PAULO ROBERTO CONDE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando Hugo estava com 11 anos, seus pais, Elisa e Marinho, levaram-no para fazer um exame de idade óssea.
O resultado do raio-x das mãos apontou que chegaria a medir, no máximo, 1,86 m.
Com a constatação, puderam mostrar ao filho que ele seria baixo demais para vislumbrar uma carreira no vôlei --ele chegou a jogar pela seleção carioca de base.
E talvez alto demais para projetar grandes feitos nos 100 m e no salto em distância, suas principais provas no atletismo --chegou a correr ao lado de Vitor Hugo dos Santos, velocista que representou o Brasil na Rio-2016.
Não havia como recriminar o filho pela obsessão pelo esporte. Estava no DNA da família. O avô, Antonio, foi professor de Educação Física. Elisa e Marinho conheceram-se na faculdade da mesma disciplina. Mais tarde, formaram-se e se casaram.
Desde cedo Hugo, o filho mais velho, mostrou aptidão.
"Sabíamos que ele seria atleta. Ele sempre demonstrou habilidade e coordenação à frente dos meninos da idade dele", diz Elisa. "Fizemos até teste de vocação para saber onde iria melhor."
Com o vôlei e o atletismo descartados, o foco se virou para o tênis de mesa, que Hugo praticava desde os 10 anos.
Os pais investiram do próprio bolso para Hugo viajar para competições internacionais, inicialmente pela América Latina, onde obteve destaque a ponto de um emissário da federação internacional da modalidade dizer que tinha interesse em apoiá-lo.
Passados dez anos, Hugo, 20, não chegou ao 1,86 m do famigerado exame --tem 1,82 m atualmente--, mas adquiriu estatura bem mais promissora no esporte brasileiro.
O ano de 2016 o converteu no mesa-tenista do país com maior sucesso internacional.
Em novembro, obteve dois resultados inéditos com uma medalha de prata em simples no Aberto da Áustria e um ouro em duplas no Aberto da Suécia (com Gustavo Tsuboi).
Os dois feitos o catapultaram para a 17ª posição do ranking mundial individual, a melhor de um latino-americano em todos os tempos. Na atualização mais recente deste ano, caiu para 23º, mas o fato é que ele já fez história.
A ascensão não é surpresa. Desde 2014, Hugo tem mantido resultados consistentes: foi medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim, ouro no Pan de Toronto-2015 e parou nas oitavas de final da Olimpíada do Rio, em agosto passado.
Ele perdeu para o japonês Jun Mizutani, então sexto do mundo, por 4 sets a 2 em duelo duríssimo. O oriental conquistaria o bronze depois.
A campanha nos Jogos do Rio igualou a até então melhor do país, obtida por Hugo Hoyama em Atlanta-1996.
O curioso é que, segundo Elisa, o filho quase não participou da Rio-2016. A dois dias do início do evento, contraiu uma infecção intestinal severa que o tirou de ação até a véspera da estreia. Ela crê que isso mostra a força dele.
PÓDIO
A ascensão indica que Hugo Calderano caminha para quebrar todas as marcas da modalidade no país.
"Sempre que eu entro na mesa, é porque quero chegar ao topo e conquistar uma medalha olímpica. O que mais quero é conseguir essa medalha e tornar o tênis de mesa mais popular no Brasil", diz.
"Os resultados nos dois últimos anos deram muita confiança. Senti que posso representar bem o Brasil e bater de frente com os melhores no cenário mundial", prossegue.
De olho em um feito nos Jogos de Tóquio, Hugo receberá atenção especial nos próximos anos. O técnico francês Jean-René Mounie, que se dividia entre vários atletas da seleção, ficará praticamente em tempo integral a serviço do aprimoramento dele.
O contrato com o Ochsenhausen, clube da cidade de mesmo nome na Alemanha onde ele vive e joga há mais de dois anos, foi renovado para mais um ciclo. Assim como o patrocínio da fabricante francesa de raquetes Cornilleau. Em época de fuga de patrocinadores, ele também obteve apoio da Nissan. É provável que ele dispute, em algum momento, a liga da China, principal potência do tênis de mesa. "Não há nada concreto, mas quero disputar, nem que seja a segunda divisão. Esse intercâmbio é necessário para chegar bem à Olimpíada", afirma.
Se fosse feito um corte entre os 23 melhores do mundo na atualidade, o carioca estaria atrás somente do chinês Fan Zhendong, vice-líder, na relação de mais jovens.
"Não alimento metas de ranking. É claro que quero subir muito, mas às vezes pode se estar em um ranking bom e depois descer. O melhor é ter a certeza de que no futuro poderei disputar uma medalha em Tóquio", diz Hugo.
Elisa aposta na maturidade do filho para não sair da rota. "Às vezes, esqueço de quanto Hugo é novo", afirma a mãe. "Nosso papel é não deixá-lo perder o foco."
A 1.210 dias do início dos Jogos de Tóquio, este é o maior dos desafios.
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