SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase nove meses atrás, o módulo Philae realizou seu pouso num cometa. Agora, os cientistas da épica missão espacial europeia finalmente dão à luz os frutos da expedição, incluindo um relato detalhado da atribulada descida da sonda.
Em 12 de novembro do ano passado, foram duas quicadas e uma passagem de raspão pela borda de uma cratera, antes do pouso final, numa região bem acidentada do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko "Chury", para os íntimos.
Aliás, até mesmo esse processo de pouso "com escalas" redundou em acréscimo de dados para a missão. Graças a isso, foi possível estudar as características do solo tanto no ponto da primeira quicada como no local da descida final.
O primeiro terreno a ser tocado pelo Philae era muito mais granulado e fofo uma camada de cerca de 25 centímetros de espessura, recobrindo um solo mais duro por baixo.
Já no local do pouso final não havia essa camada fofa o solo era muito duro já na superfície, ajudando um dos pés da sonda a se atarrachar ao chão.
O Philae ficou preso por apenas um dos três pés, e numa inclinação diagonal que deixou apenas um dos cinco painéis solares bem exposto à luz.
Foi essa posição que acabou abreviando o tempo de operação do módulo, encerrado após pouco mais de dois dias, por exaustão das baterias.
COMPOSIÇÃO
Uma das mais intrigantes revelações dos novos estudos diz respeito à composição do solo. Ela é riquíssima em moléculas orgânicas, a base da vida na Terra, e imagina-se que os cometas possam ter tido um papel trazendo esses compostos para cá, nos primórdios da formação do Sistema Solar.
Os instrumentos Cosac e Ptolemy, instalados no Philae, tinham por objetivo estudar as substâncias presentes na superfície, por meio de coleta de amostras.
O robô não conseguiu perfurar e colher esse material, mas os instrumentos tinham um modo de operação "de garantia", que envolvia estudar o que quer que entrasse neles passivamente, sem a coleta intencional.
Com isso, foi possível detectar 16 diferentes compostos, quatro dos quais (metil-isocianato, acetona, propionaldeído e acetamido) nunca haviam sido detectados num cometa antes.
Obviamente, deve haver muito mais que isso lá. "'Ponta do iceberg' é uma descrição muito apropriada", disse Fred Gösmann, cientista do instrumento Cosac."A forma como recebemos a amostra não foi a esperada. Então, o aquecimento da amostra foi meio arbitrário. Só pudemos ver os voláteis que se soltaram do material sob essas condições. Deve haver mais!"
Infelizmente, é difícil imaginar o que mais poderia haver por lá. "Certamente perdemos as moléculas mais leves e as mais pesadas só visíveis a temperaturas maiores na amostra."
Ainda assim, o resultado é uma pista importante da riqueza existente nos cometas em termos de química orgânica.
NO SUBSOLO
Após a descida, o Philae também transmitiu ondas de rádio para baixo, fazendo com que elas atravessassem o interior do cometa.
Pouso histórico num cometa
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Medialiab/AFP
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Esse estudo de radar permitiu estimar a estrutura interna do objeto, que é basicamente como uma esponja muito porosa e homogênea, com os espaços vazios respondendo por 75% a 85% do volume total.
Também foi possível estimar a proporção entre gelo e rocha presente no cometa e há cinco vezes mais do primeiro do que do segundo.
Além desses estudos de estrutura e composição, as imagens capturadas pelas câmeras Rolis e Civa ajudaram a investigar os processos que acontecem na superfície, com evidências de erosão esperadas, considerando o aumento de atividade conforme o cometa se aproxima do Sol, numa órbita com período de 6,5 anos.
São sete artigos científicos no total, todos publicados na edição de hoje da revista americana "Science".
E não será a última vez que ouviremos falar do cometa Chury. A orbitadora Rosetta que levou o Philae até lá segue estudando o astro, que atingirá o periélio (ponto de máxima aproximação do Sol) em 13 de agosto.
Além disso, com o aumento da radiação solar nos últimos meses, o Philae chegou a recarregar suas baterias e retomou o contato com a Rosetta.
Não está, claro, contudo, se ele poderá fazer ciência no futuro. A comunicação é irregular, dificultada pela distância que a Rosetta precisa guardar do núcleo para evitar problemas com os jatos de partículas que estão emanando do objeto.
Também não está claro que o módulo possa sobreviver à intensa atividade do periélio. De toda forma, os participantes da missão se sentem com o dever cumprido.
"Acho que o maior legado do Philae é a sensação de que é possível realizar um grande feito", diz Lucas Fonseca, engenheiro brasileiro que participou da missão.
"Tenho certeza de que o sucesso da missão Rosetta vai empurrar toda a pesquisa de espaço profundo um degrau acima."
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