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Relações homoafetivas ainda sofrem resistência 

Desde maio de 2013, a Justiça concede a casais homoafetivos o direito de selar a união civil no papel, como qualquer casal heterossexual. De lá para cá, o Cartório de Registro Civil de Apucarana registrou quatro casamentos, todos de mulheres com idade e

Da Redação

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Estilistas Sidy da Costa, e Will Montovani, de Arapongas, avaliam que a rejeição está em não entender que o outro também é um ser humano, sendo a orientação sexual a única diferença (Foto: Sérgio Rodrigo)
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Estilistas Sidy da Costa, e Will Montovani, de Arapongas, avaliam que a rejeição está em não entender que o outro também é um ser humano, sendo a orientação sexual a única diferença (Foto: Sérgio Rodrigo)
Escrito por Da Redação
Publicado em 24.08.2015, 13:35:00 Editado em 27.04.2020, 19:57:11
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Desde maio de 2013, a Justiça concede a casais homoafetivos o direito de selar a união civil no papel, como qualquer casal heterossexual. De lá para cá, o Cartório de Registro Civil de Apucarana registrou quatro casamentos, todos de mulheres com idade entre 23 a 50 anos. Em Arapongas, o número é um pouco diferente. No mesmo período foram registrados oito casamentos femininos e cinco masculinos.

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O dígito, em Apucarana, representa 0,26 dos casamentos realizados no município (1,505). Na cidade vizinha, o número é de 0,93% do total de uniões (1,397), mais que o dobro da média nacional, que é de 0,35%, segundo o primeiro levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e apresentado em 2014. Os dados, entretanto, não representam o número real de uniões de casais do mesmo sexo nem, tão pouco, o respeito da sociedade com casais homoafetivos. Apesar do direito garantido, a maioria, por razões individuais, ainda opta simplesmente por morar juntos.

Um exemplo é o casal de estilistas Siderlei da Costa, 35 anos, e William Marcus Montovani, 33, de Arapongas. Eles vivem sob o mesmo teto há seis anos. Apesar do casamento dito de papel passado fazer parte dos planos da vida a dois, Sidy e Will, como são conhecidos, não têm uma data definida para a oficialização da união.

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Entretanto, quando decidiram morar juntos, em dezembro de 2009, realizaram uma celebração simbólica, para amigos íntimos e alguns familiares. Oficial ou não, neste período, os estilistas passaram por inúmeras experiências e brincam que são um casal comum, como qualquer outro. “Um gosta de ir ao shopping, o outro não. Fazemos almoço, lavamos louça, brigamos, pedimos desculpas. É tudo normal”, diz Will, com o aval de Sidy.

Para Will, que também trabalha como funcionário público, a rejeição está em não entender que o outro é também um ser humano, sendo a orientação sexual a única diferença. Apesar de avaliarem que nos dias atuais as pessoas estão mais tolerantes, ainda é comum serem alvos de xingamento na rua. “A agressão é diária, antes me ofendia muito mais, hoje, entra por um ouvido e sai pelo outro. Óbvio que fico constrangido porque, às vezes, estou acompanhando”, assinala Will.

O casal garante que há tempos não revida as ofensas. “Simplesmente ignoro, porque não vai me acrescentar em nada. Não vai fazer diferença nenhuma. Se não souber respeitar, ‘baixar a bola’, vira uma troca de violência, de agressão verbal, que pode acabar virando física”, ressalta.

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Na concepção de Will, o processo de aceitação passa pela educação familiar. “Não adianta apenas a professora dizer na escola que deve-se respeitar o outro e, ao chegar em casa, presenciar o pai ou o tio xingando alguém”, comenta Will.

Will entende que esta postura, além de ser uma maneira de perpetuar o preconceito, pode desencadear uma frustação futura, caso venha se descobrir um homossexual.

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Aceitação profissional - Sidy observa que o mercado de trabalho também traduz, de alguma forma, a não aceitação. “Hoje em dia tem mais espaço. Quando eu tinha 18 anos, não conseguia emprego por causa da minha opção sexual. Eu precisei de um padrinho dentro de uma empresa para conseguir uma vaga. Atualmente, o homossexual é mais aceito por ser um bom profissional, por saber cativar o cliente”, avalia Sidy. “Nos dedicamos muito mais, porque sentimos a necessidade que devemos ser muito bons para compensar esse julgamento”, complemente Will.

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Representação na mídia - Nos últimos anos, tornou-se mais comum ver relacionamentos homoafetivos na televisão, porém, algumas vezes, os personagens parecem destoar um pouco da realidade, na avaliação de Will, como o jornalista Téo Pereira, papel de Paulo Betti, em “Império”.

