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Sede da Copa, Catar tem 'burkini', seta indicando Meca no hotel e inglês nas ruas

Pela janela do avião, tentei ver Doha de cima e ter uma primeira impressão da cidade que concentra quatro dos oito estádios da Copa do Mundo deste ano (os outros quatro ficam em municípios vizinhos). Imaginei que, conforme nos aproximássemos da aterrissag

Luciana Dyniewicz (via Agência Estado)

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Escrito por Luciana Dyniewicz (via Agência Estado)
Publicado em 01.09.2022, 09:12:00 Editado em 01.09.2022, 09:29:24
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Pela janela do avião, tentei ver Doha de cima e ter uma primeira impressão da cidade que concentra quatro dos oito estádios da Copa do Mundo deste ano (os outros quatro ficam em municípios vizinhos). Imaginei que, conforme nos aproximássemos da aterrissagem, veria o azul claro do mar do Golfo Pérsico e prédios envidraçados modernos, mas não enxerguei nada. Uma espécie de nuvem de poeira e areia cobria totalmente a cidade, e logo o monitor que informava a velocidade e a altitude do avião se tornou mais interessante que tentar ver algo do lado de fora pela janela.

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Se a vista rapidamente se tornou desinteressante do alto, o Catar foi, aos poucos, ficando cada vez mais atraente. Viajei pensando se tratar apenas de um país muito rico, graças às abundantes reservas de petróleo, mas que viola os direitos humanos, seja da população LGBT+, das mulheres ou dos trabalhadores imigrantes.

Tinha também o preconceito de que era um país que tentava ser os Emirados Árabes Unidos, copiando as construções modernas de Dubai e tentando fazer com que o turista que vai do Ocidente para o Oriente (ou o contrário) permaneça ali por um pouco mais de tempo do que algumas horas de conexão no aeroporto, motivado por atrações artificiais. Voltei, entretanto, com vontade de ter passado mais tempo lá, tirado uns dias de folga e ido até o deserto. Se você pretende viajar para assistir a Copa do Mundo em novembro e dezembro, portanto, a primeira dica é ficar mais tempo para conhecer melhor o país.

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O Catar despertou minha curiosidade pela sua cultura, tão diferente para uma ocidental, e por misturar 183 nacionalidades em um território um pouco maior que metade de Sergipe, o menor Estado do Brasil. São 2,7 milhões de habitantes. Cataris mesmo são 300 mil. Assim, apesar de o árabe ser o idioma oficial, o inglês é falado por quase todos nas ruas. Uma das vitrines dessa mistura de povos é o supermercado: em alguns, há bandeirinhas de diferentes países para indicar onde encontrar os alimentos típicos para cada nacionalidade.

Me contaram que, para os estrangeiros que vivem ali, é difícil fazer parte da vida social dos locais. Também disseram que seria improvável esbarrar em um deles. Conheci três mulheres cataris que foram muito amáveis. Duas delas, mais velhas, não pararam de conversar comigo e sugerir pratos típicos para eu provar.

Doha me chamou atenção por mesclar o antigo e o tradicional com o contemporâneo e o moderno. O centro da cidade, com o Souq Waqif - um grande labirinto onde se vende desde as roupas típicas até passarinhos e galinhas -, contrasta com a luxuosa ilha artificial The Pearl, com prédios modernos que você possivelmente já viu em fotografias. Em qualquer uma dessas regiões, porém, é certo que você vai ouvir, algumas vezes por dia, o bonito som das mesquitas convocando os fiéis para a reza, o chamado "azam".

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O islamismo, como era de se esperar, está por toda a parte. Na gaveta do hotel, por exemplo, há uma edição guardada não só do Alcorão, mas também um tapete para o visitante se ajoelhar a fim de rezar. No teto, uma marcação indica o lado em que fica Meca, para onde o fiel deve se curvar. No café da manhã, a linguiça é de frango ou carne bovina, jamais de porco. E aonde você for, seja na estação de metrô, em um shopping ou em um estádio de futebol, você vai encontrar uma sala para orações.

Shoppings são um dos grandes atrativos do país, e passeios neles, atividades frequentes dos cataris, sobretudo quando a temperatura na rua se aproxima dos 50ºC. Por isso também que a Copa foi mudada de data: por causa do calor do meio do ano. Praticamente todas as marcas europeias e americanas (de luxo ou não) estão nesses centros de compras. As francesas Galeries Lafayettes (loja de departamentos) e Ladurée (que vende doces), por exemplo, estão lá.

