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Gagueira: das brincadeiras à discriminação

A falta de fluidez ao falar é motivo de vergonha, mãos suadas e silêncio para muitas pessoas. Esses sintomas são causados pela disfemia, conhecida popularmente como gagueira. Trata-se de um distúrbio ou transtorno de linguagem que atinge de 1% a 2 % da

Da Redação

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 Sem palavras: Colin Firth na pele de George VI no filme "O Discurso do Rei"
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Sem palavras: Colin Firth na pele de George VI no filme "O Discurso do Rei"
Escrito por Da Redação
Publicado em 01.03.2011, 10:30:00 Editado em 27.04.2020, 20:50:24
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A falta de fluidez ao falar é motivo de vergonha, mãos suadas e silêncio para muitas pessoas. Esses sintomas são causados pela disfemia, conhecida popularmente como gagueira. Trata-se de um distúrbio ou transtorno de linguagem que atinge de 1% a 2 % da população mundial, ou seja, cerca de 60 milhões de pessoas. O filme “O Discurso do Rei”, ainda em cartaz no Brasil, retrata o sofrimento escondido por trás da gagueira do rei George VI, interpretado por Colin Firth, diante da dificuldade de comunicação com os súditos ingleses.


A narrativa mostra uma luta incessante do rei da Inglaterra para vencer o distúrbio. O longa-metragem, levou o Oscar de melhor filme, deixa uma mensagem de superação surpreendente.


Mas o transtorno não é uma exclusividade real e atinge todas as classes sociais, principalmente os homens. Um exemplo é encontrado na casa do Big Brother Brasil (BBB 11), reality show exibido pela Rede Globo. O coreógrafo baiano Diogo Pretto enfrenta dificuldades para pronunciar todas as palavras corretamente e, recentemente, deixou um recado de utilidade pública aos colegas de confinamento: “Gagueira não tem graça. Tem tratamento”.


De acordo com a fonoaudióloga Mariléa Baechtold Bertolini, de Apucarana, para cada mulher com disfluência, há quatro homens. “Isso ocorre principalmente pela diferença na dominância cerebral entre homens e mulheres”, explica.


O distúrbio aparece durante a infância e adolescência. “Cerca de 75% das crianças passam por um período de gagueira que é transitório. Isso costuma ocorrer por volta dos 3 anos e meio”, pontua Mariléa. Ela acrescenta que a disfemia surge nos primeiros anos escolares, dos 5 aos 7 anos, e entre os 12 e 13 anos.


A fonoaudióloga Gesamy Queiroz Bissoli, de Apucarana, acrescenta que na infância um dos motivos é a falta de conhecimento dos sons da língua. “A criança não conhece todos os fonemas e grafemas, por isso, hesita na hora de falar”, explica.


A gagueira pode ser desencadeada por vários fatores, como funcionais, orgânicos e psíquicos. Além disso, Mariléa diz que pode ser hereditária, emocional, comportamental ou por falta de especialização do hemisfério cerebral esquerdo. Gesamy observa ainda que perdas súbitas, como a morte de alguém querido, ansiedade, traumas e acidentes também podem levar à gagueira.


Quadros transitórios do distúrbio da fala podem ser prolongados por diversas razões. Entre as quais, Gesamy elenca a baixa auto-estima e a falta de auxílio adequada.

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TRATAMENTO

Quem sofre de distúrbio da fala não precisa recorrer a métodos radicais como o grande orador grego Demóstenes, que colocava pequenas pedras dentro da boca enquanto treinava a oratória, para superar a gagueira. Os procedimentos atuais estão baseados na respiração e na coordenação penumo-fono-articulatória. “Isso vai ensinar o paciente a controlar a respiração durante a fala. Ele vai aprender uma nova forma de falar, identificando os momentos de gagueira e contornando-os”, frisa Mariléa.

Gesamy, por sua vez, salienta a importância, em alguns casos, do acompanhamento psicológico, além das recomendações fonoaudiológicas. “A gagueira causa alterações emocionais porque seus portadores são alvos diários de piadinhas, cobrança para falar correto, ansiedade e baixa auto-estima”, enumera.


A especialista comenta que o tempo do tratamento depende de cada caso, em virtude das variantes psicológicas. Entretanto, a boa notícia é que o índice de recuperação beira aos 100%, principalmente se o problema for detectado precocemente. Mariléa afirma que o tratamento fonoaudiológico dura de 4 meses a 2 anos, aproximadamente. “Embora os adultos, em geral, consigam melhorar consideravelmente sua fluência, os tratamentos iniciados na infância eliminam o problema definitivamente, na maioria dos casos”, garante.