Em “Babilônia”, atual novela das 21 horas da Rede Globo, que também trabalha o tema, as personagens de Fernanda Montenegro, que vive a advogada Teresa, e Nathalia Timberg, a artista plástica Estela, na avaliação de Sidy e Will, apesar da postura adequada e passar uma imagem séria, o autor Gilberto Braga errou ao colocá-las em confronto com o núcleo evangélico. “Porque não se consegue respeito agredindo ninguém”, argumenta Will.

Para o casal, o personagem mais sensato é do ator Marcello Melo Jr, que interpreta o instrutor de slackline Ivan. “O relacionamento homoafetivos é igual a qualquer outro, paqueramos do mesmo jeito e esse personagem consegue retratar melhor isso”, analisa Sidy. Para eles, quando retratados da maneira correta, a abordagem televisiva ajuda a desmistificar os relacionamentos homoafetivos.

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Entrevista com a psicóloga Mary Neide Damico Figueiró, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Educação Sexual e autora de vários livros sobre o tema. Confira!

Uau! -  O preconceito com os homossexuais, na sua avaliação, tem diminuído nos últimos anos?

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 Mary Neide Figueiró - Creio que, aos poucos, mais pessoas estão se abrindo para compreender e respeitar os e as homossexuais. Crianças e adolescentes têm mais facilidade para acolher a diversidade, até pelo fato de estarem tendo oportunidades de conviver com pessoas que têm orientação sexual diferente do padrão, de vê-las em novelas e, na vida real, no trabalhado como professores, como cabeleireiros etc. Eles têm, enfim, oportunidade, desde cedo, de observar que são pessoas normais e que podem ser tão boas e competentes pessoas como muitas outras da sociedade. 

Contudo, o preconceito parece estar se fortalecendo, ainda mais, nos meios fundamentalistas e machistas, e dentro de algumas religiões. É uma atitude reacionária, ao meu ver, em resposta às lutas sociais e políticas pelos direitos das pessoas LGBTT (Lésbicas, gays, bissexuais e travestis). Isto se dá, em grande parte, tendo como mote a "defesa da família", com o propósito de preservar o "modelo padrão de família", composta pelo casal heterossexual e seus filhos. Neste caso, ignora-se a realidade, na qual se observam variedades de tipos de famílias, entre elas, as de casais de homens ou mulheres homossexuais. Então, o machismo, a ignorância do que seja a homossexualidade e também as religiões com visão de pecado são os fatores responsáveis pela homofobia, que significa aversão ou ódio às pessoas homossexuais, bem como às pessoas LGBTT, podendo levar ao desprezo, à violência psicológica e mesmo física, em maior ou menor grau. Não conhecer a respeito da homossexualidade, significa, a princípio, não saber, sequer, que não é doença, não é transtorno, nem opção, pois a pessoa não escolhe ser homossexual. A homossexualidade é uma orientação sexual, assim como a heterossexualidade. É importante banirmos de nosso vocabulário os termos opção sexual e   homossexualismo, pois o final "ismo" significa doença.

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Uau! - Por que, hoje em dia, algumas pessoas ainda têm tanta dificuldade em aceitar os relacionamentos homoafetivos?

Mary Neide - Simplesmente porque, em nossa cultura, fomos sempre acostumados a conviver com o modelo heterossexual, fomos educados nesta única direção e tudo ainda é novo para muitas pessoas. Os homossexuais, até pouco tempo, não se assumiam abertamente, a não ser em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. É preciso dar tempo ao tempo, esclarecer as pessoas, criar espaços nas escolas, para conversar sobre o tema com crianças e adolescentes e pais. Falar a respeito, esclarecer, não torna nenhuma criança ou adolescente homossexual. Este é um medo infundado que, muitas vezes, pais e educadores têm.

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Uau! - Infelizmente, é muito comum presenciarmos cenas de intolerância com homossexuais. Em alguns casos, são xingados e até agredidos fisicamente. Por que isso ainda persiste? As leis existentes não são suficientes para que sejam respeitados? 

Mary Neide - A homofobia (também se fala em lesbofobia e transfobia) ocorre por causa da ignorância e desconhecimento sobre a diversidade sexual e por causa, também, da formação religiosa reguladora e opressora, que recrimina e taxa como pecadores os diferentes no quesito sexual. Também, em alguns casos, a pessoa extremamente homofóbica, inconscientemente, pode estar com medo de se dar conta de seu próprio desejo homossexual, por isso, ataca os homossexuais como forma de se proteger, de garantir para si mesmo que não se tornará um deles. Leis? Não há leis que criminalizem a homofobia, embora, no Senado, tramite projeto para criminalizá-la e, mesmo que houvesse, acredito que elas não conteriam ódios extremos.