Nos shoppings, você também verá um grande número de pessoas vestidas com trajes típicos de países árabes: mulheres com abaya (vestido preto longo) e niqab (espécie de lenço que só deixa os olhos de fora) e homens com kandura (veste branca e longa). Nos restaurantes, mulheres levantam o niqab para levar o talher à boca, causando estranhamento aos ocidentais.

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O cumprimento entre homens, que encostam os narizes ou apertam as mãos com força, um olhando no olho do outro e as soltam de um jeito rápido e brusco, também chama a atenção. Homens andando de mãos dadas, aliás, é algo comum e um sinal de respeito e amizade entre eles.

As vestes tradicionais também são vistas nas praias. Apesar de os homens usarem bermudas, as mulheres vestem burkinis, shorts até o joelho e camisetas sem decotes, cobrindo pelo menos os ombros, ou a própria abaya. Para nós, ocidentais, a impressão é de total repressão às mulheres. Mas tentei sempre me lembrar que parte delas usa as vestes tradicionais por opção própria, como me falaram as cataris com quem conversei.

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As praias, aliás, mesmo as públicas, cobram ingresso (ao redor de R$ 15 em Catara, por exemplo, um vilarejo de Doha). Nas privadas, que ficam em hotéis internacionais opulentos, a entrada se aproxima de R$ 500 por dia. Ali, porém, é possível usar biquíni e sunga e, o mais importante, se refrescar nas piscinas. Isso porque, ao menos no verão, a água do mar é tão quente que chega a ser bastante desagradável. Não é de se estranhar que as piscinas recebam um número muito maior de pessoas.

Em novembro e dezembro, quando o país será sede do Mundial, é provável que o mar esteja mais refrescante, refletindo as temperaturas do inverno catari. No verão, no entanto, os termômetros marcam um número que eu não acreditava ser possível ver. Quando a reportagem esteve em Doha, em julho, houve um dia em que a máxima prevista era de 50ºC - chegou a 48ºC. Já no fim do ano, durante o dia, a temperatura deve ficar ao redor dos 25ºC, podendo cair para 15ºC à noite.

Foram as altas temperaturas do verão - 42ºC podem ser registrados às 8h da manhã - que empurraram a Copa para o fim do ano (começa dia 20 de novembro). Apesar de quase todos os estádios terem sistema de refrigeração e poderem receber jogos mesmo no verão, a vida no Catar fica mais restrita nos meses quentes. As ruas se esvaziam de dia, quando todos estão em locais com ar condicionado. E sair do hotel depois das 10h significa ficar com a boca seca, sentir o calor do asfalto queimando o pé se a sandália tiver um solado mais fino e desistir de caminhar após percorrer duas quadras.

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Em uma das noites mais quentes em que o Estadão esteve no país da Copa, até as ruas de um bairro repleto de restaurantes luxuosos estavam com baixo movimento. Um garçom disse que isso se devia ao calor extremo.

Além das altas temperaturas, nuvens de pó e areia, como a vista quando, no avião, ainda me aproximava de Doha, também marcam o verão no Catar. Assim, é sempre difícil enxergar prédios no horizonte, por exemplo. É como se as vistas fossem cobertas por um filtro sépia usado em fotografias, aquele que as fazem parecer mais envelhecidas.

Se, com todos esses poréns do verão catari, ainda assim gostei de conhecer Doha, o torcedor que viajar no fim do ano provavelmente terá uma experiência melhor nesse país tão diferente para os ocidentais, sobretudo se for alguém que se interessa por culturas distantes da nossa.

Com certeza, ficará impressionado com a infraestrutura do país, boa parte dela montada exclusivamente para o Mundial. Os estádios, com uma exceção, foram todos construídos para o evento. São luxuosos, confortáveis e bonitos. Os hotéis, os shoppings, o metrô e regiões como Msheireb, The Pearl, Catara e West Bay são suntuosos e refletem a riqueza do Catar, que, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), tem o quinto maior PIB per capita do mundo. O campeonato deve ainda ser único, com todos os estádios uns próximos dos outros.

"Será um grande evento para os fãs de futebol. As pessoas não terão de viajar para ver os jogos. E o país está diante de uma oportunidade de se construir como nação. Muita gente não sabe onde o Catar fica e essa é a oportunidade de eles trazerem o foco para eles", me disse um ex-dirigente da Fifa.

De fato, o país não quer perder essa chance. Em dez anos, foram investidos ao redor de US$ 200 bilhões em projetos de infraestrutura para o Catar realizar a Copa, segundo a consultoria Deloitte. O montante inclui aeroporto, metrô, bairros e cidades inteiras. Em 2014 no Brasil, foram R$ 25,5 bilhões aplicados em obras de mobilidade, estádios e aeroportos, de acordo com o Tribunal de Contas da União.

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