mais materiais dos Estados Unidos.

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Assange respondeu fugindo, mas não encontrou refúgio. Em meio à polêmica dos documentos afegãos, ele voou para a Suécia, buscando uma autorização de residência e proteção sob as amplas leis de liberdade de imprensa desse país. Sua primeira recepção foi eufórica.

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"Eles me chamavam de James Bond do jornalismo", lembrou ironicamente. "Isso me fez conquistar muitos fãs e alguns deles acabaram me causando um pouco de dificuldade".

No fim de setembro, ele trocou Estocolmo por Berlim. Uma mala que ele despachou no voo quase vazio, com três laptops criptografados, sumiu. Ela não apareceu – Assange suspeita que ela tenha sido interceptada. Da Alemanha, ele viajou para Londres, com medo de ser detido na chegada. A Islândia, um país com liberdade de imprensa generosa, também perdeu seu apelo, com Assange concluindo que seu governo é muito facilmente influenciado por Washington.

Problemas internos

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Depois do escândalo da Suécia, surgiram problemas dentro do WikiLeaks que chegaram a um ponto de ruptura, com alguns dos colaboradores mais próximos de Assange desertando publicamente. O New York Times conversou com dezenas de pessoas que trabalharam com ele e o apoiaram na Islândia, Suécia, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. O que emergiu foi um retrato do fundador do WikiLeaks como sua principal força de inovação e carisma, mas também como alguém cuja crescente celebridade veio acompanhada de um estilo cada vez mais ditatorial, excêntrico e caprichoso.

Conforme Assange prossegue com sua vida de fugitivo, sua liderança é reforçada através da internet. Mesmo à distância, seu estilo é imperioso.

Quando Herbert Snorrason, um ativista político de 25 anos de idade da Islândia, questionou o julgamento de Assange em diversas questões em uma conversa online no mês passado, Assange foi intransigente. "Eu não gosto do seu tom", disse ele, segundo a transcrição. "Se isso continuar, você está fora".

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Assange passou a retratar a si mesmo como indispensável. "Eu sou o coração e a alma da organização, seu fundador, seu filósofo, seu porta-voz, seu programador original, organizador, financeiro e todo o resto", disse. "Se você tem um problema comigo", disse ele a Snorrason, usando um palavrão, "deve sair".

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Em uma entrevista sobre a conversa, a conclusão Snorrason foi direta. "Ele não está em seu juízo perfeito", disse. Em Londres, Assange colocou de lado todos aqueles que o criticaram. "Estas pessoas não são importantes", disse ele.

Desertores

"Cerca de uma dúzia" de voluntários desiludidos deixou a fundação recentemente, disse Smari McCarthy, voluntária islandesa que se distanciou durante a recente turbulência. No fim de setembro, Assange suspendeu Daniel Domscheit-Berg, um alemão que era o porta-voz do WikiLeaks sob o pseudônimo Daniel Schmitt, acusando-o de "mau comportamento" não especificado. Muitos outros ativistas, disse McCarthy, devem ter o mesmo destino.

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Assange negou que qualquer voluntário importante tenha abandonado o projeto, com exceção de Domscheit-Berg. Mas qualquer outra deserção poderia paralisar uma organização que Assange diz ter 40 voluntários no núcleo e cerca de 800 seguidores na maior parte não pagos para manter uma rede difusa de servidores e proteger o sistema contra ataques – o tipo de infiltração que o site em si tem usado para conseguir os dados que revela.

Os detratores de Assange também o acusam de perseguir uma vingança contra os Estados Unidos. Em Londres, Assange disse que a América é uma sociedade cada vez mais militarizada e uma ameaça à democracia. Além disso, ele disse: "temos sido atacados pelos Estados Unidos de modo que somos forçados a adotar uma posição de defesa".

Mesmo entre aqueles que desafiam o estilo de liderança de Assange, há reconhecimento de que a intrincada arquitetura financeira e de computadores utilizada pelo WikiLeaks para se proteger contra seus inimigos depende de seu fundador. "Ele é muito original e extremamente capaz", disse Jonsdottir, o legislador islandês.

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Furos

Antes de publicar os documentos do Afeganistão e do Iraque, o WikiLeaks desfrutou de uma sequência de furos. Seus defensores ficaram emocionados quando a organização divulgou alguns documentos sobre a operação de detenção em Guantánamo, a conta de email pessoal de Sarah Palin, relatos de execuções extra judiciais no Quênia e em Timor Leste, listas de adesões neonazistas ao Partido Nacional Britânico e um vídeo de combate mostrando helicópteros Apache americanos em Bagdá, em 2007, matando pelo menos 12 pessoas, incluindo dois jornalistas da Reuters.

Mas agora o WikiLeaks foi recebido com novas dúvidas. Os grupos Anistia Internacional e Repórteres Sem Fronteiras ficaram do lado do Pentágono em sua crítica à organização por arriscar a vida das pessoas ao publicar os dados que identificam os afegãos que trabalham para os americanos ou aqueles que agiram na qualidade de informantes.

Um porta-voz do Taleban no Afeganistão sob o pseudônimo de Zabiullah Mujahid disse em entrevista por telefone, que os talibãs haviam formado uma “comissão” de nove membros depois que os documentos do Afeganistão foram divulgados "para encontrar as pessoas que estão espionando". Ele disse que o taleban tem uma lista de "procurados" contendo 1.800 afegãos e que a está comparando com os nomes divulgados pelo WikiLeaks. "Depois que o processo for concluído, o nosso tribunal talibã decidirá o destino dessas pessoas", disse ele.

Assange defendeu a publicação dos documentos não editados dizendo que equilibrou sua decisão "com o conhecimento do bem e a prevenção de danos que podem trazer" ao colocar a informação no domínio público. "Não há escolhas fáceis sobre a mesa para esta organização", disse ele.

Missão

Mas se Assange é sustentado por seu sentido de missão, a fé está acabando entre seus companheiros de conspiração. Seu humor foi pego vividamente em uma conversa no dia 20 de setembro com uma outra figura sênior do WikiLeaks. Em um bate-papo online criptografado, uma transcrição que foi entregue ao The New York Times, Assange desdenhou seus colegas. Ele os descreveu como "uma confederação de tolos" e perguntou ao seu interlocutor: "Será que estou lidando com completos retardados?"

Em Londres, Assange ficou irritado quando perguntado sobre as disputas. Ele respondeu com irritação às perguntas sobre as finanças opacas do WikiLeaks, o destino de Manning e a aparente falta de prestação de contas a alguém além de si mesmo, chamando as perguntas de "cretinas", "fáceis" e recordações do "jardim de infância".

Assange se equivocou ao falar a respeito de Manning, tratando o soldado como um inevitável dano colateral, assim como os afegãos citados como informantes nos documentos secretos do Pentágono.

Mas em Londres, ele teve uma visão mais simpática, descrevendo Manning como um "preso político" que enfrenta uma pena de prisão de até 52 anos, sem confirmar que ele foi a fonte dos dados divulgados. "Temos o dever de ajudar Manning e outras pessoas que estão enfrentando as consequências legais", disse ele.

O destino do próprio Assange parece tão ameaçador quanto o de Manning. Seu visto britânico irá expirar no próximo ano. Quando ele deixou o restaurante em Londres, no crepúsculo, caminhando pelas sombras, recusou-se dizer para onde estava indo. O homem que colocou algumas das instituições mais poderosas do mundo em sua lista de observação estava, mais uma vez, em fuga

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