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Uau! - O que mais é preciso fazer para que o preconceito e a intolerância sejam vencidos? Educação de gênero nas escolas para as crianças? Educação aos pais? Como fazer isso? 

Mary Neide - A Educação Sexual nas escolas e na família é a alternativa que deve ser buscada. Por meio dela, educamos para o respeito a todo tipo de diversidade - de raça, de religião, de cor, de orientação sexual, de sexo, de identidade de gênero, etc. Por meio dela, podemos reconstruir a igualdade entre os sexos para que, desde pequeninas, as crianças aprendam que todos são iguais e têm o mesmo direito e valor. O livro: “Menino brinca de boneca”, do psicólogo Marcos Ribeiro, ajuda a construir a igualdade de gênero. Registro que, atualmente, o pai de família cuida dos bebês, dá banho, participa, enfim. O menino também pode brincar de ser pai; é um treino para a vida adulta e não torna nenhum garoto homossexual. Há muitos livros de literatura infanto-juvenil que possibilitam trabalhar o repeito ao diferente. Exemplos: “O gato que gostava de cenoura”, de Rubem Alves, e “Um corvo torto”, de Helga Bansch. Para educar, é preciso criar espaços de reflexão, de debates sobre todos os temas relacionados à sexualidade. Os alunos precisam ler, ouvir, falar, expressar seus sentimentos, seus medos e angústias. Precisam ouvir os amigos e aprender a respeitar opiniões diferentes. Precisam aprender a pensar e pensar sobre sexualidade é também pensar a sobre a vida. Sugiro, ainda, “Olívia tem dois papais”, de Marcia Leite, para aprendermos, por meio de uma obra leve e bonita, que uma criança pode, também, ser feliz e bem cuidada e educada por duas boas mães ou dois bons pais.

Uau! - Como é o processo de descobrimento da homossexualidade? E a não aceitação da homossexualidade pode desencadear o que neste indivíduo tanto na esfera afetiva, profissional e familiar?

Mary Neide - Pelos estudos e histórias de vida de pessoas homossexuais, alguns começam a perceber que têm atração pelo mesmo sexo, um pouco antes dos 10 anos, outros, entre 10 e 13 anos. Mas, será ao final da adolescência que a garota ou garoto vai ter mais definida a sua atração homoafetiva. É muito comum que o processo de descoberta seja um processo sofrido, porque as pessoas sentem que não serão aceitas, não serão amadas, por muitos e isto tem um peso terrível no desenvolvimento desse indivíduo, o que pode retardar o amadurecimento da identidade pessoal. Enquanto a pessoa não compreender qual é sua orientação sexual e não se aceitar, fica dificultado o amadurecimento de sua identidade pessoal, e isso interferirá negativamente em suas relações sociais, familiares, afetivo-sexuais, bem como poderá dificultar a escolha da profissão. Recomendo os livros: “Pessoas homossexuais”, de Wunibald M6uller (editora Vozes) e “Amor entre meninas”, de Shirley Souza.

Uau! - Qual o papel da família neste processo de aceitação e orientação?

Mary Neide - A família também necessita de esclarecimento e de educação a respeito da diversidade sexual. Todos crescemos com preconceito, porque assim é nossa sociedade e assim era o tempo em que fomos educados. A família precisa ser protegida das influências fortemente negativas dos discursos de líderes religiosos que recriminam pessoas homossexuais e, por causa disso, plantam ódio dentro dos lares. É na família que a pessoal homossexual encontra o maior preconceito e é nela que o preconceito e a rejeição doem mais, pois a necessidade do jovem de se sentir amado é ainda maior no seio familiar. O discurso de algumas religiões de que aceitam a pessoa homossexual, mas não a homossexualidade, é um discurso falso e traiçoeiro. As escolas e igrejas esclarecidas e não preconceituosas podem promover oportunidades para os pais aprenderem sobre este assunto e repensarem seus preconceitos e sentimentos. Há muitos bons livros a respeito. Ajuda muito a superar o preconceito se, ao pensarmos sobre a homossexualidade, pensarmos no amor (e não no sexo) entre duas pessoas.

*Sugestões de livros e filmes feitas por Mary Neide Figueiró. Livros: “Crônicas de um gay assumido”, de Luiz Mott; “Viagem Solitária”, de João Nery, primeiro trans-homem operado do Brasil. Filmes: “Baby Love, Orações para Bob” (baseado em fatos reais); “Do que é feita uma família” (baseados em fatos reais); “Transamérica”.

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