MÚSICA COMO TERAPIA ALTERNATIVA

Por que alguns gagos conseguem cantar sem hesitar? A resposta, segundo a fonoaudióloga Mariléa Baechtold Bertolini, está no ritmo. “A gagueira é a quebra do ritmo e da harmonia da fala. Portanto, quando cantamos, colocamos ritmo, o que diminui situações de gagueira”, esclarece.


O cantor de reggae Armandinho é um exemplo. Ele descobriu que só não gaguejava quando cantava. Cantar virou terapia e abriu os caminhos para fama. Armandinho já confessou em entrevistas que foi alvo de chacotas de colegas, mas hoje, depois de anos de terapia, quase não gagueja. Aliás, só quando está muito ansioso.


Outro exemplo do meio artístico é o cantor paulista Saulo Roston, revelado ao Brasil, através do reality show musical da Rede Record ‘Ídolos’.

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MERCADO DE TRABALHO MITO

A fonoaudióloga Gesamy Queiroz Bissoli alerta que a gagueira pode causar muitos danos aos seus portadores. Além de alvos preferidos para piadinhas, a entrada no mercado de trabalho pode ser dificultada. Segundo ela, isso ocorre porque algumas funções exigem fluência ao falar, como telemarketing e vendas.


No entanto, ela ressalta que a hesitação ao falar não causa nenhum déficit no aprendizado. “Os gagos são pessoas inteligentes e capazes como qualquer outra, apenas têm uma dificuldade em manter o ritmo da fala”, garante.


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COMO AJUDAR

A atuação correta dos pais para não tornar a gagueira do filho permanente é essencial. Para Gesamy, o ponto crucial é agir com naturalidade. “As repressões só deixam a criança ainda mais insegura para falar, comprometendo seu desenvolvimento”, sustenta. Atividades voltadas para música e teatro são recomendadas pela fonoaudióloga Mariléa. Confira abaixo algumas dicas:

- Não chame a atenção de seu filho para sua forma de falar;
-Não o mande respirar, pensar ou repetir o que disse;
- Não termine de falar a palavra por ele;
- Não o force a falar com estranhos ou em público. O indicado é livrá-los de situações embaraçosas;
- Dê mais atenção à criança ou ao adolescente quando falar;
-Vire-se para ela, olhando bem nos olhos. Isso diminuirá sua ansiedade e ela conseguirá falar;
-Incentive atividades com música e dramatização;

- Seja sempre natural com seu filho.

Página virada: “Decidi que queria viver sem essa aflição”


Apesar de serem tratados, na maioria das vezes, com humor, os gagos não gostam de se expor. É o caso do nosso personagem. Ele é empresário do setor de papel e bonés em Apucarana, mas prefere manter o nome preservado para não virar alvo de brincadeiras. Aos 29 anos, Augusto (nome fictício) está prestes a receber alta da fonoaudióloga. “Há um ano e meio coloquei que iria superar essa dificuldade”, conta.


A determinação chegou junto com o apoio da namorada. “Ela me incentivou a virar essa página da minha vida”, afirma. Augusto recorda que aos 10 anos percebeu que começou a hesitar em falar as palavras. Na época, segundo ele, os pais o levaram para fazer tratamento com fonoaudiólogo e psicólogo, mas ele não sentia a necessidade de mudar.


Na escola, ambiente propício para provocações e brincadeiras, Augusto não enfrentou muitas dificuldades com os colegas. “Eles me respeitavam porque conversava com todo mundo. Tinha autoridade moral”, relembra. Dificuldade mesmo ele enfrentou nas aulas de língua portuguesa. “A professora não sabia do meu distúrbio e cobrava que eu lesse impecável. Ficava muito ansioso e não conseguia. As mãos chegavam a ficar suadas e o rosto vermelho de tanta vergonha”, confessa.


Mas essa história ficou no passado. Diferente de antes, hoje Augusto toma a frente quando tem que apresentar seus seminários no curso de MBA Gestão Empresarial. “Em trabalhos em grupo, todos ficam se escondendo. Agora, eu já peço para deixar comigo que apresento”, confidencia.


Formado em Turismo e Hotelaria e Administração, o empresário trabalha na administração das empresas da família. “Quando comecei ficava ansioso quando ia atender um cliente e acabava gaguejando. Era muito difícil”, recorda.
A mudança na voz de Augusto não veio de técnicas. “Veio de dentro de mim. Decidi que queria viver sem essa aflição”, diz. Mas, ele não descuida da terapia. “Faço todos os dias os exercícios. Não tem hora marcada. Sempre que tenho um minutinho ocioso estou praticando”, conclui.

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