O atacante Endrick, de 16 anos, vive um incômodo jejum de gols no Palmeiras. Trata-se de um sentimento que ele nunca conheceu até subir no profissional. Foram mais de 12 jogos sem balançar as redes em 2023. Na partida contra o Red Bull Bragantino, na reta final da primeira fase do Paulistão, a joia de Abel Ferreira, após ser substituída no segundo tempo, chorou no banco de reservas,tão nervoso e descontrolado que estava pela secura dos gols.
O fato reacendeu o debate sobre a importância da saúde mental, sobretudo com jovens esportistas lançados aos leões nos times profissionais, onde a cobrança e a vitrine são bem maiores. Esses meninos precisam lidar com uma forte pressão no futebol com a qual não estão acostumados.
Há uma falácia em afirmar que o garoto dos times grandes e dos centros mais importantes do futebol aprende a lidar com as cobranças e a rivalidade desde o começo. A base é um mundo à parte na formação do jogador, onde ele pode errar e aprender e não será cobrado por isso como ocorre aos olhos do torcedor no time principal, seja ele qual for. Há a cobrança externa, mas na cabeça desses meninos também há a cobrança interna, aquela que o faz pensar que se não fizer os gols ou jogar sempre bem, ele vai perder a chance de se tornar profissional.
A pergunta é: como lidar com isso? Diante de toda essa pressão e expectativa por parte da torcida e imprensa em relação ao garoto do Palmeiras, o técnico Abel se posicionou algumas vezes para blindar e defender o atleta. Na entrevista coletiva após o jogo com o Red Bull Bragantino, o português afirmou: "Ele tem de ter calma. Ninguém gosta de ler críticas. Claro que há uma pressão tremenda para que ele faça cinco, seis gols. Ele próprio tenta lidar com isso. Ele vai fazer o gol na hora certa. Tem de ter calma, que não perca o sorriso. Meteu a camisola no rosto no banco porque chorou. Não sou o pai dele, mas devia ter dado um abraço".
Endrick é apenas um exemplo desses jogadores que são chamados a atuar no time principal antes da hora. Há outros como ele pelo futebol brasileiro. O atacante Vitor Roque, do Athletico-PR, é outro a ser jogado no campo e testado muito cedo. Lá atrás, Ronaldo, que se tornou o melhor do mundo e campeão mundial, disputou sua primeira Copa do Mundo aos 17 anos, quando já brilhava com a camisa do Cruzeiro. Ronaldo sofria as mesmas cobranças de todos esses jogadores novinhos alçados ao profissional.
O psicólogo do esporte Eduardo Cillo, que coordena o departamento de psicologia do COB (Comitê Olímpico do Brasil), ressalta que é fundamental uma blindagem em cima dos atletas nesse momento das cobranças, seja no futebol ou em qualquer outra modalidade. Há um ingrediente no futebol mais cruel do que em outras modalidades esportivas: a vitrine. Os times jogam duas ou três vezes por semana, e essa pressão, quando não superada, só faz aumentar, feito uma lata de água prestes a ser derrubada.
"Não fazer gol durante um período é normal independentemente do nível de experiência e da expectativa que se tem sobre o jogador. Isso faz parte. Nessa hora, no entanto, é preciso blindar o jogador para não deixar que ele caia na pilha nem se deixe levar por algum tipo de ansiedade, de querer resolver logo ou fazer de uma vez. Se ele seguir contribuindo com o time no coletivo, uma hora essa bola vai entrar e aí a situação estará resolvida", afirma o especialista, que também é doutor em psicologia pela USP.
O futebol brasileiro evoluiu nesse caminho. Antes, ter um psicólogo na comissão técnica era observado com muita desconfiança. Por anos, os jogadores se recusaram a conversar com esses profissionais. Quem se aproximava de um psicólogo era tido como jogador-problema. Felizmente, esse erro de interpretação caiu por terra. Atualmente, os psicólogos estão na base, ajudando garotos a entender a profissão e a vida, em todos os seus aspectos.
Apesar deste recorte específico com o esporte, o problema atinge a sociedade como um todo. De acordo com o mapeamento mais recente feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre transtornos mentais, o Brasil é o primeiro da lista entre as populações com maior predomínio de transtornos de ansiedade no mundo, com aproximadamente 10% das pessoas. O Brasil está à frente de Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).
O acompanhamento psicológico para jovens jogadores é uma das bandeiras defendidas por Alex Araújo, CEO da 4Life Prime Saúde Ocupacional e que também trabalha no agenciamento de atletas. Na visão do especialista, quando não se tem o acompanhamento adequado, os jogadores ficam suscetíveis a crises de ansiedade, humor depressivo e baixa produtividade, o que pode prejudicar o rendimento no campo. E isso não acontece somente com os mais novos. Luan, do Corinthians, é um um jogador experiente que se "fechou" no clube e não consegue mais atuar. Já teve ajuda para retomar sua condição de atleta de destaque, que se perdeu em algum momento quando deixou o Grêmio e se mudou para São Paulo.
"Mas o cuidado com jogadores mais novos deve ser priorizado. Eles ainda estão em formação e provando de vivências novas o tempo todo. O emocional está diretamente ligado com a pressão que os pais colocam em cima deles. Começa por aí. A família reforça todo dia a importância que é para eles ter um filho jogador; que vai mudar a condição financeira e, consequentemente, a qualidade de vida de todos. O caso do Endrick demonstra isso, pois, com apenas 16 anos, o emocional ainda não está preparado para todas as dificuldades que virão. Ele ainda está em fase de desenvolvimento e o apoio psicológico é fundamental", diz Alex.
No futebol brasileiro, o trabalho dos psicólogos em prol da saúde mental tem conquistado cada vez mais espaço nos clubes de alto rendimento, casos de Cuiabá, Guarani e Sport. Os de maior poder financeiro já entraram nessa há algum tempo. De acordo com Eryca Bastos, psicóloga das categorias de base do Dourado, as habilidades psicológicas requerem atenção para o desenvolvimento dos jogadores.
"É muito importante ter um psicólogo que trabalhe de forma interdisciplinar com toda a equipe, desde a iniciação esportiva, passando pela base e trabalhando as especificidades da psicologia do esporte, para que o atleta esteja preparado não somente nas questões táticas, técnicas e físicas, mas também, psicológicas, que, com certeza, fará total diferença", diz.
Para Rosângela Vieira, psicóloga do Sport, o ideal é que os clubes de futebol tenham este profissional na base e também no time profissional. Ela explica que todas as categorias precisam aprender a fazer o autoconhecimento da sua mente, nas partes cognitivas e emocionais. "Como trabalhamos com adolescentes e jovens, sabemos que o cérebro deles ainda está desenvolvendo a maturidade psicológica. Portanto, se faz necessário o acompanhamento e as conversas, pois quando o atleta chegar no profissional, ele já vai estar mais bem preparado para lidar com as diversas situações que irá vivenciar: torcida, pressão por resultados, queda no rendimento e tantas outras demandas", explica.
André Luis Aroni, psicólogo do Guarani e Doutor e pós-doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias, diz que é preciso um trabalho diferente com os atletas da base.
"Existem pontos de atenção em cada fase da carreira do atleta: para o sub15, a distância da família, as condições do alojamento, as tarefas da escola... são pontos de grande atenção. Atletas de futebol perto dos 35 anos de idade já pensam em suas transições de carreira. Entretanto, a iniciação esportiva é um período bastante sensível no aprendizado desses jovens, assim, faz todo o sentido também ter estímulos da psicologia junto dos habituais físicos, técnicos e táticos", entende o especialista.
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