A investigação do Ministério Público de Goiás revelou como foram feitas as negociações, trato e distrato do esquema de manipulação de resultados que buscava afetar jogos das Séries A e B do Campeonato Brasileiro e partidas do Paulistão e do Campeonato Gaúcho deste ano. Na denúncia, a que o Estadão teve acesso, os apostadores mostram como audácia e ameaças permearam a relação dos apostadores com os jogadores de futebol cooptados pela quadrilha.
O caso envolvendo o zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos, afastado pelo clube nesta terça, foi marcado pelo insucesso dos apostadores em obter centenas de milhares de reais em apostas casadas envolvendo uma advertência com cartão amarelo durante partida com o Avaí, em 5 de novembro de 2022, em jogo válido pelo Brasileirão, o principal campeonato do País.
Ficou acordado que o jogador santista receberia ao menos R$ 50 mil para provocar a punição, mas Bauermann não recebeu cartão. O "descumprimento" do combinado deixou o empresário Romarinho, um dos integrantes do grupo de apostadores, muito irritado. "Você vai pagar todo o meu prejuízo", escreveu em uma mensagem para o zagueiro.
REAÇÃO
O fato de Bauermann não receber o cartão amarelo combinado causou problemas para o grupo de manipuladores que também já havia acertado com o argentino Kevin Lomónaco, do Red Bull Bragantino, para receber um cartão amarelo no jogo com o América-MG no mesmo dia. Luís Felipe Rodrigues de Castro, um dos envolvidos com a quadrilha de manipulação e apostas, havia prometido o pagamento de R$ 70 mil ao argentino, sendo R$ 30 mil adiantados.
Mas, pelas conversas interceptadas pelo MP, ele tenta alertar Lomónaco que não precisaria mais levar o cartão, uma vez que a aposta casada teria se desfeito após Bauermann não fazer a sua parte. No entanto, o jogador não viu a mensagem, fez o combinado e forçou o amarelo, e depois cobrou que fosse feito o pagamento integral. Diante da recusa dos criminosos, negou uma segunda oferta para cometer um pênalti em jogo do Paulistão diante da Portuguesa.
De acordo com as conversas reveladas pelo MP, Bauermann acionou seu empresário Luiz Taveira para ajudar a resolver a situação. As mensagens seguintes mostram que o problema teria sido contornado. Então, na véspera do duelo com o Botafogo, o empresário Romarinho realizou uma videochamada com Bauermann, em 9 de novembro, para tramarem o que, nas palavras dele, seria uma "coisa boa". Romarinho e Bauermann efetuam a chamada de vídeo para acertar detalhes da armação. O encontro virtual está registrado em um print tirado durante a conversa.
No duelo com o Botafogo, Bauermann cumpre o novo acordo e recebe um cartão vermelho após o apito final, por reclamação. Porém, o zagueiro desconhecia uma regra das casas de apostas que invalidam advertências recebidas após o término da partida. Ou seja, deu errado de novo. "Você vai me pagar tudo. Eu te pedi. Eu confiei em você, mano. E você me desonrou. De novo, mano", escreveu Romarinho, em tom ameaçador ao jogador do Santos.
"Mano, de coração, não foi porque não quis eu te juro! Senão não tinha tomado nem no final e teria inventado uma desculpa para você", escreveu Bauermann em resposta. "O barato vai ficar louco pra você", retrucou Ramarinho. O empresário, então, cobra que o zagueiro devolva os R$ 50 mil pagos antecipadamente. Bauermann diz que está "correndo atrás para conseguir pagar esses R$ 800 mil (valor que arrecadaria caso a aposta fosse validada) que você falou."
As investigações do MP ainda mostram que no celular de Romarinho havia, no bloco de notas, um registro indicando que Bauermann teria pago parcelas datadas dos dias 15 de dezembro e 15 de janeiro, supostamente relacionadas à devolução do dinheiro não auferido com a aposta tramadas.
COMEMORAÇÃO
Após o jogador Paulo Miranda receber, na partida com o Fortaleza, um cartão amarelo previamente combinado com o grupo de apostadores criminosos, com intermédio do também atleta do Juventude Gabriel Tota, os atletas fizeram uma videochamada diretamente do vestiário da equipe de Caxias do Sul para comemorar a aplicação da punição durante o jogo. Eles atuavam pelo Juventude.
Em uma conversa, Bruno Lopez de Moura, um dos líderes do grupo de manipuladores, envia o print da videochamada realizada com os jogadores do Juventude e se mostra surpreso com o cenário em que a conversa foi promovida. "Tota foi até o vídeo e mostrou o Paulo Miranda. Falou 'Paulo Mirando, olha aí', Paulo Miranda eu conheço também. 'Olha, o homem que dá dinheiro para nós tá aqui'. Os caras deram risada e tal, foram até o Pará e eu falei: 'Meu filho, já deu, já bateu o nosso, o terceiro vai bater agora, já dá carrinho de cabeça lá'. Ele já deu risada e falou: 'Demorou, deixa comigo'. Mano, no vestiário, os caras malucos, o vestiário no vídeo."
A conversa cheia de gíria indica que os atletas se atreveram em fazer a ligação e festejar o sucesso da operação dentro do vestiário do time, sem medo. Os valores ganhos nas apostas não foram revelados.
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